#47: Seu Francisco, tem carta pra mim?

O Carteiro
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2 min readAug 1, 2021

Querida amiga,

Saudade! Espero que você esteja bem!
Já faz um tempão que não tenho notícias suas, o que acontece? Não recebi até agora resposta das duas cartas que te enviei, e essa é a terceira que te escrevo desde início da pandemia. Espero que responda. Está desanimada para sair e ir até o correio perto de sua casa? Quero muito saber como você está e o que tem feito para ocupar seus dias nesse isolamento.
A pandemia te deixou borocoxô? Ou será que minhas cartas não chegaram até você?
Pode até ser que as duas cartas que te enviei tenham se extraviado, pergunte para seu carteiro se acontece isso ainda.
Fico em dúvida agora se não recebeu ou se não quer responder. Será que escrevi errado seu endereço?
Desde que coloquei a primeira carta no correio, fico da janela esperando (é aquela janela lateral de meu quarto de dormir)… Enfim, fico da janela esperando o meu carteiro passar para perguntar:
— Seu Francisco, tem carta pra mim?
E ele responde:
— Só conta pra pagar.
E assim seguem os dias, sempre a mesma resposta dele. E nada de receber uma cartinha sua. Já estou ficando preocupada.
Meu Deus, será que você morreu? Ou eu que morri e aqui no céu não entregam correspondência? Tem tanta coisa acontecendo lá fora que nem sei. Para você ver, alguns parentes de meu falecido pai morreram de Covid. Fiquei triste por não poder me despedir deles. Falei disso na primeira carta que te enviei.
Na segunda, contei de dois vizinhos, Genoval, o Geno, e a mulher dele, Cida. Eles não acreditavam no vírus, não se cuidavam e eram até um pouco agressivos verbalmente quando alguém usava máscara perto deles. Morreram também de Covid, o vírus que negavam existir.
Nesta carta de hoje não tenho muito para contar, pouco assunto, nada de novo a não ser que, como estou sem internet e sem telefone fixo porque não paguei as contas, meu celular caiu na água e não funciona de jeito nenhum, minha única forma de comunicação com agora é por carta. Esta que estou escrevendo.
Também estou escrevendo para uma sobrinha do interior de Minas, um tio que mora em Portugal e uma outra amiga que mora aqui mesmo na cidade. Eles devem ter tentado entrar em contato comigo, mas não sabem que o único jeito saber de mim atualmente é por carta.
Pouco aconteceu ao meu redor, então restam as boas lembranças de sua amizade. Lembranças outras também, que me fortaleceram nesse isolamento, e fizeram barulho nesse meu silêncio.
Todos os dias no horário certo e pela janela aberta pergunto:
— Seu Francisco, chegou carta para mim?
Desejando que você esteja bem, vacinada e imunizada como eu, aguardo notícias.

Beijos,
A.

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