Minha mãe já foi uma menina com sonhos — e eu esqueço disso
A maravilhosa Greta Gerwig trouxe ao cinema sua versão da Barbie. Mas já aviso que isso não é uma crítica.
Eu não esperava que um filme sobre uma boneca de plástico fosse me inspirar para escrever esse texto. Eu gostaria de convidar todas as mulheres, LBT+, independente de cor ou classe, para celebrar um pouco nossa história.
Essa versão da boneca que cresci brincando deixou a mim (e milhões de mulheres) olhando para o passado e pensando na existência, no ser mulher, um tema recorrente na obra de quase todas mulheres artistas, eu inclusa.
É saber que poderíamos ser qualquer coisa que sonhamos. Se a sociedade não fosse como é.
Sofremos ainda criança sobre o que podíamos ter sido. Até nossas mães. Em toda mãe existe uma criança sonhadora, e eu me esqueci disso. O que aproxima e afasta a filha da mãe e a mãe da filha é a experiência compartilhada de existir mulher. Na medida que é lindo, é uma existência destinada à melancolia. Estamos sempre de luto por nós mesmas.
Lamentamos versões antigas de nós. A mais nova tinha mais oportunidade, era cheia de vida, vivia mais. Era mais, simplesmente e magicamente. De olho no passado não vemos toda beleza escancarada do hoje.
E eu nunca vou saber quem minha mãe era antes de mim. Eu vejo reflexos transbordados que não existem nem nas entrelinhas, são destinados às notas de rodapé. E questiono: será que machuca olhar para toda imensidão do que foi e ter que aceitar a dor do que é?
Existe uma beleza única no ser mulher. Mas existe uma dor. É entender que somos completas: corpo e alma para além do coração. O emprego da mulher é amar. Mas nenhuma vida pode dar 100% amor. Amar não porque amamos, mas porque esperam da gente o amor. Se não o for, “amargura” é o nome que descrevem.
Ser mulher é viver com um trauma geracional que não desejamos, mas o temos. Em algum livro, Clarice Lispector escreveu: “o destino de uma mulher é ser mulher”. Em uma série da Netflix, Anne With An E , uma personagem grita, enquanto dança e chora: “how I love being a woman!”, ou seja, “como eu amo ser mulher”. Ou como escreveu a cantora japonesa Mitski, que resumiu tão bem nosso dilema com o tempo e a idade: “eu era tão nova quando eu me portava como se tivesse 25 e agora eu descobri que me tornei uma criança grande”. Essa experiência vai além da arte, apenas sendo que se sente.
Mas, vocês devem se questionar: por que o título desse ensaio fala sobre a relação mãe e filha?
Porque todos esses sentimentos são universais e, ainda assim, os esquecemos. O filme da Gerwig que mais me toca é um “menos” conhecido: ele se chama Ladybird. Em um breve resumo, o filme trata do desenvolvimento de uma adolescente — a Ladybird — e a sua relação conturbada com a mãe. Em uma cena, a mãe afirma: “eu só quero que você seja a melhor versão de você que você pode ser”, o que a filha rebate questionando “e se essa for a minha melhor versão?”.
E a relação de cabo de guerra mãe e filha é uma onde as mães seguram todas as pontas para que as filhas não se cansem cedo demais e possam ser suas melhores versões. Fazem isso como o podem, nem sempre como as filhas esperam ou o merecem. Fazem isso na esperança que as filhas sejam a melhor versão delas. Às vezes é a versão certa, outras, não.
Nós (filhas) somos a continuação de algo. Ser mulher é todo o peso do antes na mesma intensidade que se constrói um futuro. Perdemos o direito de sonhar no momento que nos tiram os contos de fada e pedem o realismo, o futuro precisa ser realista.
É toda beleza.
É toda dor.
É toda beleza.
É todo derramamento de sangue.
É toda beleza.
É toda tristeza.
É toda beleza.
É (mulher).