O papel das mulheres nas manifestações no Peru

Maria Luiza Dantas
CARPAS
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4 min readMay 17, 2023
Aldair Mejia/EPA

Em 7 de dezembro de 2022, o presidente peruano democraticamente eleito, Pedro Castillo, foi deposto e preso, e sua vice, Dina Boluarte, subiu ao poder em seu lugar. Essa foi a terceira tentativa do Congresso peruano de depor Castillo devido às alegações de corrupção.

Esse acontecimento suscitou dezenas de protestos que, a princípio, se iniciaram no sul do país, espalhando-se para a capital, Lima, e perdurando até o momento da escrita deste artigo, em maio de 2023. Em 30 de dezembro de 2022, 28 pessoas já haviam morrido em decorrência dos conflitos entre a polícia e os manifestantes. Estas manifestações são organizadas e levadas adiante, em sua grande maioria, por movimentos sociais e sindicatos de esquerda compostos por camponeses, trabalhadores urbanos e movimentos indígenas. Além disso, a presença das mulheres nesses movimentos, bem como nas manifestações anti-Boluarte, é fundamental para sua existência e continuidade, levando em conta que 49,9% da população do Peru é composta por mulheres.

Em entrevista ao jornal britânico The Morning Star, Soledad Requena, ativista peruana atualmente radicada no Brasil, discorreu sobre as atuais questões do Peru. A entrevistada ressaltou o impacto dos 30 anos de governos neoliberais no país na vida política e nos direitos das mulheres peruanas. Além disso, afirmou que 90% das mulheres peruanas não estão formalmente empregadas, o que as torna mais vulneráveis à precarização e aos efeitos da pandemia, apesar de seu papel fundamental em todos os processos de resistência desde a independência do país, especialmente as mulheres indígenas que vivem nas áreas rurais, devido à sua posição marginalizada e sua proporção na população peruana.

Diversas mulheres que participaram dos protestos relataram a perda de familiares e cônjuges, além das várias mortes de mulheres de todas as idades. Também houve relatos de gestantes que foram detidas nas manifestações e tiveram seus partos nas prisões. Muitas delas, especialmente mulheres indígenas, estão em posições de liderança e organização das manifestações.

Esse é o caso de Nilda Mendoza Coronel, fazendeira de 35 anos, que proferiu discursos para seus companheiros, a maioria deles mulheres quechuas, na cidade de Sicuani em janeiro de 2023, evocando a figura de Tupac Amaru para incentivá-los a seguir na luta contra o governo de Dina Boluarte e a repressão das forças policiais peruanas. Também é esse o caso de Rosa Elvira Reyes, professora rural de Ancash, no interior do Peru, que foi filmada e entrevistada pela equipe do jornal catariano Al Jazeera; ela coloca a atuação de Boluarte como terrorismo estatal, reiterando o caráter popular e democrático das manifestações e reforçando que os manifestantes a favor de Castillo são vistos pelas elites como provincianos que não devem ter direito ao voto.

Estudantes e militantes detidos na Universidade de San Marcos após invasão. Juan Mandamiento/AFP

A Missão Internacional de Solidariedade e Direitos Humanos publicou em fevereiro de 2023 seu relatório preliminar acerca do Peru. Essa organização realizou seu trabalho de investigação entre os dias 7 e 13 de fevereiro deste ano, nas cidades mais afetadas pelos conflitos, como Cusco, Ica, Ayacucho, Juliaca e a capital, Lima. Essa pesquisa revelou que as forças de segurança peruanas cometeram diversas violações dos direitos humanos na forma de crimes contra a vida; contra a integridade física; contra a integridade sexual — cujas vítimas, na grande maioria dos casos, são majoritariamente mulheres e pessoas lidas como mulheres –; contra a liberdade de assembleia e o livre exercício do protesto; contra a propriedade; contra a liberdade de ir e vir; e, finalmente, contra a liberdade de expressão.

É importante ressaltar, nesse relatório, as denúncias das organizações estudantis acerca de abusos sexuais cometidos pelas forças de segurança contra as mulheres presentes na ocasião da invasão da Universidade de San Marcos, onde estavam abrigados cerca de 200 membros de movimentos indígenas e rurais. Além disso, o relatório destaca as mulheres como componentes de boa parte das atividades de base e, por consequência, de boa parte das vítimas de arbitrariedades por parte das forças de segurança do Peru, tendo recebido diversos testemunhos de violência sexual contra as manifestantes.

Mesmo com as comprovadas violências cometidas contra os manifestantes peruanos, compostos em sua grande maioria por setores marginalizados da população, como trabalhadores rurais e grupos indígenas, por parte das forças policiais, os manifestantes têm sido tratados por Boluarte e pela direita peruana como terroristas e inimigos do estado, sendo relacionados com o grupo Sendero Luminoso, tática para desumanizar as demandas legítimas de manifestantes conhecida no Peru como terruqueo, como aponta o professor de sociologia da Pontifícia Universidade Católica do Peru Omar Coronel em entrevista ao jornal britânico The Guardian.

Frente a esse cenário, é fundamental apoiar a luta dos manifestantes peruanos: trabalhadores, povos originários e mulheres que estão sendo duramente reprimidos pelas forças de um governo que não se importa com a garantia de seus direitos.

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Maria Luiza Dantas
CARPAS
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Antes de tudo, paraibana e marxista-leninista. Graduanda em Relações Internacionais pela UFPB e pesquisadora de Estudos de Paz pelo GEPERI.