Capítulo 2 — Voltamos a apresentar o Culture Machine

Francine de Oliveira
Carretel Arte & Jornalismo
8 min readMay 11, 2018

(Vinheta de entrada do programa. Corta para o estúdio onde aparece as três mulheres conversando de forma sorridente ao som de efeitos de aplausos e vivas. Câmera foca na apresentadora que olha para ela ainda sorrindo).

Fran
Estamos de volta com o nosso Culture Machine. E vamos continuar a conversa com as nossas convidadas, as fictwriters Minos e Tamires.

(Ela vira para as duas mulheres. Câmera foca nas três).

Fran
Meninas, se fosse possível viver como escritoras, tornar isso uma profissão, vocês viveriam?

Tamires
Sim, por que não? É uma profissão muito linda.

Minos
Parafraseando Jean Cocteau: “Não sabendo que era impossível, ele foi lá e fez”. Ou seja, penso que tudo seja possível desde que realmente se deseje. Meu primo é escritor, escreveu vários livros, mas no passado ele passou por muita coisa antes e até mesmo após se formar e tornar-se professor. Eu acho que se eu quisesse, seguiria o mesmo caminho.

(Câmera foca em Minos).

Minos
Mas sinceramente não me vejo escrevendo por obrigação. Um escritor tem prazos a cumprir, responsabilidades com editoras, etc. Não consigo me imaginar escrevendo sob essa pressão.

(Câmera abre focando nas três).

Tamires
Eu também. Super apoio quem toma isso como profissão. É preciso arriscar, querer.

Fran
Acho incrível a capacidade que algumas pessoas tem de criar um universo inteiro do zero. Deve ser dificílimo fazer isso, mas ao mesmo tempo deve ser maravilhoso. J.K. Rowlling por exemplo. Olha tudo que ela criou de uma simples ideia que teve sentada em uma estação de trem.

Minos
Nós temos o universo de Tolkien que é tão vasto e espetacular que tem até dialetos próprios, como o élfico, por exemplo. Aquele homem era um gênio. Nasceu para isso.

Tamires
Eu tenho fascínio por Tolkien. O cara inventou três idiomas. Além de mapas. É meu escritor preferido, mas reconheço que Rowlling e os outros fizeram ótimos trabalhos. Anne Ricce nem comento.

Minos
Se pararmos para analisar, todos são fictwriters.

(Câmera foca nas duas convidadas).

Tamires
A gente sempre se espelha nessas grandes mentes.

Minos
Só que eles fizeram sucesso, nós não.

Fran
True history.

(As três riem do comentário. Câmera foca nas três).

Tamires
Ninguém nunca pensou em criar o que eles criaram.

Minos
Eu gosto muito da Mary Shelley. Ela é um ícone, um marco! Existiu a literatura antes e depois dela. Numa época em que a inteligência feminina era duramente subestimada. Ela lançou um clássico que é copiado até hoje em muitas obras.

(Câmera foca em Minos).

Minos
Frankenstein é um clássico do horror que está no mesmo patamar de Drácula e serve de inspiração até mesmo para personagens de quadrinhos. Por que não os considerar fanfics?

Tamires
O problema de hoje em dia[…]

(Câmera foca nas convidadas).

Tamires
[…] é que são poucas as pessoas que gostam de ler livros e fanfics e isso tende a piorar.

Fran
Verdade.

(Câmera foca nas três).

Fran
A popularidade das fanfics decaiu muito e isso é triste, porque fanfics são um meio de uma pessoa que tem o sonho de ser um escritor(a) tornar isso real, de certa forma, ou começar a trilhar o caminho em busca da realização desse sonho. E isso não é valorizado.

Minos
Sim, em termos. Mas creio que isso é uma busca pessoal. Eu, por exemplo, nunca tive essa aspiração. Eu escrevi porque desde criança criava histórias dos meus desenhos animados ou HQ’s prediletos e sempre quis registrar. Pessoalmente, escrever fanfics é algo um pouco mais íntimo e egoísta. Torna-las públicas foi apenas uma consequência talvez ainda egoísta que tenha mais a ver com ego do que com isso. Eu só queria saber se o que eu escrevo agradaria alguém e confesso que me surpreendi.

Tamires
Comentários são revigorantes.

Minos
Guardo todos com muito carinho. Tenho até medo que um dia os sites os apaguem.

Fran
Verdade. É bom saber que a sua história, de alguma forma, está agradando alguém.

(Pequena pausa. Apresentadora mexe nas fichas, voltando a olhar para as convidadas).

Fran
Como vocês se tornaram fictwriters? Como descobriram esse mundo? Teria alguma história que vocês leram que poderia ser considerada como “o estopim” para o início disso?

Minos
Bom, eu já fazia RPG de chat desde a época do MSN e Orkut. Fui administradora de chats de RPG e comunidades de anime/mangá. Então, uma vez, pesquisando pela internet sobre alguns personagens de Saint Seiya (Cavaleiros do Zodíaco), encontrei o perfil de uma fictwriter conhecida como Leona_EBM e resolvi ler. Li todas e acabei me inspirando também. Foi aí que surgiu minha fanfic.

Tamires
Eu comecei na oitava série em 2008. Eu sempre lia algumas fanfics na internet, até que uma noite escrevi um capítulo e postei no Anime Spirit (site de fanfics) e fui correndo dormir. No outro dia, fui ver se tinha comentários e me surpreendi em ver que cinco pessoas tinham gostado. Então continuei fazendo.

Minos
Para falar a verdade, eu já tinha toda a história na cabeça, mas ainda não tinha pensado em passa-la para o papel. O trabalho dela me encorajou a isso. Hoje ela tem uma fanfic OC chamada “Contos de Garotos” que já tem várias temporadas. É uma obra bem complexa que já foi altamente plagiada. Ela teve que registrar para conseguir combater os plágios.

(Apresentadora meche novamente nas fichas. Ela volta a olhar para as duas mulheres em sua frente).

Fran
E fazer parte desse mundo causou alguma mudança na vida de vocês?

Minos
Eu penso que a grande mudança da minha vida se deve a adquirir um computador e assinar a internet, o resto foi consequência. A internet me mostrou um mundo que eu não imaginava que existia. Através dela eu pude ver o final de muitos animes que via na finada Rede Manchete e nunca soube, descobri as fanpages, o RPG online a as fanfics. Foi como se um cego de nascença enxergasse pela primeira vez. É assim que eu vejo.

Tamires
Eu fiz muitas amizades virtuais, melhorei muito o meu português. Como a minha profissão mexe com criatividade, porque sou Designer Gráfica, procuro sempre manter a mente fértil e escrever é revigorante, tira toda a minha tensão. Você passa a observar o mundo a sua volta procurando cenas e cenários interessantes para acrescentar na fanfic. Eu me inspiro muito nas pessoas que conheço para montar o perfil de algum personagem meu. Você se torna perfeccionista, passa a buscar palavras diferentes, passa a ter mais confiança em si e no que escreve.

Fran
E pretendem continuar escrevendo?

Tamires
“Always” (sempre).

(Risos).

Fran
Snape.

Tamires
Referências.

Fran
Capitão América curtiu isso.

Minos
Penso que, no fundo, eu e Tami nunca paramos. Temos muitos trabalhos juntas. Só falta tempo para organizar tudo e tornar a escrever fanfics.

Tamires
Oh God! Muito tempo. Super recomendo as pessoas postarem suas histórias, porque sempre tem um doido igual nós que gosta e comenta.

(Risos).

Fran
Bem, me incluo na lista, porque já varei madrugadas lendo fanfics no celular porque estava sem sono.

(Risos).

Minos
Temos um RPG inspirado nas melhores obras de vampiros. Um “milk-shake” de Bram Stoker, com Anne Ricce, Blade, com RPG’s de mesa como Vampire, Lobsomem e outros. Eu pessoalmente penso que dará uma fanfic maravilhosa.

Tamires
Essa está em processo de chegar na metade.

(Risos).

Minos
Temos um romance maravilhoso entre um homem e seu ex-professor.

Tamires
Temos de quase todos os temas possíveis.

Minos
Uma história inspirada no mundo de Tolkien com muito do RPG de mesa AD&D. Tenho um projeto solo inspirado em “Psycho-pass” que, inclusive, lancei o prelúdio. É meu primeiro projeto fora do universo de Saint Seiya que é minha grande paixão. Todos os outros ou se passam dentro do universo de Saint Seiya, ou utilizam seus personagens como avatares.

Fran
Em todos esses anos que vocês escrevem fanfics, alguém já chegou em vocês e disse coisas como “essa história mudou minha vida”, “me tornei um(a) fictwriter por causa de você” ou “sua história me ajudou a superar um momento difícil”? E desses feedbacks que vocês recebem, teve algum que marcou muito vocês?

Tamires
Esses feedbacks são muito emocionantes, de verdade, a gente se sente emocionado com o carinho das pessoas ao ponto delas se motivarem a escrever depois de lerem sua fanfic. Você sente que o tempo gasto escrevendo e dando o seu melhor foi finalmente recompensado. Nos emocionamos lendo cada um dos comentários.

Minos
Sim, houve um comentário que me deixou boquiaberta. Eu tenho carinho por todos, mas esse em especial me emocionou, porque fala sobre preconceitos. Minha fanfic tem conteúdo yaoi (gênero de anime/manga que retrata relacionamentos entre homens), ou seja, relacionamentos homoafetivos. E a pessoa que escreveu esse comentário disse que minha fanfic abriu a mente dela para isso.

Fran
Olha só que legal. Isso é incrível. Quem dera isso acontecesse com mais pessoas. Fanfics como armas contra o preconceito. Isso é genial.

Minos
Eu não levanto a bandeira do “politicamente correto”. Aquela coisa que hoje está na moda que é dar uma de Gloria Perez e expor as mazelas do mundo como forma de crítica e luta. Eu escrevo o que gosto de escrever. Se gostar, gostou; se não gostar, não tem problema. Eu só achei interessante esse depoimento pelo fato de eu conseguir tocar alguém tão profundamente a ponto de abrir seus olhos para além do que ela via. Como a caverna descrita por Platão, onde a pessoa vive em sua pequena bolha e teme sair dela, porque não sabe o que há lá fora. Fazer alguém pensar fora da caixa, entende?

Fran
Ou seja, a ponto de mudar o conceito de alguém sobre determinado assunto, nesse caso, a homossexualidade. Que bom que essa pessoa teve a mente aberta e se permitiu fazer essa mudança.

Minos
Exatamente! Podia ser sobre qualquer outro assunto, mas o fato de conseguir fazer alguém pensar além do que foi “adestrado” a pensar é algo extraordinário.

Fran
É interessante as fanfics terem esse poder, mesmo que sem querer, de mudar o conceito de alguém sobre determinado assunto de uma forma mais “normal”, digamos assim, através de exemplos práticos. É o mesmo poder que um livro tem.

Minos
Recebo até comentários de estrangeiros. É incrível o que a internet nos possibilita vivenciar.

Fran
Muito bacana mesmo. Deve ser muito gratificante ler esses comentários.

Minos
E de fato é mesmo. Eu raramente comento sobre o trabalho de alguém, mas quando o faço é de coração. Já vi casos de fictwriters ficarem chateados com plágios e simplesmente apagarem todas as suas histórias da internet e os comentários acabaram indo junto. Eu não teria coragem de fazer isso. Cada comentário daquele é um carinho que recebi. Alguém perdeu seu tempo para comentar, elogiar ou criticar uma obra minha. Acho um pecado jogar isso fora como se não fosse nada.

(Pequena pausa).

Fran
Meninas, o papo está ótimo, mas infelizmente, o nosso tempo acabou.

(Efeitos de lamento).

Fran
Agradeço imensamente a presença de vocês aqui hoje. De verdade, foi uma honra.

(As convidadas agradecem sorrindo. Apresentadora olha para a câmera que foca nela).

Fran
E se você aí quiser conhecer o trabalho das duas, é só acessar o perfil delas no site Nyah! FanFiction procurando por “Minos de Griffon” e “TsukiRene” nesse site. E se quiserem conhecer todo esse mundo fantástico das fanfics, também podem acessar os sites Spirit Fanfics e Histórias e FanFiction.net pelo seu browser ou os seus aplicativos disponíveis na Play Store e App Store.

(Fran larga as fichas sobre uma mesinha e volta a olhar para a câmera).

Fran
Obrigada pela companhia durante a viagem de hoje, queridos viajantes. Semana que vem estaremos de volta com mais um Culture Machine. Até lá!

(Apresentadora faz uma saudação para a câmera e sorri. Entra vinheta de encerramento).

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