Reportagem | Artesanato e a legitimação da arte no museu

Wesley Loebens
Carretel Arte & Jornalismo
3 min readMay 19, 2018
Bordados e pinturas feitos em panos de prato. Foto: Divulgação

Lojas, escolas e, agora, museus. Os espaços em que o artesanato transita dizem muito sobre a recepção social que ele obtém, especialmente em se tratando de trabalhos que, embora produzidos com cuidados estéticos, nem sempre serão objetos artísticos. Mas o que esses espaços podem nos dizer sobre o artesanato?

A 11ª edição da Bienal do Mercosul, ocorrida entre abril e junho de 2018, trouxe entre as obras expostas peças de artesania para dentro do Memorial do Rio Grande do Sul, conhecido centro cultural dos gaúchos. Entre bonecas de pano e panos de prato bordados, é no mínimo curioso pensar essas obras dentro de um museu, em uma exposição com a visibilidade que tem uma Bienal.

Esses objetos, que passaram pela curadoria do evento, são oriundos da pesquisa de residência do artista Jaime Laureano no Areal da Família Silva e Vó Elvira, e representam, de certo ponto de vista, uma produção artística sob o viés étnico e racial no Rio Grande do Sul, sobretudo no município de Pelotas. A presença desses objetos, portanto, passam pelo crivo de curadores, artistas e intelectuais antes de chegar ao museu. E aos olhos de quem possa gerar discussão.

E então: o que diferencia esse artesanato, dentro de um museu, do artesanato produzido pela população indígena que está há poucos metros dali vendendo objetos feitos a mão na Praça da Alfândega, por exemplo?

O olhar. Para o mestrando em artes visuais da UFRGS, Fercho Marquéz, é o olhar de quem consome esse artesanato que propõe significados ao que está exposto. O artesanato está em todo lugar. É feito por gêneros, raças e credos diversos. Mas ele só é questionado como arte quando chega na parede branca de um museu. E porque chega, é visto para além das escolas, lojas e ruas, e passa a ser consumido por outros públicos.

“Esse olhar eurocêntrico de quem enxerga um artesanato ou um produto feito por indígenas como arte é o olhar de quem fala, não de quem produz.”

“Antes de dar nome aos bois, a gente precisa se relacionar com o boi.” Fercho Marquéz sobre a arte contemporânea. Foto: Wesley Andriel

Para Fercho, a arte contemporânea tem muito mais foco na experiência com a obra. Ou seja, para entendermos uma obra como arte ou artesanato é preciso, antes, que tenhamos contato com ela e com o artista. Toda exposição, por si só, gera tensionamentos. E quase ninguém vai ver de uma mesma forma um produto em exposição.

Nei Vargas, doutorando em Sistema da Arte, entende o próprio museu como um fato legitimador da artesania. “Não necessariamente essa artesania dentro de um museu será arte. Um objeto pode conter elementos artísticos, mas não significa que será arte.” Ou seja, a presença de artesanato no museu e as discussões consensuais acerca de sua definição em relação ao que é artístico, nem sempre dirá respeito ao que pensa o artista ou artesão. É muito mais um reflexo dessa nova visibilidade. Que sai do ambiente em que é visto como artesanato e chega em outro que o enxerga como arte.

É papel também da arte contemporânea reavaliar o que já foi feito e as causas do tensionamento. O olhar é uma delas.

Leia Mais: A quem interessa discutir o que é arte?

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