Parque Industrial: As mulheres trabalhadoras do Brás e do Brasil

Penélope Cravo
CARPAS
4 min readJan 13, 2023

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Matilde escrevera a Otávia: “Tenho que te dar uma noticiazinha má. Como você me ensinou, para o materialista tudo está certo. Acabam de me despedir da Fábrica, sem uma explicação, sem um motivo. Porque me recusei a ir ao quarto do chefe. Como sinto, companheira, mais do que nunca, a luta de classes! Como estou revoltada e feliz por ter consciência! Quando o gerente me pôs na rua, senti todo o alcance de minha definitiva proletarização, tantas vezes adiada! Parque Industrial.

Parque Industrial é um romance proletário que retrata situações cotidianas das trabalhadoras paulistanas as quais, embora fictícias, possuem uma exímia verossimilhança com a sua época.

O livro foi escrito no ano de 1932 quando Patrícia Galvão mais conhecida como Pagu tinha vinte e dois anos e publicado no ano de 1933, edição paga por Oswald de Andrade. A década de 30 no Brasil é marcada por diversos acontecimentos como a Revolução de 30 ou a Revolução Constitucionalista; em São Paulo, o marco do período é a industrialização e a urbanização da cidade. É dentro desse cenário que as personagens do romance se desenvolvem. São jovens mulheres trabalhadoras, negras, prostitutas, desempregadas e revolucionárias que tecem os acontecimentos do Brás, principal cenário do livro e também local onde a autora viveu por algum tempo.

Em Parque Industrial, o leitor se depara com cenas simples e soltas que alternam entre as personagens. Há a personagem trabalhadora que deseja fazer parte da burguesia e se casa com um homem que odeia a própria classe; o ideal de mulher revolucionária inspirada na própria Patrícia Galvão que posteriormente abre mão de seu amor, mas nunca da luta; a trabalhadora que demora, mas eventualmente se encontra no ódio de classe quando perde o emprego por se recusar a dormir com o chefe; a imigrante e a garota que é enganada pelo namorado rico e termina na prisão e na prostituição.

Cada detalhe não é necessariamente um espelho das experiências vividas por dezenas de mulheres no Brasil, mas tampouco é independente. Neste aspecto, a palavra chave é a verossimilhança dos elementos externos comprovada através de relatos em jornais com situações reais que aconteceram com trabalhadores da mesma época que Parque Industrial foi escrito e publicado, pesquisado por Samara Saraiva em sua monografia.

E, embora a obra se passe na década de 30, é possível ver diversos elementos que ainda estão presentes na realidade das mulheres trabalhadoras do país. Por exemplo, um levantamento produzido pelo Instituto Patrícia Galvão em 2020 mostrou que 76% das mulheres já sofreram violência no ambiente de trabalho, fato retratado através da personagem Matilde.

A prostituição da personagem Corina também encontra mais do que ecos no século XXI. Mais de 40 milhões de pessoas se prostituem no mundo, e a maioria são meninas de 13 a 25 anos. Ao contrário do que prega o feminismo liberal, a prostituição não é uma escolha individual de uma pessoa “dona do seu próprio corpo e suas próprias regras”, mas parte do amplo problema da marginalização e opressão das mulheres pobres, as maiores vítimas deste mercado. A própria legalização da prostituição, nos países onde ocorreu, fortaleceu essa rede onde se vende o corpo da mulher como um produto mercadológico.

Otávia sorri. Envolve-se na colcha de quadrados coloridos. Tem um livro aberto sobre o travesseiro. A vela da cabeceira brinca com a chama estragando a vista que procura as letras miudinhas. Ela não lê. Pensa no vasto mundo revoltado pela luta de classes. No setor brasileiro, o combate se aguça, se engrandece. Parque Industrial.

Parque Industrial é um romance para refletir sobre o quanto avançamos na luta pela vida e dignidade das mulheres trabalhadoras e como ainda precisamos avançar. É preciso tomar consciência da injusta divisão sexual do trabalho, as incessantes jornadas de trabalho que vive a mulher-mãe-esposa, a violência contra negras e indígenas, os salários desiguais, os constantes casos de feminicídio e violência doméstica e todos os fatores que colocam a mulher trabalhadora na marginalização.

Afinal, como Lênin disse à Clara Zetkin, sem mulheres não haveria revolução.

Odiamos, sim; odiamos tudo aquilo que tortura e oprime a mulher trabalhadora, a dona de casa, a camponesa, a mulher do pequeno comerciante e, em muitos casos, a mulher das classes possuidoras. Exigimos da sociedade burguesa uma legislação social em favor da mulher, porque compreendemos a situação destas e seus interesses, aos quais dedicaremos nossa atenção durante a ditadura do proletariado. Naturalmente, não o exigimos como fazem os reformistas, utilizando palavras brandas para convencer as mulheres a permanecer inativas, contendo-as. Não, naturalmente não, mas como convém a um revolucionário, chamando-as para trabalhar lado a lado a fim de transformar a velha economia e a velha ideologia. Lênin à Clara Zetkin.

Patrícia Galvão (São João da Boa Vista, 1910) foi uma militante comunista do PCB, cartunista, escritora, jornalista, poetisa e tradutora. Publicou Parque Industrial sob o pseudônimo de Mara Lobo.

REFERÊNCIAS:

Galvão, Patrícia, 1910–1962 Parque industrial / Mara Lobo / Patrícia Galvão. — Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.

SARAIVA, Samara Akemi. “Impróprio para menores e senhoritas”: Parque Industrial — a história e a recepção de um romance sobre mulheres proletárias. 2022. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em História) — Universidade Federal de São Paulo, Guarulhos, 2022.

Estudo mostra que 76% das mulheres sofreram violência no trabalho. Publicado em 07/12/2020–15:21 Por Letycia Bond — Repórter da Agência Brasil — São Paulo. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2020-12/estudo-mostra-que-76-das-mulheres-sofreram-violencia-no-trabalho

40 milhões de pessoas no mundo se prostituem. Jornal A Verdade, Fortaleza. 11 de Janeiro de 2023. Disponível em: https://averdade.org.br/2017/07/40-milhoes-de-pessoas-no-mundo-se-prostituem/

Lênin e o Movimento Feminino. O Socialismo e a Emancipação da Mulher, Editorial Vitória, 1956. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/zetkin/1920/mes/lenin.htm

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Penélope Cravo
CARPAS
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Ciências Sociais (UNIFESP). Tópicos de pesquisa giram em torno de: Gênero; Oriente Médio; Sociologia da Arte.