Frida Kahlo e o comunismo

Maria Luiza Dantas
CARPAS
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5 min readAug 10, 2023

Frida Kahlo, pintora mexicana nascida em 6 de julho de 1907 e falecida em 13 de julho de 1954, é uma das artistas mais conhecidas ao redor do mundo, frequentemente mais por sua imagem do que por sua obra e vivências, já que, nos últimos anos, tem se tornado uma face tão popularizada quanto Marilyn Monroe ou David Bowie. Seu rosto protagoniza milhares de modelos de camisetas, bolsas, almofadas e produtos de decoração. Por isso mesmo, é habitual ver sua imagem e seu trabalho higienizados e recortados para caber nos moldes do consumo, agradando ao máximo de pessoas possível. Mesmo no campo da história da arte, a estudiosa Janice Helland destaca o descaso com o âmbito político do trabalho da artista, ao escrever no Women’s Art Journal: “(…) as obras de Kahlo têm sido exaustivamente analisadas psicologicamente e, portanto, higienizadas de seu conteúdo sangrento, brutal, e claramente político”. Provavelmente, os produtos estampados com o rosto de Frida seriam menos vendidos se sua relação com o comunismo fosse melhor conhecida. Mesmo as pessoas que buscam conhecer melhor sua biografia, em geral, são levadas a crer que essa relação se limitava ao relacionamento romântico de seis meses que teve com Leon Trotsky, durante o período em que ele esteve hospedado na casa de Frida e seu marido, Diego Rivera, no México.

É importante não deixar de lado esse acontecimento, que, nas palavras de Frida, foram os momentos mais felizes de sua vida, além de render uma obra de arte e um interrogatório da polícia mexicana por ser suspeita de participação no assassinato de Trotsky. No entanto, sabemos que é prática comum e nociva resumir mulheres a seus relacionamentos com homens; por isso, é fundamental conhecer a atuação de Frida no comunismo para além desse episódio. Assim, torna-se possível não apenas preservar a memória de uma artista e militante, mas também evitar a perpetuação dessa prática em relação a outras mulheres, tanto as já falecidas quanto as ainda vivas e atuantes.

Breve síntese da atuação política de Frida

Frida Kahlo foi membro do Partido Comunista Mexicano (PCM) desde a década de 1920, mesmo que ele estivesse em ilegalidade na época. Antes disso, participou do grupo jovem “Los Cachuchas”, reivindicando os direitos dos trabalhadores do campo e da cidade no país. A partir desse momento, ela passa a se aproximar e reivindicar a cultura tradicional mexicana, o que se reflete em toda a sua obra e em sua imagem pessoal — por meio de sua adesão ao movimento artístico da Mexicanidad. Ao entrar no PCM, ela também entrou em contato com figuras comunistas proeminentes naquele período, como a fotógrafa Tina Modotti e o jornalista Julio Antonio Mella, exilado de Cuba. Dentro do partido, foi uma militante ativa, fazendo discursos, participando frequentemente das reuniões e liderando manifestações.

Um momento decisivo de sua trajetória política foi seu período vivendo nos Estados Unidos com Diego Rivera, seu marido. O casal esteve no país de 1930 a 1933, no auge da Grande Depressão e das leis racistas Jim Crow. Em cartas para sua família, Frida destacou seus sentimentos de ódio provocados pela desigualdade social gritante no país, com grande parte da população vivendo em completa miséria enquanto a pequena porcentagem de ricos vivia em luxo. Além disso, ela mesma sofreu o desprezo reservado aos latinos e às mulheres no país. Em 1933, um artigo do jornal Detroit News foi publicado a seu respeito com a manchete “Esposa de Grande Pintor Alegremente Brinca com Arte”. Já em 1936, de volta ao México, Frida participou da fundação de um comitê de apoio para os republicanos que lutavam contra o fascismo na Guerra Civil Espanhola.

Nesse período, a artista se considerava trotskista, tendo saído do PCM em 1929 por seu apoio à Oposição de Esquerda, grupo político soviético de oposição a Stalin. Diego Rivera teve, inclusive, um papel fundamental no convencimento do então presidente Lázaro Cárdenas a receber Trotsky e sua esposa Natalia Sedova em 1937. No entanto, isso mudou em um cenário no qual a adesão ao trotskismo enfraquecia cada vez mais frente ao sucesso da União Soviética liderada por Josef Stalin. Assim, Frida e Diego passaram a aderir ao stalinismo em 1939, seguindo a tendência entre os comunistas de todo o mundo que acompanhavam os bons resultados socioeconômicos da União Soviética naquele período. Pouco antes de seu assassinato, Trotsky chegou a entrar em contato com Frida para retomar relações com o casal, mas ela não respondeu.

Autorretrato com Stalin, 1954

Em 1948, Frida retornou ao Partido Comunista Mexicano e retomou o intenso trabalho de base que executava antes. Por um período, ela deu aulas de marxismo por meio do Ministério da Educação do México. Mesmo quando sua condição de pessoa com deficiência tornava difícil a participação integral, a artista se manteve atuante da maneira que lhe era possível, contribuindo financeiramente com o partido e dedicando-se ao estudo de teoria.

Em 1951, ela escreveu em seu diário: “Devo lutar com toda a minha força para contribuir com as poucas coisas positivas que minha saúde permite para a Revolução, o único motivo real para viver.” Por coincidência ou não, esse também é o momento em que mais aparecem referências claras ao comunismo em seu trabalho. Em 1950, por exemplo, ela pintou uma foice e um martelo em um de seus coletes ortopédicos.

Já em 1954, meses antes de morrer, ela pintou seu quadro de teor político mais conhecido, intitulado “O marxismo dará saúde aos doentes”. 11 dias antes de morrer, ela participou, apoiada por uma cadeira de rodas, de uma manifestação contra o envolvimento dos EUA no golpe que depôs Jacobo Arbenz, na Guatemala. Sobre seu caixão, foi exposta uma bandeira vermelha decorada com a foice e o martelo.

O marxismo dará saúde aos doentes, 1954

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Maria Luiza Dantas
CARPAS
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Antes de tudo, paraibana e marxista-leninista. Graduanda em Relações Internacionais pela UFPB e pesquisadora de Estudos de Paz pelo GEPERI.