#1

Rodrigo Luis
carteiro
Published in
2 min readApr 21, 2020

Editora S,

É o seguinte, tentei compor um diário. Falhei miseravelmente. Não porque descumprisse a regra etimológica da escrita dia após dia, mas afinal, quem tem todo esse tempo quando o capital bate na sua porta e o cansaço e a depressão são baleias na sua cama? Falhei um pouco melhor na segunda tentativa. Inventei que conseguia. Assim, no dia 21 de abril, ou qualquer outro, escrevi abro o livro do Piglia e vejo que Emílio Renzi pode ser. Em fato, ele só pode ser Emílio Renzi, é ele quem assina os diários. Ele, o Piglia. Percebe a confusão? Assim, é interessante pensar, como o autor discute (Piglia? Renzi? Elena Ferrante? Eduardo Cunha?) a irresponsabilidade do leitor. Vê se no topo da página uma data, um dia da semana, seguida de palavras arranjadas não dizendo quase nada ou expondo a tragédia brasileira em 1˚ de janeiro de 2019, e atestam: diário. Como se a pretensão do diário não fosse a impossível missão de retratar a vida. O diário não existe porque é uma memória do dia, faz muito mais sentido assim, chamá-lo caderno de memórias. É o Renzi, o Piglia, alguém, quem diz.
Estou impactado, editora S. A memória da ditadura na Argentina é similar aos seus dias no escritório. Aos meus dias em sala de aula tomando cuidado com o que os alunos vão dizer quando me ouvirem contar a eles que Machado de Assis foi um homem negro. Editora S., a memória pode ser um diário? Emilio Renzi pode ser Ricardo Piglia? A assinatura de um nome no fim da página não torna qualquer coisa que se leia um diário? Preciso mesmo dizer Eu?
Os anos de formação são intensos, os de felicidade, amenos. Ser feliz é andar na sombra. Desculpa a falta de sentido desta carta. Entra na obra do Ricardo Piglia, recomendo. Se puder, me diz o que pensa dos diários.

Um abraço.

Ricardo Piglia | Os diários de Emilio Renzi: Anos de formação. Editora Todavia.

--

--