O movimento #MeToo e a violência contra as mulher

Um olhar sobre uma das maiores denúncias de assédio sexual no ambiente cinematográfico

Pâmela Lins
CARPAS
5 min readMar 21, 2023

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Em outubro de 2017, o megaprodutor de cinema Harvey Weinstein foi denunciado por agredir, assediar e estuprar mulheres que trabalhavam com ele. Essas denúncias ganharam proporções imensas quando outras mulheres resolveram relatar a violência sofrida. Eram inúmeros os casos de assédio realizados por ele, levantando um imenso debate, com repercussões mundiais, sobre o silenciamento das vítimas nessas situações.

Diante disso, muitas mulheres que já tinham passado por situações semelhantes se sentiram apoiadas para relatarem as violências sofridas em seus ambientes de trabalho, escancarando para o mundo o quanto práticas como essas são comuns. Este movimento ficou conhecido pela hashtag #metoo, o objetivo era romper com o silêncio e a cultura patriarcal que oprime, controla e violenta o corpo feminino, buscando prestar o apoio adequado e necessário às vítimas de violência sexual.

Quem utilizou a hashtag pela primeira vez foi a atriz Alyssa Milano, no ano de 2017. Através de um chamado no Twitter, Milano encorajou as mulheres que já haviam passado por uma situação de abuso ou assédio sexual a comentarem com a frase “eu também”, de modo a denunciar a magnitude do problema.

No dia seguinte à postagem de Milano, a hashtag #metoo foi utilizada mais de 600 mil vezes no Twitter. Um ano depois, já eram quase 14 milhões de tuítes. Os usuários compartilhavam de suas histórias de violência sexual e/ou deixavam palavras em apoio ao movimento. Ao longo desse período, 425 líderes mundiais, presidentes de empresas, atores, jornalistas, entre outras pessoas proeminentes, foram acusados de assédio sexual (VELOSO, 2019, p.43).

Este artigo, na tentativa de tecer uma análise, a partir de uma perspectiva materialista histórico-dialética, enfatiza o caráter estrutural da violência patriarcal, presente nas situações de assédio sexual. Identifica-se enquanto estrutural, pois se apresenta em todos os extratos sociais, isto é, “não ocorre apenas em âmbito doméstico ou familiar, mas alcança o mundo público”. Neste sentido, a violência contra mulher perpassa toda uma totalidade social, que envolve uma imbricação dialética entre classe, raça e sexo; categorias que compõe a atual sociedade capitalista-patriarcal-racista (CISNE; MEDEIROS; CASTRO, 2020).

Porém, não parte-se do entendimento de que haja uma hierarquia de formas de opressão, mas sim a existência mútua delas. Por meio da somatização das opressões sofridas por determinados sujeitos e estruturas, as mulheres negras e em situação de empobrecimento são as mais atingidas.

A exemplo disso, temos que em uma pesquisa dos artistas mais bem pagos de Hollywood realizada pela Forbes (2016), constatou-se que majoritariamente, a lista é composta por homens; a primeira mulher só aparece no sexto lugar. […] Isso se torna ainda mais latente quando se considera a raça. Dentre a lista com 3 nomes de artistas mais bem pagos, em nenhum momento é citada uma mulher negra (CISNE; MEDEIROS; CASTRO, 2020, p.189).

Perante o exposto, podemos refletir sobre os espaços que mulheres negras estão ocupando, de desvalorização e aprofundamento de processos de exploração do trabalho. Na divisão social do trabalho, imposta pelo capitalismo, há alguns papeis naturalizados para homens e mulheres, ficando ao primeiro a execução de funções de produção e valorização do capital, enquanto as mulheres exercem, majoritariamente, funções de reprodução social, inviziabilizadas e escanteadas pelo capitalismo.

A desigualdade entre homens e mulheres advindas da divisão sexual do trabalho são intensificadas no processo de produção capitalista, na qual existe a desvalorização da força de trabalho feminina. O trabalho mal remunerado ou mesmo não pago, realizado pelas mulheres, são formas de se ampliar o lucro do capital (CISNE; MEDEIROS; CASTRO, 2020, p.189).

Isto posto, pensando-se em formas de manter e aprofundar esses mecanismos de exploração do trabalho, o controle dos corpos femininos se apresenta quanto favorável e de grande valia ao capitalismo. O corpo feminino cumpre uma função social de subserviência ao homem e para manter essa estrutura de opressão, mulheres são distanciadas de si mesmas, perdendo o direito sobre o próprio corpo.

O controle sexual que os homens têm sobre as mulheres não se dá apenas no matrimônio, mas também em âmbito público, à medida que não pertencemos a nós mesmo. Com as relações de classe, raça e sexo no sistema capitalista, as expressões de apropriação das mulheres não se limitam à força de trabalho, mas atingem nosso corpo coisificado (CISNE; MEDEIROS; CASTRO, 2020, p.191).

Diante de processos de naturalização da opressão patriarcal como não identificar o assédio e a violência sexual enquanto sintomáticos a tudo isso?

Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública informam que, em 2022, 30 milhões de mulheres foram assediadas sexualmente; dessas mulheres, 52,3% eram pretas. Além disso, o Brasil marca a maior prevalência histórica de casos de violência contra mulher, registrando, no ano de 2022, o total de 2.423 casos, o equivalente à 28,9% das mulheres. Segundo a pesquisa, houve um crescimento de 4,5 pontos percentuais em relação a 2021.

Os dados evidenciam quem são as mais afetadas pela violência patriarcal, nos fazendo refletir novamente sobre os espaços ocupados por estas mulheres. As mulheres pretas são diariamente desumanizadas pelo capitalismo; seu gênero, sua cor e sua condição social torna sua existência triplamente mais difícil, pois são condicionantes na busca por emprego e melhor qualidade de vida.

Além disso, seus corpos são duplamente desrespeitados, por vivermos em uma sociedade construída a partir de hierarquias sociais, as mulheres pretas se encontram no final da pirâmide, tendo seu corpo enquanto mulher, mas também enquanto preta, subjugado ao sistema patriarcal e racista.

Outro dado que podemos analisar é a evolução dos níveis de violência contra a mulher, averígua-se o crescimento exorbitante entre os anos de 2021 e 2023, período conturbado pela pandemia da Covid-19, mas também pelo obscurantismo do governo de Bolsonaro. Este último marcado pelo genocídio à população pobre e preta, através de práticas negacionistas no combate ao coronavírus; da retirada de recursos que financiavam políticas sociais, como as de combate a violência contra a mulher; da violação dos direitos humanos; dentre tantos outros.

REFERÊNCIAS

CISNE, Mirla. MEDEIROS, Luana Gomes. CASTRO, Viviane Vaz. Por trás da tela de cinema, há violência contra as mulheres: uma análise da importância do movimento #metoo. O público e o privado, n°37, dez. 2020.

VELOSO, Isabella Coelho. Feminismo digital: análise do movimento #metoo no Brasil. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade de Brasília, 2019.

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Pâmela Lins
CARPAS
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Assistente social e Pesquisadora no PPGSS-UFAL. Escritora na revista Carpas. Literatura e política em uma perspectiva marxista.