Entrevista de Ghassan Kanafani por Richard Carleton em Beirute

Essa é a tradução livre feita pela CARPAS de uma entrevista de Ghassan Kanafani, porta-voz da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP) em Beirute, conduzida por Richard Carleton em 1970.

Fernanda de Melo
CARPAS
5 min readJul 1, 2021

--

“A causa palestina não é uma causa apenas para os palestinos, mas uma causa para todo revolucionário, onde quer que esteja, como uma causa das massas exploradas e oprimidas em nossa era” — Ghassan Kanafani.

Ghassan Kanafani foi um escritor de romances, peças de teatro, contos e ensaios políticos. Enquanto ativista político palestino, fora também co-fundador da Frente Popular para a Libertação da Palestina, uma clivagem marxista-leninista do Movimento Nacionalista Árabe (MNA).

Em 8 de julho de 1972, Kanafani aos 36 anos, foi assassinado em Beirute ao ligar de seu Austin 1100, detonando uma granada e em seguida uma bomba de plástico de 3 quilos plantada na barra do para-choques de seu carro. Kanafani foi incinerado, juntamente com sua sobrinha de dezessete anos, Lamees Najim. O assassinado foi reinvidicado pelo serviço secreto israelense, o Mossad.

O obituário de Kanafani no jornal The Daily Star, do Líbano, escreveu: “Ele era um comando que nunca atirou uma arma, sua arma era uma caneta esferográfica e sua arena nas páginas do jornal”.

No que tange à curta entrevista, esta foi gravada em 1970 e apresenta o líder palestino discutindo sua visão da história e da justiça da luta palestina. O diálogo é de grande relevância, visto que vídeos de Kanafani são extremamente raros.

O responsável por divulgar o vídeo, o filho do jornalista em questão, acredita que a entrevista ocorreu durante a época do Setembro Negro, quando as forças palestinas e jordanianas estavam lutando e os sequestros de campo de Dawson tinham como alvo aviões de passageiros dos Estados Unidos.

Entrevistador: O líder da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP) de Beirute é Ghassan Kanafani. Ele nasceu na Palestina, mas fugiu em 1948, como ele diz, do terror sionista. Desde então, ele tem planejado a destruição de ambos; os sionistas e os árabes reacionários.

G. Kanafani: O que eu realmente sei é que a história do mundo é sempre a história das pessoas fracas lutando contra as pessoas fortes. De pessoas fracas que têm um caso correto, lutando contra as pessoas fortes que usam sua força para explorar os fracos.

Entrevistador: Voltando para a luta que vem acontecendo na Jordânia nas últimas semanas. É a sua organização que tem estado do lado da luta. O que se tem alcançado?

G. Kanafani: Uma coisa. Que temos um caso pelo qual lutar. Isso é muito. O povo palestino prefere morrer em pé do que perder a causa. O que conquistamos! Conseguimos provar que o rei está errado. Conseguimos provar que esta nação vai continuar lutando até a vitória. Conseguimos que nosso povo nunca poderia ser derrotado. Conseguimos ensinar a cada pessoa deste mundo que somos uma pequena e corajosa nação que vai lutar até a última gota de seu sangue. Para fazer justiça a nós mesmos depois que o mundo falhou em nos dar isso. Isso é o que conquistamos.

Entrevistador: Parece que a guerra, a guerra civil foi bastante infrutífera …

G. Kanafani: (Ele corta a conversa e interrompe com raiva) Não é uma guerra civil. É uma luta popular, que se defende contra um governo fascista, que vocês defendem só porque o rei Hussain tem outro passaporte [britânico]. Não é uma guerra civil.

Entrevistador: Ou um conflito?

G. Kanafani: Também não é um conflito. É um movimento de libertação que luta por justiça.

Entrevistador: Bem, seja o que for, mas…

G. Kanafani: (Interrompe novamente com raiva) Não é “seja o que for”. Porque é aqui que começa o problema. É isso que você tem em mente ao me fazer todas as perguntas. É exatamente aqui que começa o problema. Essas são as pessoas que são discriminadas, que lutam pelos seus direitos. Isso é histórico. Se você disser que é uma guerra civil, então suas perguntas serão justificadas. Se você disser que é um conflito, é claro que será uma surpresa saber o que está acontecendo.

Entrevistador: Por que sua organização não se envolve em negociações de paz com israelenses?

G. Kanafani: Você não quer dizer exatamente negociações de paz, quer dizer capitulação, quer dizer rendição.

Entrevistador: Por que não conversar apenas?

G. Kanafani: Conversar com quem?

Entrevistador: Conversar com os líderes israelenses.

G. Kanafani: Você quer dizer uma espécie de conversa entre a espada e o pescoço!

Entrevistador: Quando não há espada ou arma na sala, você ainda poderia conversar.

G. Kanafani: Não. Eu nunca vi uma conversa entre um colonialista e um movimento de libertação nacional.

Entrevistador: Mas apesar disso, por que não conversar?

G. Kanafani: Conversar sobre o quê?

Entrevistador: Conversar sobre a possibilidade de não lutar.

G. Kanafani: Não lutar pelo quê?

O Entrevistador: Não lutar de forma alguma, não importa pelo quê.

G. Kanafani: As pessoas geralmente lutam por algo e param de lutar por algo. Então você nem mesmo pode me dizer porque nós devemos conversar e sobre o quê. Ou conversar sobre parar de lutar. E por que deveríamos?

O Entrevistador: Conversar para parar de lutar para parar a morte e a miséria, a destruição, a dor.

G. Kanafani: A miséria, a destruição, a dor e a morte de quem?

O Entrevistador: De palestinos, de israelenses, de árabes.

G. Kanafani: Do povo palestino que é desarraigado, jogado nos campos, vivendo em fome, mortos por vinte anos e proibido de usar até mesmo o nome “palestino”?

Entrevistador: Então é melhor parar a guerra para parar a morte.

G. Kanafani: Talvez para você, não para nós. Para nós, libertar nosso país, ter dignidade, ter respeito, ter nossos meros direitos humanos; são coisas tão essenciais quanto a própria vida.

Entrevistador: Você chamou o rei Hussain de fascista. A quem mais entre os líderes árabes você se opõe totalmente?

G. Kanafani: Consideramos os governos árabes de dois tipos. Algo que chamamos de reacionários, que estão completamente ligados aos imperialistas, como o rei Hussain, como o governo da Arábia Saudita, o governo marroquino e o governo da Tunísia. E então temos alguns outros governos árabes que chamamos de governos militares pequeno-burgueses, como Síria, Iraque, Egito, Argélia e assim por diante.

Entrevistador: Só para terminar, deixe-me voltar ao sequestro da aeronave. Refletindo, você acha que isso agora é um erro?

G. Kanafani: Não cometemos um erro ao sequestrá-los. Eles nos contestam. Fizemos uma das coisas mais corretas que já fizemos.

--

--