#Cardume — Mu-lher

para todas nós que precisamos, vulneravelmente fortes, lidar com a dor que é ser.

Revista Carpas
CARPAS
2 min readMar 8, 2023

--

por Maria Fernanda Cavalcanti Silvestre

‘Medusa com a cabeça de Perseu’, por Luciano Garbati. Créditos: Reuters/BBC.

é acordar às 05h da manhã com ansiedade porque a possibilidade do assédio no ponto de ônibus me assombra

é buscar encontrar conforto num sentimento que enche, todo dia, um pouco mais a minha solidão e tristeza

é tentar ligeiramente ser boa, para comprovar ao outro, e até a outra mulher, que sou suficiente

porque é difícil distinguir a criação e o sonho

porque no sonho a gente não se odiaria tanto, com medo de ser um pouco pior

e afinal, o que é entendimento?

por que na criação a gente se odeia tanto, incessantemente buscando ser um pouco melhor?

quando até a elucidação é usada contra nós, como nos proteger?

não saber a resposta também é projeto, que se assume assustador

a vida parece nos entregar ao perecer enquanto buscamos motivos para viver

se a punhalada continua sendo direcionada para mim, mulher de cor

para minha irmã de feminilidade e amor

para a mulher que vive presentemente em sua alma e, em seu próprio tempo, se mostrou

para todas nós que precisamos, vulneravelmente fortes, lidar com a dor que é ser:

que sangrar não defina nossa identidade

que ser mulher signifique comunidade

que diariamente possamos castrar as criações banhadas de misoginia que não nos permitem encontrar o além-mar

essa coisa que já é tão nossa, o comum

que é diferente também e nos ensina o olhar

e assim possamos profetizar:

que daqui nascerá cumplicidade e a comunidade diversa e sã, soará potência essa que quebrará qualquer criação de rivalidade

porque a divisão nos tornaria rivais, enquanto a benção une todos os diferentes carnavais

une as nossas singularidades enquanto iguais

que o nosso plural grite e, guerreando ativamente, destrua qualquer sinal de um sistema que busca dilacerar nossas potências nominais

que o nosso nome brilhe com nossos afetos e prazeres, os jornais

chega de morte, a partir de agora a gente carrega a profecia de mãe

e abraçadas quebraremos as correntes de corpo e sangue

porque isso é fazer política em tempos de tirania em transe

Maria Fernanda Cavalcanti Silvestre é estudante da Relações Internacionais na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), membra do Projeto Universidade Em Ação (PUA/UEPB) e pesquisadora do Grupo de Estudos de Paz e Segurança Mundial (GEPASM/UEPB). É apaixonada por música, cinema e viagens. Ocasionalmente escreve poesia em seu blog Maria na Lua.

#Cardume é uma seção na Revista Carpas no qual convidamos mulheres, pessoas trans e não-bimárias a compartilharem conosco seus textos autorais de forma voluntária. Serão aceitos artigos de opinião, produções literárias, resenhas críticas sobre livros, filmes, músicas e de temas variados. Envie seu texto aqui.

--

--