Sobre fé forte, cegueira espiritual e outros devaneios.

Atheris L.
CarpeNoctem
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4 min readApr 26, 2023

Esse não é bem o texto que eu planejava para voltar a escrever por aqui. “Voltar a escrever” por si só não é a forma que eu trataria isso, porque nunca foi minha intenção parar de publicar minhas experiências e pensamentos sobre magia e espiritualidade, mas também nunca alimentei com frequência linear nenhum dos lugares onde despejo meus pensamentos.

Porém, esse tópico me vem à mente em uma urgência quase necessária por longos meses: até onde vai a saúde de uma fé, até que ponto acreditar e confiar é ter uma fé forte ou uma cegueira espiritual?

E mais uma vez, como sempre, eu não tenho respostas, apenas pensamentos soltos principalmente por vir lidando com uma quantidade de gente gravitando espiritualmente ao meu redor a uns recentes e caóticos anos. A responsabilidade não espera firmeza completa para aparecer no seu colo, acredito eu até, que seja a quantia de responsabilidade colocadas em momentos inesperados onde julgamos não estar prontos que geram aos poucos o encalço necessário para uma fé sólida.

Mesmo assim, nos últimos anos algumas ovelhas desgarradas vem encontrando meu caminho uma após a outra, obviamente mediados através dos meus guias para que eu possa oferecer de certo modo um vínculo, rede e suporte para que essas pessoas encontrem o que precisam. Porém, precisar é, na maioria das vezes, muito distinto de desejar; aquilo que almejamos e idealizamos a iniciar/trilhar uma jornada de fé – não necessariamente mística ou magicka – é completamente diferente daquilo que vamos encontrar no caminho. E eu não falo da velha e cansativa ideia de Testes Espirituais com letra maiúscula, eles existem, claro, mas quando saímos deles podemos ver algo até mesmo pior do que isso: nosso próprio ego ao querer que o caminho seja retilíneo, iluminado e tenha uma linha de chegada em que você possa dizer “venci”. São nessas terríveis quebra de expectativas – visto que não é em apenas um momento geral que trilhamos jornadas de fé e si várias jornadas paralelas – que as pessoas a minha volta entram em desespero e me perguntam: e agora? no que que eu vou crer? como você conseguiu continuar?

Esse é o tipo de pergunta que já me fez chegar a uma questão constante, sobre mim mesma, a alguns anos atrás em um caminho não cristão e acredito eu que seja uma realidade para muitos neófitos que estão em caminhos de culto: minha fé não é forte o suficiente ou eu estou certo em duvidar de das verdades?

E quem pode responder essa pergunta? Eu mesma? Hoje minha fé e meu culto são estáveis o suficientes para que eu diga que não me arrependo em nada de ter fechado os olhos e me jogado ao abismo inúmeras vezes. Hoje entendo que TODO comprometido com o espiritual vai sim ser jogado inúmeras vezes nesse abismo, as vezes acertando o chão com toda força e as vezes reconhecendo as próprias asas. Mas eu, como encarregada de certa forma, devo olhar para aquela pessoa e dizer: “funcionou para mim, continue, não duvide”? Não mesmo, eu não tenho esse direito de fazer com que engulam as lágrimas o medo e a dúvida e o recomende seguir. No final, a decisão de continuar é apenas do outro.

Isso o torna alguém de fé fraca? Ou estamos apenas regurgitando os velhos conceitos cristãos de Deus escreve certo em linhas tortas engole tua decepção que vai ficar tudo bem?

Quais os limiares da fé para que ela não se torne cega, mas para que ela também permita que você se entregue a beleza da estabilidade e confiança nos teus? Existe um momento onde está tudo bem duvidar até a última certeza ou é complexo demais para se definir e auxiliar o outro? Eu mesma chego a conclusão que minha verborragia é muito vaga e inconclusa para um texto decente.

Com tudo isso só me cabe um conforto, a velha eu e aos novos: a revolta é também sagrada. A dúvida, o medo, a rebelião contra tudo que te também te engloba é também uma expressão da fé, mas nunca uma permanência, nada na espiritualidade é uma permanência, até mesmo os ciclos são espirais e não momentos fixos de repetição constante. Portanto se rebelar, “desistir” e se afastar por frustração não é nada mais que um aspecto comum de uma fé que não pode ser cegada. Mas seus limiares, como qualquer impermanência, serão distintos entre cada um, entre cada culto e entre cada guia ou energia que nos acompanha. A dúvida é uma sabedoria, mas bicar pedra é burrice. No final ninguém além de você e sua espiritualidade em suas diversas facetas poderá iluminar melhor a força e firmeza da sua fé, assim como a cegueira natural que também carregamos para que possamos saber o que é abrir os olhos. A sacralidade e a ancestralidade permeiam as dúvidas e auxiliam no andar para que possamos tecer nossas próprias questões.

E para cada “aprendiz” ou similar em minha vida, que entendam o porquês de cada acontecimento ou não, julguem distante do seu ego o que é valoro, não fujam do que não se pode correr, pois a espiritualidade não é um ser ou uma coisa, é você, os teus e tudo que te cerca, mas não caiam nunca na crença cega de que o sofrimento é uma realidade a ser engolida com pregos e navalhas pois não é. O silêncio, na maior parte das vezes é o melhor que te pode ser oferecido.

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Atheris L.
CarpeNoctem

Feiticeira alinhada ao caoismo com interesse em formas de magia relacionadas a morte e cultura moderna. Meu objetivo é conseguir difundir conhecimento.