#2: Talvez eu morra de saudades

O Carteiro
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2 min readMay 18, 2021

M.,

Ufa, que alívio foi receber sua resposta! Temi que a carta não chegasse até você. Essa cidade em que você está parece ser um lugar completamente inacessível. O atendente da agência de correio brincou comigo na hora da postagem: “Deve ser amor mesmo”. É mesmo. Fico aliviado também em saber que estão todos bem por aí, apesar de toda a história louca sobre a tempestade. Foi bom saber que deu tudo certo. Continue se cuidando, por favor.

Urgia qualquer contato seu, nem que fosse sua caligrafia nessa folha sem pauta. Não me surpreende que você escreva numa folha sem pauta linhas tão retas, nem que tenha escrito com uma caneta preta. Queria poder sentir seu cheiro nessas duas páginas que você me mandou, mas a distância certamente fez diluir qualquer possibilidade. Já me alegra tocar agora nesse mesmo papel que você tocou há uns dias. Penso na sua mão esquerda segurando firmemente a caneta e lembro do dia em que você não quis andar de mãos dadas na rua, mas de dedos cruzados. Minha cabeça tem sido só você, M. Sinto que já te conheço tanto.

Um dia desses eu estava lembrando da vez que você apareceu aqui em casa do nada, depois do nosso primeiro encontro. Quantas saudades sinto daquele momento, de abrir minha porta e encontrar você ali, sorrindo sem jeito, dizendo que não aguentava esperar até o dia seguinte para sairmos. Você fez o que eu queria fazer. Eu sinto saudades até daquela coxinha horrorosa que comemos, só porque comi com você.

Uma coisa que me surpreende é nos conhecermos há tão pouco tempo. Dividimos a cama apenas cinco vezes e hoje penso que desaprendi a dormir sozinho. Como pode? Outras pessoas certamente achariam estranho, mas você não.

Usei aquela foto que você me deu sua como marca-página do livro que leio agora. Assim posso ficar olhando para você entre as páginas. Queria poder ligar para você, ouvir sua voz, sua risada, seu sotaque ao dizer “meu amor”. Tanta tecnologia e nada. O fim do mundo será decretado não por um apocalipse zumbi, mas pela extinção dos carteiros, quando nenhuma carta mais for enviada ou deixarmos de falar com aqueles que estão longe de nós. Sei que gosta de inventar teorias sobre o fim do mundo, adoraria saber o que achou dessa.

Uma última coisa, que sinto que ainda não consegui te dizer: morro de saudades. Me falta o ar sempre. Como pode?

Um beijo, dois beijos, mil beijos,

U.

Esta carta faz parte da série “Talvez eu morra de saudades”. É a segunda de um total de quatro cartas desviadas pelo carteiro. De acordo com o código de rastreio, a previsão é que elas cheguem sempre às segundas de manhã.

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