#Cardume — Mu-lher
para todas nós que precisamos, vulneravelmente fortes, lidar com a dor que é ser.
por Maria Fernanda Cavalcanti Silvestre
é acordar às 05h da manhã com ansiedade porque a possibilidade do assédio no ponto de ônibus me assombra
é buscar encontrar conforto num sentimento que enche, todo dia, um pouco mais a minha solidão e tristeza
é tentar ligeiramente ser boa, para comprovar ao outro, e até a outra mulher, que sou suficiente
porque é difícil distinguir a criação e o sonho
porque no sonho a gente não se odiaria tanto, com medo de ser um pouco pior
e afinal, o que é entendimento?
por que na criação a gente se odeia tanto, incessantemente buscando ser um pouco melhor?
quando até a elucidação é usada contra nós, como nos proteger?
não saber a resposta também é projeto, que se assume assustador
a vida parece nos entregar ao perecer enquanto buscamos motivos para viver
se a punhalada continua sendo direcionada para mim, mulher de cor
para minha irmã de feminilidade e amor
para a mulher que vive presentemente em sua alma e, em seu próprio tempo, se mostrou
para todas nós que precisamos, vulneravelmente fortes, lidar com a dor que é ser:
que sangrar não defina nossa identidade
que ser mulher signifique comunidade
que diariamente possamos castrar as criações banhadas de misoginia que não nos permitem encontrar o além-mar
essa coisa que já é tão nossa, o comum
que é diferente também e nos ensina o olhar
e assim possamos profetizar:
que daqui nascerá cumplicidade e a comunidade diversa e sã, soará potência essa que quebrará qualquer criação de rivalidade
porque a divisão nos tornaria rivais, enquanto a benção une todos os diferentes carnavais
une as nossas singularidades enquanto iguais
que o nosso plural grite e, guerreando ativamente, destrua qualquer sinal de um sistema que busca dilacerar nossas potências nominais
que o nosso nome brilhe com nossos afetos e prazeres, os jornais
chega de morte, a partir de agora a gente carrega a profecia de mãe
e abraçadas quebraremos as correntes de corpo e sangue
porque isso é fazer política em tempos de tirania em transe
Maria Fernanda Cavalcanti Silvestre é estudante da Relações Internacionais na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), membra do Projeto Universidade Em Ação (PUA/UEPB) e pesquisadora do Grupo de Estudos de Paz e Segurança Mundial (GEPASM/UEPB). É apaixonada por música, cinema e viagens. Ocasionalmente escreve poesia em seu blog Maria na Lua.
#Cardume é uma seção na Revista Carpas no qual convidamos mulheres, pessoas trans e não-bimárias a compartilharem conosco seus textos autorais de forma voluntária. Serão aceitos artigos de opinião, produções literárias, resenhas críticas sobre livros, filmes, músicas e de temas variados. Envie seu texto aqui.