Nicarágua

Beatriz Firmino
CARPAS
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8 min readSep 4, 2020

A “Insurreição Latina” é uma série de textos que visa contextualizar historicamente as grandes revoluções da América Latina pela libertação do povo, mostrando o impacto da intervenção imperialista norte-americana.

“He dicho Escuela del Sur porque en realidad nuestro norte es el Sur. No debe haber norte, para nosotros, sino por oposición a nuestro Sur. Por eso ahora ponemos el mapa al revés, y entonces ya tenemos justa idea de nuestra posición, y no como quieren en el resto del mundo. La punta de América, desde ahora, prolongándose, señala insistentemente el Sur, nuestro norte.”

“América Invertida” de Joaquin Torres Garcia

O imperialismo é um sistema de expansão e domínio político, econômico e cultural de um Estado poderoso sobre outro considerado mais fraco. Embora exista desde a Antiguidade, foi com o avanço do capitalismo que essa prática tornou-se cada vez mais invasiva, modificando profundamente a história daqueles que foram explorados pelo Estado burguês durante décadas. A partir da necessidade de lutar contra a hegemonia dos Estados Unidos, surge, em toda América Latina, revoluções em nome da libertação do povo. Em Nicarágua, a Revolução Sandinista, liderada pela Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), foi responsável pela derrubada do ditador Somoza em 1979.

“Que las fuerzas insurreccionales son fuerzas anárquicas. El arte talvez es cuando la insurrección se convierte en una acción de masas, que es la que logra establecer el sitio sobre la Guardia Nacional y lo hace en el resto del país.” Dora María Téllez, comandante da FSLN.

Após a Nicarágua tornar-se independente da Espanha e território da América Central, houve uma forte disputa pelo poder entre os conservadores (que governaram o país inicialmente) e os liberais (que governaram a partir 1893). O principal interesse dos EUA era a construção de um canal que ligasse os oceanos Atlântico e Pacífico, já que a Nicarágua estava localizada em um continente que possui uma faixa de terra que liga a América do Norte e do Sul. Para garantir esse objetivo, passaram a interferir diretamente na política nicaraguense para que os conservadores retornassem ao poder, enviando a sua força militar em apoio ao Governo. Essa força voltou a ser usada em 1926, quando novamente conservadores e liberais entraram em conflito, dando início à Guerra Constitucionalista. Com a justificativa de manter a paz e restaurar a ordem, os EUA criaram o Pacto Espinho Negro, com o objetivo de desarmar as forças rebeldes e fixar a sua força militar por meio da criação da Guarda Nacional da Nicarágua, além de supervisionar as eleições no país sob pretexto antipartidarista.

Augusto César Sandino por Asamblea Nacional de Nicaragua

O primeiro sinal de inssureição surge em 1927, quando Augusto César Sandino, líder do Exército Defensor da Soberania Nacional da Nicarágua (EDSN), rejeita o Pacto Espinho Negro. Diante dessa recusa, deu-se início a um conflito entre aqueles que defendiam o antimperialismo, a soberania e autodeterminação do povo nicaraguense (EDSN) e os que defendiam os interesses norte-americanos (Guarda Nacional). Em 1933, após seis anos de conflito, Roosevelt retirou suas tropas do país impulsonado pela crise ecônomica que atingia os EUA na mesma época (período conhecido como a Grande Depressão). No mesmo ano, Sandino assinou um acordo de paz com o então presidente Juan Bautista Sacasa. O revolucionário fora assassinado em 1934 a mando de Anastasio Somoza, que assumiu a direção da Guarda Nacional e tirou Sacasa do poder, dando início a sua ditadura em 1936 por meio de uma eleição fraudulenta.

Junho de 1971. O presidente dos Estados Unidos Richard Nixon e Anastasio Somoza Debayle em encontro antes de jantar oficial na Casa Branca por Jack E. Kightlinger (domínio público: NARA Records)

Para compreender melhor a dinastia da família Somoza, eis a ordem dos mandatos:

Anastasio Somoza García, governando de 1937 a 1947 e de 1950 a 1956.

Anastasio Somoza García (arquivo La Prensa)

Luis Somoza Debayle, filho de Somoza García, governando de 1956 a 1963 após a morte do seu pai.

Luis Somoza Debayle (arquivo El Nuevo Diario)

Anastasio Somoza Debayle, também filho, governando de 1967 a 1979.

Anastasio Somoza Debayle (arquivo La Prensa)

Marcado pelo nepotismo e enriquecimento dos Somoza, pela miséria e repressão militar, o período ditadorial enfrentado por Nicarágua foi um dos mais violentos da América Latina. Esse regime conseguiu se manter por tantos anos devido ao apoio da Guarda Nacional, dirigida pelo próprio ditador, e do Governo Norte-americano. Sob pressão dos EUA, Somoza não se reelegeu após o fim do seu primeiro mandato; mas nomeou Leonardo Argüello Barreto (1947), que logo sofreu um golpe de estado ao se colocar contra à política de Somoza, diminuir a autonomia da Guarda Nacional e o poder da elite econômica. Nomear marionetes para o cargo presidencial tornou-se uma prática comum do ditador: para substituir Argüello, elegeu Benjamín Lacayo em 1947 — tio de sua esposa — como interino, mas este também não durou porque os EUA não o reconheceram. Em seguida, elegeu Víctor Reyes (seu tio), que permaneceu até o seu segundo governo em 1950.

A Frente Sandinista de Libertação Nacional e o fim da ditadura Somoza

Entrada de los Sandinistas a Manágua por Pedro Valtierra

“Nós não poderíamos lutar contra através do voto. Não poderíamos combatê-lo com uma mobilização política, então lentamente cheguei à conclusão de que a luta armada era a única maneira de enfrentar a ditadura.” Dora María Téllez, comandante da FSLN.

Diante da dura repressão sofrida por aqueles que se colocavam contra o Governo, mostrou-se necessária uma luta armada para mudar essa realidade. Em apoio ao grupo, a própria população nicaraguense doou suas armas para ajudar na guerrilha. Inspirada pelo mártir Sandino – daí o termo “sandinismo” -, a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) deu início à luta pelo fim do imperialismo estadunidense, da ditadura e da miséria. Do ponto de vista das mulheres, isso significava incluí-las na sociedade, já que não havia participação política. Motivadas pela possibilidade de uma mudança drástica na realidade do país, as nicaraguenses tiveram um papel importante na derrubada da ditadura.

“Não seria através da religião, caridade ou boa vontade que mudaria a nossa sociedade: seria somente através da ação.” Daisy Zamora, combatente da FSNL.

Em 1974 junta-se à Frente um dos nomes mais importantes no processo de libertação: Dora María Téllez. Além dela, combatentes como Olga Aviles, Monica Baltodano, Daisy Zamora, Idania Fernandez também somaram na luta. Juntas, protagonizaram a revolução de uma forma jamais vista antes em qualquer revolução. Para não serem descobertos, os sandinistas viviam na clandestinidade para se preparar para a luta armada. Enquanto Somoza negava a existência de uma oposição armada, eles planejavam a Operação na Casa Castillo, sendo a primeira exposição do grupo no confronto ao ditador. No natal de 1974, 13 guerrilheiros invadiram a casa do Ministro Castillo, que prestava homenagem ao embaixador Shelton, para exigir a liberdade dos guerrilheiros e um resgate no valor de $5 milhões; contudo, Somoza só aceitou $1 milhão. Foram libertados 16 guerrilheiros, incluindo Daniel Ortega, membro-diretor da Frente Nacional.

Para as questões médicas, os sandinistas contavam com o apoio de Cuba, que recebiam guerrilheiros estudantes de medicina para estudar cirurgia de guerra. Além disso, também recebiam treinamento militar da base cubana: neste, recebiam preparação tanto para guerrilha rural nas montanhas quanto para o uso de armas (lançadores de foguetes, metralhadoras, revólveres).

Jimmy Carter, então presidente dos Estados Unidos, escreveu uma carta escrita à mão parabenizando Somoza pela melhora nos direitos humanos na Nicarágua. Pouco tempo depois, foram cedidos empréstimos que totalizaram US$ 150 milhões. Com mais uma demonstração de apoio do governo estadunidense e o aumento da repressão civil, a FSLN planejou mais um ataque, dessa vez em uma proporção maior: 25 combatentes colocando o Congresso como refém para libertar 60 guerrilheiros e exigir US$ 10 milhões de resgate. Em 1978, após oito anos de planejamento, o ataque ao Palácio Nacional fora colocado em prática sob o comando de Dora María Téllez. Após horas de negociação, o Governo aceitou as condições e entregou US$ 500.000 mil como resgate. Com o sucesso da operação, houve forte apoio da população e novos combatentes quiseram somar forças à Frente. Ainda assim, Somoza insistiu em renegar a ameaça sandinista a sua ditadura, alegando uma guerra “entre comunismo e as pessoas que acreditam na democracia e no governo republicano”.

“Foi uma invasão histórica e organizada contra o imperialismo e todas as suas forças.” Dora María Téllez

Em 1979, seis líderes do comando sandinista foram executados pela Guarda Nacional em um encontro secreto na cidade de Leon. A conquista de Leon, cidade mais importante do país, cravou sucessivos conflitos para a conquista de outras grandes cidades. Ameaçado, Somoza solicitou ajuda do governo dos EUA para evitar que o comunismo ganhasse força em Nicarágua, mas isso não conteve a força que alimentava a insurreição nicaraguense: gradativamente, as cidades foram tomadas pelos sandinistas, colocando um fim na ditadura em 1979.

Após sua derrota, Somoza (assim como seus aliados) fugiu para os EUA, sendo assassinado no Paraguai em 1980 pelo comando do guerrilheiro argentino Enrique Gorriarán Merlo. Ao assumir o Governo, a FSLN implementou políticas de cunho socialista na tentativa de recuperar Nicarágua da crise econômica por meio de reforma agrária, nacionalização dos bancos, valorização aos direitos humanos, melhoria na educação para reduzir as taxas de analfabetismo, melhor assistência médica e, principalmente, da desapropriação dos bens roubados pela família Somoza durante o regime.

Viva el povo de Nicarágua! Viva el Frente Sandinista de Libertación Nacional!

“19 de julio: el del Frente Sandinista de Liberación Nacional derrocan a la dictadura” por La Casa de La Historia

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REFERÊNCIAS

FILHO, César Augusto Ribeiro. A construção de uma política externa independente nicaraguense e a intervenção imperialista dos Estados Unidos. Recife: Associação Nacional de História — ANPUH-Brasil, 2019. Disponível em: <http:www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-19652011000100007>. Acesso em: 31 de ago. de 2020.

ZIMMERMANN, Matide. A Revolução Nicaraguense. Coleção Revoluções do Século 20 (Emília Viotti da Costa org.). São Paulo, UNESP, 2006.

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Beatriz Firmino
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Latino-americana, socialista e estudante de Relações Internacionais. beatrizfirmino.contato@gmail.com