“O povo palestino não precisa de salvação, e sim dos seus direitos” diz Hyatt Omar, ativista e influenciadora palestina

Penélope Cravo
CARPAS
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17 min readApr 17, 2023

“Para escrever poesia que não é política, eu preciso ouvir os pássaros e para eu ouvir os pássaros os aviões de guerra precisam ficar em silêncio.” — Marwan Markhoul

A “Questão Palestina”

A negação da identidade do povo palestino é parte do projeto de colonização e genocídio do Estado de Israel. Enquanto faceta da identidade nacional, a luta pela libertação e desocupação da Palestina é sinônimo de assegurar que uma comunidade inteira não seja assassinada pelo sionismo e pelo descaso das grandes potências ocidentais.

Então, para entender a identidade palestina e como seu apagamento é usado de subterfúgio por Israel, temos que compreender as raízes básicas da questão Palestina.

A “questão Palestina” é o termo usado para se referir à ocupação da Palestina cujo o estopim foi no ano de 1948 com a autoproclamação do Estado de Israel, que culminou na limpeza étnica da Palestina. A base teórica do Estado de Israel é o sionismo político moderno fundado por Theodor Herzl que revigora sob a ordem: “uma terra sem povo para um povo sem terra”.

De acordo com o filósofo italiano Domenico Losurdo: “(…) o sionismo toma de empréstimo da tradição colonial as práticas de discriminação e opressão. Bem antes da fundação do Estado de Israel, já no curso da Segunda Guerra mundial, quando se estabelecem na Palestina os sionistas programam a deportação dos árabes. ‘Deve ficar claro que não há lugar para todos os dois povos neste país.’”

É importante notar que o sionismo e, consequentemente, a criação do Estado de Israel em terras palestinas, não é um movimento religioso ou uma maneira de recompensar os judeus pelo o que aconteceu no Terceiro Reich. Primeiro porque os sionistas queriam um Estado exclusivo para judeus de todo o mundo e países como Argentina, Uganda e Chipre foram considerados; segundo porque o sionismo existe desde muito antes da Segunda Guerra Mundial.

“Na associação entre nazismo e sionismo temos todavia um ‘enfático norte-americanismo’, ou seja, o mito de um Far West [Velho Oeste] a ser colonizado, de um território virgem que o Terceiro Reich procura na Europa oriental e o sionismo na Palestina.” — Domenico Losurdo

Com a recomendação da partilha da Palestina aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 29 de novembro de 1947, mais de 700 mil palestinos foram expulsos ou fugiram do país, em virtude da violência sionista e a esse evento os palestinos dão o nome de Al-Nakba (A Catástrofe, em árabe). Desde então, Israel tem impedido que palestinos e seus descendentes refugiados ou internamente realocados retornem para suas casas. Hoje são mais de 6 milhões, entre refugiados e seus descendentes que têm seu direito de retornar ao país negado há mais de 75 anos.

Os israelenses venceram esta guerra contra a Palestina e a partir de 1949, o Estado rapidamente se expandiu além das linhas previamente delimitadas e os palestinos que restaram foram colocados sob supervisão de uma administração militar subordinados aos estrangeiros judeus e aos militares israelenses.

Após 1967, Israel ocupou as áreas da Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Gaza, conhecidas como Territórios Palestinos Ocupados (TPO).

Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57147042
Mapa de 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57147042

Atualmente, Israel é acusado de cometer crimes de Apartheid por diversas organizações internacionais promotoras dos Direitos Humanos, como a Human Rights Watch e a Anistia Internacional.

O Apartheid é um termo jurídico internacional que significa uma série de violações dos direitos humanos que é perpetrado no contexto de um regime institucionalizado de opressão e dominação sistemática por um grupo racial sobre outro, com a intenção de manter esse sistema” . Originalmente utilizado para se referir à África do Sul, hoje sua proibição é um princípio básico do Direito Internacional.

A Convenção Internacional sobre a Supressão e Punição do Crime de Apartheid de 1973 define o que é um Apartheid em seis tópicos que podem ser resumidos na opressão sistemática através de determinado regime e/ou instituição que visa manter sua dominação e superioridade sobre um grupo racial e atos desumanos que violam a Declaração dos Direitos Humanos.

No contexto da Palestina, essas ações podem ser encontradas de diversas formas. Por exemplo, os palestinos vivem sob leis que dificultam e/ou os impedem de ter moradia, ao mesmo tempo que estas podem ser facilmente retiradas deles. Esse confisco de terras é cruel às mulheres, que com os bloqueios e impedimentos de acessar certas regiões da cidade de Jerusalém, perdem o seu direito de acesso ao mercado de trabalho.

Além disso, como compõem a frente do movimento de resistência, também sofrem torturas quando aprisionadas: “(…) são sujeitas às piores formas de tortura, antes e durante a detenção em prisões israelenses, sem o direito a defesa, são submetidas a espancamentos, interrogatórios demorados, pressão psicológica, revistas invasivas, ameaças de estupro e confinamento solitário (idem).

As mulheres palestinas são especialmente afetadas pelas violações de moradias:

“A mais significativa das violações das condições sociais, econômicas e psicológicas a estas mulheres é a política de Israel de demolição de casas e deslocamento forçado, fazendo com que famílias inteiras tenham que deixar sua cidade natal, perdendo seu principal investimento e abrigo.”

A questão da moradia é o principal meio de violência aos palestinos. De acordo com Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU:

“Do início do ano até 19 de outubro de 2020, as autoridades israelenses tinham demolido 568 casas e outras estruturas palestinas na Cisjordânia, incluindo em Jerusalém Oriental, deslocando 759 pessoas. A maioria dos edifícios foi demolida por falta de licenças de construção israelenses, as quais são praticamente impossíveis de obter.”

Os palestinos da Faixa de Gaza consomem água envenenada há pouco mais de uma década “e 12% das mortes de crianças pequenas estão ligadas a infecções intestinais relacionadas com água contaminada.”

“Imbebível. 97% da água de Gaza está contaminada por causa do bloqueio de Israel e ocupação militar.” Disponível em: https://visualizingpalestine.org/visuals/gaza-water-undrinkable

Esses são alguns dos principais exemplos que mostram como os crimes de Israel não são ações isoladas, mas parte de um sistema cujo pilar é a opressão e ocupação de toda a Palestina, porque ela é vista como uma “terra sem povo”, destituindo a própria existência do povo palestino e, logo, dando o direito aos israelenses de ocupá-la.

É a partir da compreensão do conflito que conseguimos ver a negação da identidade nacional da Palestina.

A identidade nacional do povo palestino

Enquanto produto social e cultural, a identidade nacional pode ser construída e movida de acordo com a história e a ação dos sujeitos envolvidos. Ela possui caráter coletivo e memória (NETO, p. 123, 2010) fruto de diversos processos de paz ou de conflitos. O principal é que tudo isso é sentido por um grupo em específico.

Embora existam diversos tipos de identidade, desde meados do século XIX se tornou comum ligá-la a ideia de nação. Mas a ideia de nação por si só é complexa: “dois homens são da mesma nação quando se e apenas se eles reconhecem um ao outro como pertencentes à mesma nação” (GELLNER apud NETO, p. 124, 2010).

Os indivíduos dessa nação nunca vão conhecer todos os seus companheiros, mas precisam se reconhecer em um companheirismo e solidariedade quando reconhecem os direitos e deveres que existem entre si, dentro de um território delimitado, porque uma nação precisa de uma certa ideia de fronteira. Ao mesmo tempo, é mais efetivo reconhecer-se quando procuramos primeiro o diferente, como indica Tomaz Tadeu Silva. Isso porque, ao admitir uma certa nacionalidade, você está negando todas as outras.

Quando falamos da identidade palestina, os apoiadores de Israel costumam afirmar que ninguém se entendia como palestino antes da ocupação, mas isso não é bem verdade. Havia, sim, um senso de identidade local (NETO, p. 124, 2010) que vinha com o sentimento de morar na “Terra Santa” dos árabes e dos muçulmanos, a cultura tradicional e a terra dos ancestrais no campo. Eles eram diferentes do restante do mundo árabe. Eles eram palestinos (idem, p.127).

Ao longo das décadas de 20 e 30, os próprios ingleses intensificaram a sua crença na identidade nacional da Palestina (idem, p.137) , em especial quando discutiam sobre a criação do Estado de Israel. Entediam que os palestinos e os judeus (posteriormente israelenses) eram duas comunidades nacionais em constante conflito, e assim optaram pela partilha e a divisão da Palestina em dois Estados. O que não aconteceu na prática.

Foi em 1948 que a identidade nacional palestina apareceu para o mundo, exatamente porque o Estado de Israel nasceu sem sua contrapartida árabe e, ao seu redor, os palestinos eram um dos únicos povos sem país.

“(…) após a (chamada) Primeira Guerra Árabe-Israelense, entre 1948 e 1949, emergiu um imenso contingente de refugiados que se dirigiu aos países vizinhos ou para campos de refugiados na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, que passaram a ser os territórios controlados por Estados árabes –a primeira pelo Egito e a segunda, inclusive Jerusalém Oriental, pela Jordânia23. Vivendo em campos de refugiados fora da Palestina, se fortaleceu entre os palestinos a ideia de serem diferentes daqueles árabes habitantes dos países que os abrigavam.” (idem, p.138)

Mesmo os Estados Árabes que entraram na Palestina para tentar evitar a limpeza étnica promovida pelo nascente Israel, em 26 de maio (6 meses iniciado o processo de colonização, com pelo menos 350 mil palestinos mortos), não reconheciam os palestinos como um povo que deveria ter o seu Estado e, assim, os milhares de palestinos refugiados nestes países vizinhos continuaram com o sentimento de serem estrangeiros; não eram apenas árabes como todos os outros. Por sua vez, o nacionalismo se fortaleceu e diversos movimentos nacionalistas pela liberdade da Palestina foram criados ao longo da década de 60. Em 1964, foi fundada a Organização para a Libertação da Palestina, tida como a representante máxima do povo palestino desde a sua fundação (idem, 130–140). Deste modo, é possível afirmar que a luta entre palestinos contra israelenses e palestinos contra os regimes árabes moldaram grande parte da identidade nacional palestina.

“Os meus amigos a minha volta, eles sabiam que eu era palestina, mas eles não sabiam o que era ser palestino”

Como parte do seu processo de colonização, Israel se utiliza de diversas violações dos Direitos Humanos que passam, coincidentemente, despercebidas pelas grandes potências que costumam ser as primeiras a apontar supostos crimes de “violações” em países do Sul Global. É fato que Israel é um países muitíssimo desenvolvido e tecnológico graças aos 3,8 bilhões de dólares estadunidenses que, anualmente, são destinados ao setor militar e ao desenvolvimento nuclear do país.

Com tamanho aparato de proteção e apoio, Israel consegue acelerar o genocídio do povo palestino. Além de toda a violência já mencionada, há outras ações que envolvem o apagamento completo de quem os palestinos são. Recentemente, o Ministro da Segurança Nacional israelense instruiu o chefe de polícia do país a banir bandeiras palestinas dos espaços públicos sob a justificativa de que se trata de um símbolo do terrorismo. O povo palestino não tem direito a demonstrar orgulho nacional. Não é a primeira vez que algo do tipo de acontece; após a Guerra dos 6 dias na década de 60, palestinos também foram proibidos de exibir sua bandeira em público, então passaram a levantar melancias (por causa de suas cores; as mesmas da bandeira) que até hoje é um símbolo nacional de resistência.

Disponível em: https://www.washingtonpost.com/world/2021/07/09/palestinian-watermelons/

Aos poucos, os aspectos cruciais da identidade palestina são retiradas de seu povo e as grandes mídias do Brasil e do Ocidente, fingem não ver o que está acontecendo. Sobre isso, a revista Carpas buscou a ativista Hyatt Omar da para conversar.

Hyatt Omar nasceu em Pelotas (RS), e sempre teve uma forte influência da cultura e da luta dentro de casa graças aos pais; a culinária, o idioma, a religião, o ativismo do pai e viagens à Palestina. Em suas palavras:

“… crescendo, sempre tive influências diferentes na minha vida, mas eu sempre tinha uma representatividade muito forte de que era importante eu conhecer minha própria história, a história do meu povo, mesmo eu estando longe.”

Quando se mudou para o Canadá para estudar, ela passou a compartilhar um pouco de sua vida no Canadá no Instagram e percebeu que, quando mencionava pequenos detalhes de sua rotina que tivessem alguma ligação com a Palestina, diversas pessoas a procuravam com perguntas e dúvidas. Ela percebeu a necessidade de abordar um assunto que não está presente nas grandes mídias brasileiras. Desde então, ela produz conteúdo para a Internet não apenas sobre sua rotina diária no Canadá, mas também para educar o seu público brasileiro sobre a questão da Palestina.

Hyatt Omar ainda afirma que sentiu um senso de responsabilidade quando começou a crescer nas mídias digitais e que isso se relacionou profundamente com sua identidade própria. Em suas palavras: “Eu cresci sabendo que eu era palestina, porém os meus amigos a minha volta, eles sabiam que eu era palestina, mas eles não sabiam o que era ser palestino. Eles não sabiam o que é a resistência palestina, o que é a ocupação da Palestina…”

Essas pessoas não sabiam a gravidade da situação. Então, quando Hyatt Omar passou a compartilhar mais informações, ela percebeu o diálogo que precisava ser travado. “(…) inclusive as minhas melhores amigas falavam pra mim, elas falavam: ‘a gente não sabia que era tão ruim.’” Em suma, Hyatt Omar trouxe um pouco da responsabilidade de travar esse diálogo nas mídias digitais e sentiu que não poderia deixar de falar das questões do universo palestino por medo da reação do público.

Além do mais, é fato que a grande mídia brasileira não tem interesse em criticar Israel ou mostrar a realidade do povo palestino, principalmente quando as armas que oprimem o povo brasileiro são as mesmas que oprimem os palestinos. Hyatt Omar afirma que, ao crescer, nunca encontrou notícias sobre as muitas mortes de palestinos ou as leis internacionais que condenam a violência de Israel (e ainda o acusam de Apartheid como já mencionado); pelo contrário, a resistência palestina é pintada como terrorismo na televisão e na Internet.

Ainda, ela diz que a mídia teve um papel fundamental na disseminação de desinformação e o preconceito/ódio contra árabes e muçulmanos, além de “apagar as vozes da diversidade dentro da Palestina, entendeu. Isso é uma coisa muito perigosa porque quando um palestino vai sofrer descriminação, não interessa se tu é muçulmano, não interessa se tu é judeu, não interessa se tu é cristão. Interessa que tu é palestino.”

Mas não é só a mídia que tenta dificultar o acesso à informações. Em suas viagens para a Palestina, Hyatt conta que o exército israelense se esforça para que as pessoas desistam de ir até a Palestina ou, ainda, que tenham uma experiência ruim o suficiente para não retornarem. Uma estrada que levaria apenas 40 minutos para chegar a Palestina, demora quase 3 horas por causa dos territórios ocupados e os checkpoints. Mesmo sendo palestina, Hyatt Omar precisa pagar para entrar no país. Além disso, na segurança israelense, há olhares maldosos, grosseria e, em alguns casos, revistam pertences.

Certa vez, ela estava prestes a cruzar a fronteira da Jordânia com a Palestina, lembrou que não desativou o Instagram e temeu ser barrada de adentrar o país. Ela precisou apagar alguns posts e isso é uma sensação que a maior parte das pessoas não entendem, como Hyatt disse. Há dezenas de mecanismos de opressão sobre as pessoas que retornam para suas casas e/ou para visitar suas famílias além do cansaço físico e emocional que é precisar entrar e sair do país.

“Eu fiquei muito nervosa porque eu estava sozinha (…) tentei desativar o Instagram por duas horas (…) não desativava por nada (…) eu comecei a arquivar meus posts, tudo da Palestina eu arquivava, só que o problema é que eu pensei: ‘cara, eles sabem’ (…) se alguém pegar para ver meu Instagram vai ver o que eu curti, o que tá arquivado, tudo… (…) se pegarem o meu celular, já era, sabe. Até hoje é uma coisa que eu fico muito sentida, porque, poxa, é um trabalho que eu fiz com dedicação…”

Mesmo dentro do território palestino, crianças muitas vezes precisam passar por checkpoints israelenses antes de ir a escola e adultos, no caminho do trabalho; mesquitas têm um sistema de segurança feito por Israel, que controla quem entra e sai; palestinos são desabrigados em prol de colonos que sequer sabem falar a língua árabe. Perto do vilarejo do pai de Hyatt Omar, onde ela estava, há uma cidade onde muitos confrontos acontecem e, durante sua estadia, ela soube de mortes que aconteceram, viu tanques e soldados passando; estradas dividem palestinos e israelenses; palestinos são julgados em tribunais militares enquanto israelenses, nos tribunais civis.

A Palestina é um país sem exército, logo, vulnerável e sem como defender os seus territórios. O Estado de Israel e os demais países que o apoiam se aproveitam dessas fraquezas para alavancar o Apartheid e o genocídio. Como pode-se entender, isso é, mas não o tempo todo, sinônimo de violência armada e descarada. Pequenas ações e regras dificultam a vida do povo palestino ao mesmo tempo que o isolam de possíveis simpatizantes e qualquer tipo de resistência. Nesse aspecto, negar e/ou dificultar o acesso a escola, ao trabalho, a educação, a saúde, a religião e a cultura é negar toda uma identidade e, deste modo, negar o povo palestino, de modo a fortificar a máxima sionista da terra sem povo.

O movimento feminista e sua importância para a resistência palestina

Disponível em: https://www.thenation.com/article/archive/palestinian-feminists-liberation-two-meanings/

A ONU Mulheres emitiu um artigo em 2019 onde afirma que todo palestino vivendo nos Territórios Palestinos está vulnerável de alguma forma, mas isso é ainda mais verdade quando abordamos a situação das mulheres palestinas. Como já mencionado, as políticas de Israel são particularmente cruéis àquelas que querem trabalhar, estudar ou apenas ter um teto sob a sua cabeça. Com efeito, suas dificuldades não podem ser separadas do conflito maior.

De acordo com o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários, cerca 10% das famílias dizem que garotas evitam se aproximar de assentamentos israelenses e/ou transporte público, mercados comunitários e postos de controle porque se sentem inseguras; na Cisjordânia e em Gaza, respectivamente, 31% e 19% dos familiares estão preocupados com a segurança das meninas e 24% e 17% com a segurança das mulheres. Por consequência, estas mulheres também estão mais expostas ao abuso e a exploração sexual.

Hyatt Omar conta que, na década de 30, quando já havia colonos chegando na Palestina, as mulheres estavam na linha de frente da defesa. Isso é uma realidade presente até os dias de hoje, como ela bem realça. Por sua vez, o preconceito e os estereótipos atribuídos às mulheres árabes e muçulmanas fazem com que as pessoas não compreendam a complexidade das questões de gênero dentro da Palestina e dentro do universo árabe e muçulmano em geral.

“A mulher palestina pra mim, ela é um símbolo de resistência porque ela é muito subestimada.”

Isso porque o machismo está presente em todo o mundo, mas a mulher palestina, vítima do Apartheid e também da violência específica de gênero, pode não ter tempo e/ou espaço para pensar nas complexidades dessas questões, como afirma a ativista. Afinal, ela está lutando para sobreviver em um dos regimes mais violentos e opressivos do mundo. Além de ser subestimada enquanto mulher, ela é também subestimada enquanto palestina.

Contudo, Hyatt Omar pensa que essa mulher palestina é independente porque, embora vivendo sob a ocupação, ela precisa cuidar de sua família e trabalhar para tentar garantir não só a sua sobrevivência, mas daqueles ao seu redor também. Do mesmo modo, o índice de homens mortos é maior do que o de mulheres, o que significa que há mulheres viúvas que precisam buscar o seu sustento e de seus filhos de qualquer jeito. Na Juventude Sanaúd e no Canadá, Hyatt Omar observa uma “garra” nessas mulheres, grande dedicação e paixão pelo o que elas estão defendendo e também mais iniciativa.

Na mídia, as mulheres em geral que não conformam os padrões de mulher ocidental, sofrem constantes ataques até mesmo de setores liberais e/ou progressistas. Dentro da Palestina, mulheres e até mesmo idosas também enfrentam os soldados israelenses, a ponto que Hyatt Omar vê que as mulheres mais velhas são muito respeitadas na Palestina e que boa parte da ignorância vêm de pessoas de fora do país.

“Quem tá lá sabe que ser mulher não te anula de sofrer nas mãos dos soldados”

Nesse sentido, a maternidade pode ser uma forma de resistência. Enquanto o exército de Israel se esforça para avançar com o genocídio, as mães palestinas procuram proteger, cuidar e criar seus filhos de modo que eles possam ter uma vida minimamente decente. Isso se torna ainda mais complexo quando Hyatt Omar revela que, no início dos anos 2000, soldados israelenses usaram uma camiseta onde havia uma mulher palestina grávida e uma arma mirando na sua barriga. Outra dizia que “quanto menores eles são, mais difícil de matar” se referindo a crianças. Um exemplo que mulheres palestinas sequer ter permissão para serem mães e quando o são, ganham mais um alvo.

“Essa terra, minha irmã, é uma mulher” — Fadwa Tuqan

Mas, é possível afirmar que esses filhos são educados a entender que aquilo que vivem não é normal; eles aprendem sobre o que significa ser palestino e investem na luta e na resistência de seu povo.

“O povo palestino não é um povo que precisa de salvação, é um povo que precisa do seu direito” — Hyatt Omar

Diante do exposto, é possível compreender que a questão Palestina é mais complexa do que um simples conflito religioso e que chamá-lo de tal faz parte da construção midiática que busca o apagamento e o esquecimento dessa luta. Ao não transmitir o Apartheid que vigora na Palestina Ocupada, as mídias digitais apoiam a negação não apenas da identidade de um povo, mas a sua própria existência, fazendo valer a ordem do sionismo.

Sendo assim, as mulheres são a linha de frente da resistência palestina e um símbolo de toda uma identidade que busca manter-se em pé; elas devem ser vistas como um exemplo de força e independência e que, mesmo diante de uma ocupação, buscam dentro do seu espaço afirmar a sua existência enquanto palestinas e também a das pessoas ao seu redor. É preciso ressaltar que ser árabe e/ou muçulmana ou qualquer outra categoria fora do padrão ocidental não torna uma mulher obrigatoriamente oprimida. O machismo existe em todas as sociedades enquanto pilar do capitalismo; o uso ou não do hijab, por exemplo, não muda isso.

Logo, enquanto brasileiras palestinas ou não, nosso dever é conscientizar as pessoas ao nosso redor e buscar educá-las acerca da Palestina e os horrores e injustiças que enfrenta diariamente. É preciso se utilizar do nosso espaço nas mídias digitais para ampliar as notícias e as informações, ao mesmo tempo que devemos compartilhar as tantas vozes palestinas como Hyatt Omar e a Juventude Sanaúd que disseminam a verdade sobre a Palestina, sua história, seu povo, suas notícias e sua identidade.

REFERÊNCIAS:

O que é sionismo? https://sites.unipampa.edu.br/lehmai/o-que-e-sionismo/

O sionismo e a tragédia do povo palestino https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/artigo248artigo4.pdf

Do sionismo à Nakba palestina https://www.brasildefatomg.com.br/2022/05/16/artigo-do-sionismo-a-nakba-palestina

Al-Nakba, a ‘catástrofe’ que mudou destino de palestinos em 1948 e está na raiz de conflito com israelenses https://www.bbc.com/portuguese/internacional-44108177

A Threshold Crossed https://www.hrw.org/report/2021/04/27/threshold-crossed/israeli-authorities-and-crimes-apartheid-and-persecution

Israel’s Aparthied against Palestinians https://www.amnesty.org/en/latest/campaigns/2022/02/israels-system-of-apartheid/

Convenção Internacional sobre a Supressão e Punição do Crime de Apartheid https://www.oas.org/dil/port/1973%20Conven%C3%A7%C3%A3o%20Internacional%20sobre%20a%20Supress%C3%A3o%20e%20Puni%C3%A7%C3%A3o%20do%20Crime%20de%20Apartheid.pdf

Declaração Universal dos Direitos Humanos https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos

As mulheres palestinas têm sido um espinho para autoridades de ocupação israelenses https://www.brasildefators.com.br/2021/04/27/as-mulheres-palestinas-tem-sido-um-espinho-para-autoridades-de-ocupacao-israelenses

Israel e Palestina: Eventos de 2020 https://www.hrw.org/pt/world-report/2021/country-chapters/israel-and-palestine#:~:text=Em%202020,%20colonos%20mataram%20um,Cisjord%C3%A2nia,%20at%C3%A9%2022%20de%20setembro.

Água não-potável de Gaza está a ‘envenenar lentamente’ os palestinianos https://www.wort.lu/pt/mundo/gua-n-o-pot-vel-de-gaza-est-a-envenenar-lentamente-os-palestinianos-6166e805de135b92368a0338

Ministro de Segurança Nacional de Israel bane bandeiras da Palestina do espaço público, alegando ser símbolo de “terrorismo”
https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/breves/ministro-de-seguranca-nacional-de-israel-bane-bandeiras-da-palestina-do-espaco-publico-alegando-ser-simbolo-de-terrorismo/

How Watermelon Became a Symbol of Palestinian Resistance https://hyperallergic.com/666111/how-watermelon-became-a-symbol-of-palestinian-resistance/

Brasil é um dos principais compradores de tecnologia e treinamento militar israelense https://www.brasildefato.com.br/2017/02/03/brasil-e-um-dos-principais-compradores-de-tecnologia-e-treinamento-militar-israelense

Israel’s military checkpoints: ‘We live a life of injustice’ https://interactive.aljazeera.com/aje/2018/commuting-through-israeli-checkpoints/index.html

Gender Alert: Needs of women, girls, boys and men in humanitarian action in Palestine https://palestine.unwomen.org/sites/default/files/Field%20Office%20Palestine/Attachments/Publications/2019/9/UNWPALCOGenderAlert2019.pdf

Specific risks facing women and girls in Palestine https://www.ochaopt.org/content/specific-risks-facing-women-and-girls-palestine

Israeli T-Shirts Joke About Killing Arabs https://www.cbsnews.com/news/israeli-t-shirts-joke-about-killing-arabs/

Construção e afirmação da identidade nacional palestina: da consciência de nação à luta pelo Estado https://seer.ufrgs.br/index.php/aedos/article/view/12672/9169

Identidade e Diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais http://diversidade.pr5.ufrj.br/images/banco/textos/SILVA_-_Identidade_e_Diferen%C3%A7a.pdf

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Penélope Cravo
CARPAS
Writer for

Ciências Sociais (UNIFESP). Tópicos de pesquisa giram em torno de: Gênero; Oriente Médio; Sociologia da Arte.