“Estávamos sendo vistas, mas não ouvidas”, diz pesquisadora e ativista ambiental negra sobre conferências internacionais

Giulia Cortazio
CARPAS
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9 min readMar 22, 2023
Foto: Observatório do Clima

Quando falamos de Estado, tão importante quanto, é sua Nação.

O povo tem papel fundamental nos desdobramentos das políticas de governo que se seguirão, e isso não se deve só as eleições. A participação popular é uma porta de entrada para diversos universos que já coexistem dentro da vida dos brasileiros, comitês e comissões são chances de harmonizar essa convivência, na natureza todos convivem harmonicamente, será que eles fazem uma reunião com síndico? A verdade é que a natureza demorou milhões de anos para desenvolver sociedades complexas tão abundantes. Nós, humanos, existimos há pouco tempo, mas nossa desarmonia uns com os outros está afetando até as mais antigas das relações naturais. Nós, sozinhos, conseguimos desestabilizar uma cadeia milenar de espécies milimetricamente caracterizadas.

É certo que medidas extremas tem dominado o cenário mundial, mas é preciso entender suas motivações e, se ela forem “salvar o planeta terra da destruição iminente”, pode ter certeza de que radicalizar as ações é o necessário.

SEGUINDO O DINHEIRO

O ano de 2023 têm promessas transformadoras. No Brasil e no mundo, a questão climática tem encontrado espaço significativo nas tomadas de decisões. Contudo, será que o combinado, mesmo que ousado, vai sair caro?

A análise da ativista pela justiça climática e pesquisadora, Mikaelle Farias, fornece uma visão privilegiada sobre de qual forma a institucionalização da mudança climática tem sido colocada na Agenda Global. Segundo ela, é notável a cooptação do assunto por empresas e Estados para obter vantagens econômicas. A jovem nordestina, atuante do Fridays For Future, grupo mundialmente conhecido por ser fundado pela revolucionária Greta Thunberg — que aos 15 anos resolveu protestar pelo fim do uso de combustíveis fósséis, e que desde então já conquistou espaços inimagináveis para “uma garotinha”, como a chamam -. Thunberg realizou um discurso feroz na ONU, de frente para os líderes mundiais e participou do fórum de DAVOS sobre mudanças climáticas, levando tudo o que a nova geração tem dito, pedido, insistido e exigido por anos, sem respostas, fazendo a questão ambiental ganhar holofotes. Numa espécie de follow de money (siga o dinheiro), é fácil entender o porquê de tal assunto parecer truncado diante das decisões da própria ONU.

Ativistas climáticas Mikaelle Farias e Greta Thunberg via Instagram

“Estávamos sendo vistas, mas não ouvidas”, diz pesquisadora e ativista ambiental negra sobre conferências internacionais.

Durante a última Conferência do Clima da ONU (COP27), a quietude chamou a atenção: ela ficou conhecida como a “COP silenciosa”, isso porque foram relatadas diversas intervenções contra protestos civis, e até mesmo a estrutura do espaço interno parecia prevenir qualquer ação de manifesto real. É preciso sublinhar que o Egito, local escolhido para sediar este evento, é rodeado pelo circulo do mercado petrolífero, acerca disto Mikaelle pontua “no final das contas tinham mais delegações de representantes da indústria do petróleo do que a delegações oficiais dos países africanos”. Segundo a ativista pela justiça climática e várias outras frentes, Mikaelle Farias, que esteve no evento — e em COPs anteriores — a sensação generalizada era a de que: “estávamos em um país que viola os direitos humanos, e grande parte das pessoas que estavam lá eram povos originários e movimento da juventude […] um cenário que reprime ativistas, então assim, a gente não conseguia fazer manifestação, no máximo algum movimento dentro de um espaço, cercado, com milhares de seguranças em volta da manifestação”. A jovem lembra ainda que o cenário pode ser ainda mais oleoso se pensarmos que a próxima edição, que está prevista para ser realizada nos Emirados Árabes Unidos que apresenta que:

Sultan Ahmed Al-Jaber, que também é CEO da petrolífera nacional Abu Dhabi National Oil Company, foi designado em janeiro para presidir a cúpula climática.

Durante a entrevista um ponto de reflexão foi levantado “cada vez mais os espaços vão sendo construídos assim, cercados, com pavilhões de cada país construídos em prol de um tipo de network e vetando ações incisivas como a gente fazia em outras COPs”. A questão climática parece ter sido sequestrada por um viés perigoso do neoliberalismo, a supressão de sentidos em detrimento já que agora ela é o que está movimentando a economia, Mikaelle comenta: “eles não querem deixar essa transição (energética) passar de uma forma que eles não ganhem tanto dinheiro”. Ainda sobre a sua experiência nesse evento mundial, ela apresenta:

“Foi um choque. Estávamos ali meio que… assim: vocês estão sendo vistas, mas não estão sendo ouvidas. A gente quer vocês aqui, mas para tirar umas fotos… fiquem parados… sabe? É uma coisa meio que para favorecer a imagem da juventude para favorecer a si e, enquanto isso, eles passavam vários empreendimentos à fim da exploração de petróleo por trás.”

Recentemente o Catar, país vizinho, sediou a Copa do Mundo de Futebol e apresentou diversos problemas em relação a protestos contra a homofobia regularizada dentro do país — o olhar para esse lado do mundo já foi por motivos econômicos, agora é preciso entender sua posição estratégica no campo cultural internacional.

O REVÉS

Já sobre o Brasil: “o melhor e talvez único país com potencial de transição energética” — pontuação da atual Ministra Marina Silva, na cerimonia de titulação do cargo — se trata de uma Nação que reúne, desde muito tempo, as condições perfeitas para liderar a luta pela justiça climática mundialmente.

As expectativas estão altas, é uma aposta de fim do mundo

“Em nenhum outro país as condições naturais para uma transição justa para uma economia de carbono neutro são mais evidentes do que no Brasil.”

O que a nova Ministra do Meio ambiente vai fazer a respeito do fim do mundo? Tem muita coisa guardada no peito por 4 anos para se dizer, mas mais difícil que isso, será transformar essas palavras em ação, resultados reais palpáveis em pouco tempo, e cercado de vários inimigos impiedosos.

Desde sua campanha na corrida presidencial, o atual presidente da República, figurão conhecido pelo mundo, Lula, ocupará o cargo de presidente do Brasil pelos próximos quatro anos e estipulou algumas medidas em acordo com a então senadora Marina Silva.

O QUE JÁ MUDOU:

  • Retomada o Acordo de Paris;
  • Foi recriada a Secretaria Nacional de Mudança do Clima no MMA, que inclui um departamento de políticas para oceano e gestão costeira;
  • Vinculados ao MMA estão o IBAMA, o ICMBIo, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, a ANA, o Serviço Florestal e, mais à frente, a Autoridade Nacional de Segurança Climática;
  • Até março deste ano será formalizada a criação da Autoridade Nacional de Segurança Climática. Chamando a atenção para o seu propósito principal explicado de maneira mais detalhada:

Ele terá como finalidade produzir subsídios para a execução e implementação da Política Nacional sobre Mudança do Clima, regular e monitorar a implementação das ações relativas às políticas e metas setoriais de mitigação, adaptação e promoção da resiliência às mudanças do clima; e, supervisionar instrumentos, programas e ações para a implementação da Política Nacional sobre Mudança do Clima e seus planos setoriais.

Entre as medidas tomadas, está o acréscimo ao nome do Ministério, que agora se chama “Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima”, permanecendo a mesma sigla: MMA.

Esse aumento nominal tem uma razão que não é retórica: a emergência climática se impõe.

Essa diretriz tem como ideal revitalizar, tanto quanto criar, arcabouços institucionais para uma governança climática fortemente articulada, em prol de tratar o tema com a necessária transversalidade, contando com a participação de todas as instâncias governamentais, bem como de representantes de toda a sociedade brasileira, do setor produtivo, acadêmico, científico e da sociedade civil.

Participação popular de volta ao governo:

O ex-governo sob a gestão de Jair Bolsonaro destruiu a estrutura de proteção ambiental no país de maneira perversa, causando danos que atingiram visivelmente os direitos sociais, humanos e democrático. Isso demonstra que o social e o econômico são inerentemente ligados ao ambiental. Como aponta Marina:

“A verdade é que falar da agenda socioambiental é falar de justiça social.”

Aqui se faz jus à lembrança do conceito de Direitos da Natureza. Em seu discurso, a Ministra Marina ainda denuncia que a participação social na pauta ambiental foi destruída no governo anterior. Verdade expressa claramente na seguinte ação:

Em 2019, após completar 100 dias de mandato, Jair Bolsonaro extinguiu todos os conselhos, comissões e comitês que não tenham sido criados em lei — o equivalente a 75% dos órgãos participativos mais importantes do país

A grande parte dos conselhos atacados ou, “enxugados porque não decide nada”, como diz o próprio Bolsonaro, foram os que tratam do meio ambiente e direitos das mulheres, e vários deles foram revogados. Isso não é por acaso — conselhos atuam em fiscalização de políticas e tem poderio de impedir medidas e atos, portanto, a clara diminuição da democracia foi proporcional ao inerente aumento da vulnerabilidade social, já que se aniquilou o ponto principal das trocas entre governo e povo. Em entrevista, a cientista política Carla Bezerra, pesquisadora da USP e do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), analisa que com a extinção desses comitês logo nos primeiros meses de governo Bolsonaro, a vasta maioria das discussões ficaram à mercê de pessoas de dentro do próprio governo, sem cientistas, povos indígenas ou trabalhadores, provocando o estrangulamento de um possível debate.

“Comprometo-me, por meio do Ministério que tenho a honra de conduzir, a envidar todos os meus esforços para que essas letras escritas se traduzam na prática. O papel do MMA não é ser um entrave às justas expectativas de desenvolvimento econômico e social de nossa população, mas de um facilitador para orientar a forma como essas demandas podem ser atendidas sem prejuízo da necessária proteção de nossos recursos naturais”

De volta à entrevista, com Mikaelle Farias, do Fridays For Future, ela comenta diretamente sobre a Ministra:

“Inclusive, a Marina estava em um fórum econômico mundial para tentar pegar financiamento pro Ministério do Meio Ambiente e Clima. Então, assim, eu acho que a COP vai ser um pouco estratégica para o Brasil, mas temos que tomar cuidado para não deixar nenhuma lacuna. Para não deixar que venha qualquer empreendimento pra cá que a galera chegue, as pessoas de fora acharem que a Amazônia é de todo mundo.”

Marina Silva e à sua esquerda está Mikaelle Farias em conjunto à jovens ativistas ambientais de algumas partes do mundo. Disponível em https://www.instagram.com/p/CnnihhRqAT4/?igshid=YmMyMTA2M2Y%3D

A linguagem adotada por Marina Silva também é peculiar. Sem esforços chistosos, ou através de uma chuva de mentiras, a ministra chegou até os brasileiros com a criatividade pacífica de reproduzir um meme no Tiktok:

https://www.tiktok.com/@_marina.silva/video/7149701328032353542?lang=pt-BR

A IRRESPONSABILIDADE RECORRENTE DE CANAIS JORNALÍSTICOS EM SUAS CHAMADAS POR CLICKS

Esta semana A Folha de SP, canal proeminente no campo jornalístico brasileiro emitiu a guia: Em duas semanas, desmatamento na Amazônia já bate record para fevereiro”. Na era da informação, que gera exaustão em seus integrantes, a “informação pílula” (em formato pequeno rápido de ler e compreender o assunto abordado) tem sido amplamente utilizada em todas as redes sociais. Isso acarreta um problema que talvez seja o carro-chefe das famosas fake news já que, por muitas vezes, elas são escritas de forma duvidosa e enviesada. Esse é o marketing perfeito no campo da publicidade, com o objetivo claro de gerar alta circulação, e pouco importa se perdem o título de seriedade, nesse caso prevalece a máxima, “publicidade é publicidade, não existe publicidade ruim, falem bem ou falem mal, mas falem de mim”. A chamada discorre sobre um dado que a priori parece mostrar um começo de governo desastroso no âmbito ambiental, já que o assunto foi holofote dos debates presidenciais.

Todavia, a manchete não explicita as causas dos dados, sendo a principal de que, agora, simplesmente possuem registros dos acontecimentos pois voltamos a ter monitoramento, registro e divulgação do DETER, coisa que não tivemos nos últimos anos. Então, é lógico entender que com mais dados apurados maior será revelado sobre a situação que se instaurou há muito tempo atrás, e entender que as medidas já estão sendo tomadas. Já é possível visualizar que organizadas e assertivas medidas já foram feitas no combate e na salvaguarda deste, para que não seja resumida a uma postura de governo, mas sim de Estado, contínua. Por isso, então, é lógico entender que com mais dados apurados, mais será revelado sobre a situação.

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Giulia Cortazio
CARPAS
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Bacharel em relações internacionais porque achei se tratar de outros tipos de relações..