Por trás das câmeras: a dura realidade da indústria pornográfica

Beatriz Firmino
CARPAS
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8 min readJul 7, 2020
Foto por Charles Deluvio

“Parece tão óbvio: se inventarmos uma máquina, a primeira coisa que faremos — depois de obter lucro — é usá-la para assistir pornô.” Damon Brown, autor de Porn e Pong e As melhores capas da Playboy.

De modo geral, a pornografia pode ser definida como um “entretenimento” para adultos onde as práticas sexuais explícitas objetivam o estímulo das sensações. Estima-se que a indústria pornográfica tenha um lucro anual bilionário, ultrapassando outras indústrias também lucrativas, como a do videogame e a da música. Embora a pornografia também seja distribuída em revistas e DVDs, a internet é, hoje, o maior meio utilizado devido a sua facilidade de divulgação e acesso em qualquer lugar. Segundo o Pornhub, um dos maiores sites de conteúdo adulto do mundo, estas foram as estatísticas da plataforma para o ano de 2019:

  • 42 bilhões de visitas no site;

↳ 115 milhões de visitas por dia

  • 6.83 milhões de vídeos enviados;
  • 1.36 milhões de horas de conteúdo novo;

“Se você começasse a assistir os novos vídeos de 2019 em 1850, ainda os estaria assistindo hoje.” Pornhub em Revisão do ano de 2019.

  • 6597 petabytes de dados;

↳ 18,073 terabytes por dia;

↳ 753,041 gigabytes por hora

↳ 209 gigabytes por segundo

  • Mais de 203 milhões de vídeos receberam votos;
  • Mais de 70 milhões de mensagens foram trocadas entre os usuários;
  • Mais de 11.5 milhões de vídeos foram comentados.

“Se você copiasse todos os dados transferidos de 2019 em discos rígidos e os empilhasse, eles atingiriam 100 km de altura até a borda do espaço.” Pornhub em Revisão do ano de 2019.

No gráfico abaixo está a lista dos países que mais acessaram o Pornhub no ano de 2019:

Isso nos mostra que a pornografia é questão de saúde pública a nível global.

A consequência do descontrole do acesso infantil à pornografia

Mesmo sendo um conteúdo direcionado para o público adulto, não é difícil de encontrá-la em sites que, teoricamente, não têm essa finalidade. Segundo consta nas diretrizes do YouTube, não é permitido publicar vídeos de “conteúdo explícito com o objetivo de satisfação sexual (como pornografia)” e “que apresentem conteúdo fetichista”, estando sujeitos à remoção ou restrição de idade. Contudo, ao pesquisar a palavra “porn” tem-se acesso a vários vídeos eróticos, pornográficos e até mesmo fetichistas sem restrição de idade. Para os vídeos restritos, basta a confirmação de idade; o que não é eficaz, já que uma criança pode confirmar maioridade com facilidade. Outras plataformas como Instagram, Tumblr, Twitter, Google também não supervisionam adequadamente os conteúdos pornográfico e erótico existentes nos seus sites.

Pesquisas e entrevistas realizadas pela BBFC, organização responsável pela classificação de filmes, DVDs e jogos no Reino Unido, nos mostram em números o acesso precário de crianças que relataram ter visto pornografia em algum momento:

  • 51% das crianças de 11 a 13 anos;
  • 66% das crianças de 14 a 15 anos;
  • 79% das crianças de 16 a 17 anos.

Nas entrevistas feitas, a maioria relatou ter assistido pela primeira vez aos 13 anos, alguns foram aos 7 anos e uma minoria aos 17 ou 18 anos. A resposta de alguns entrevistados:

“Chanelle (18 anos), viu pornografia através de um pop-up em um site ilegal de streaming quando ela tinha 7 anos, enquanto April (18 anos) diz que costumava procurar e assistir regularmente pornografia violenta aos 7 ou 8 anos de idade. Por ‘violento’, o entrevistado indicou que isso significava onde o homem estava sendo ‘fortemente vigoroso’ sobre a mulher no vídeo.”

Muitas vezes esse contato precoce surge de anúncios — comuns em sites de jogos e filmes online — onde, por curiosidade, a criança acaba visitando a página. À medida que a criança envelhece, a tendência é ela tornar-se uma usuária ativa, e isso nos faz refletir: que tipo de pessoa a pornografia está criando?

Esse processo de primeiro acesso ao consumo contínuo cria um jovem com uma ideia distorcida do que é sexo. Assim como se aprende a andar e falar a partir da repetição do que observamos, o jovem que cresce assistindo à pornografia irá reproduzir o que ‘aprendeu’. Dentre as milhares de categorias, as mais acessadas em sites pornôs como Pornhub, XVideos e XHamster são: latinas, asiáticas, negras, negros, mãe, pai, prima, incesto, gay, lésbico, escola, gordinhas, sadomasoquismo, garotinhas, novinhas com velhos, lactante, hardcore, desenho, escravo. Ao vender o agressivo como algo excitante, a pornografia promove a exploração sexual, normaliza o abuso e incita o racismo e a objetificação dos corpos.

Como a pornografia reflete no comportamento humano?

Por crescer assistindo à pornografia, esta acaba virando uma espécie de “educação sexual”, onde tudo o que o jovem conhece sobre sexo acaba por ser reproduzido com seus parceiros. Isso quer dizer que quanto mais se consome violência disfarçada de entretenimento, mais violento será o seu comportamento. Alguns estudos comparam os efeitos da pornografia no cérebro com os de substâncias tóxicas, devido ao seus estímulos serem muito semelhantes e liberarem os mesmos produtos químicos.

O Instituto Nacional de Abuso de Drogas (NIH) explica que o cérebro tem um sistema de recompensa que produz uma substância química responsável pela sensação do prazer (a dopamina). Como o cérebro não consegue diferenciar o estímulo saudável do nocivo, a quantidade alta de dopamina liberada em determinadas atividades faz com que você queira repetir essa sensação por mais vezes, compulsivamente. O problema é que esse excesso faz com que o cérebro atinja uma certa tolerância ao conteúdo, sendo necessário um consumo cada vez maior.

Em um estudo realizado por pesquisadores do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Cambridge, cujo objeto de análise são os indivíduos com e sem comportamentos sexuais compulsivos (CSB), foi observado que as regiões cerebrais ativadas com nicotina, cocaína e álcool também foram ativadas quando os indivíduos com e sem CSB foram expostos a materiais pornográficos. É aí que entra a pornografia, sua dependência sexual e seu reflexo no comportamento humano.

Quanto mais um homem consome pornografia, mais a mulher estará vulnerável; pois ele passa a enxergá-la como um objeto sexual, submissa aos seus desejos. A tendência, portanto, é que ele busque reproduzir com mulheres aquilo que moldou sua sexualidade: a normalização do comportamento agressivo como algo excitante, já que na pornografia a mulher reage bem à agressão física e psicológica. É comum que esse comportamento parta principalmente dos homens porque, na sociedade em que vivemos, o homem é socialmente construído para ocupar um lugar de poder, domínio, intimidação.

Em 2016 o ator Terry Crews publicou em uma de suas redes sociais um relato sobre o seu vício, onde podemos perceber essa relação de dependência existente entre a pornografia e seu consumidor:

“A pornografia estragou mesmo a minha vida de várias maneiras. Isso se tornou um problema que eu não contava a ninguém. Era o meu segredo, ninguém sabia, e isso permitia o crescimento do problema. Se o dia vira noite e você continua assistindo, pode estar com algum problema, e eu estava assim. A internet permite que esse segredo fique e cresça. Eu tive que ir para a reabilitação e o que eu descobri é que não contar às pessoas torna o vício mais poderoso. Quando você se abre e conta, ele perde o poder. Estou livre há 6 ou 7 anos, mas agora minha batalha se tornou ajudar pessoas que passam pela mesma coisa. Meu problema com a pornografia é que ela muda o que você pensa sobre as pessoas: elas se tornam objetos, partes do corpo, coisas a serem usadas em vez de serem pessoas a serem amadas. Você começa a mudar a maneira de ver as pessoas e passa a usá-las. Quando tomei consciência do que estava fazendo comigo mesmo, isso me mudou e percebi que precisava parar.”

“(…) em um modo de produção cuja força de trabalho deve ser vendida em prol da condição de subsistência, a exploração sexual revestido de trabalho aparece como opção. Isso é ainda mais acentuado quando colocamos em pauta a mercantilização do corpo feminino e a sociedade patriarcal.” Fernanda Alves

Pornografia é exploração sexual, não empoderamento: o perigo do discurso liberal

Na pornografia também há relação entre a economia, o gênero e o social: ou seja, trata-se do papel de um gênero socialmente construído para ser oprimido (nesse caso, a mulher) e capitalizado — por meio de produções — para o desejo masculino (o homem numa posição superior). Fala-se no discurso liberal quando o assunto é empoderamento e pornografia porque é a partir dessa vertente no movimento feminista que acontece a romantização da exploração sexual. A questão de gênero, nesse sentido, é primordial porque:

  1. A categoria “lésbica” é uma das mais visualizadas em todos os sites pornôs;
  2. Mesmo no pornô heterossexual, o protagonismo está na mulher e a sua resistência nos mais diversos abusos presente nessas produções.

Isso nos leva a entender que a pornografia transforma em prazer e venda a dominação masculina sobre a mulher. O perigo do discurso liberal “feminista” está na questão da escolha e a liberdade sexual, posicionamentos que são defendidos por essa vertente. Dentre vários fatores que podem levar uma mulher a virar atriz pornô, o principal é a necessidade de ganhar dinheiro para poder se sustentar. O documentário Hot Girls Wanted, produzido pela Netflix, mostra a dura realidade dessas atrizes, quais as marcas deixadas em suas vidas e o que as levou para esse mercado.

É a partir dessa análise crítica que se torna possível entender como funciona a indústria pornográfica e o que implica o seu consumo. Qualquer mercado que seja baseado na exploração e objetificação da sexualidade feminina jamais será sobre escolha ou empoderamento. Desse modo, a conscientização se faz necessária, e é a partir da emancipação das mulheres que a ruptura desse sistema será possível.

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Beatriz Firmino
CARPAS
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Latino-americana, socialista e estudante de Relações Internacionais. beatrizfirmino.contato@gmail.com