#61: cinquenta semanas difíceis

stéphanie
carteiro
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3 min readDec 21, 2021

caro r.,

minhas últimas semanas foram muito difíceis, assim como as suas. certamente reflexo de um ano difícil, que passou mais rápido do que o normal. será que só eu tive essa impressão? de repente é natal, ceia, presentes. de repente a angústia de reunir uma família fragmentada em volta da mesa de jantar como se houvesse algo em comum entre aqueles desconhecidos que compartilham o mesmo sangue. de repente a angústia de se definir onde passar a virada sendo que meses e meses se passaram e algo poderia ter sido programado. por mim ainda poderia ser julho, dia cinco de julho, ou talvez dezoito de agosto, véspera do aniversário da minha avó. mas não, é dezembro, vinte de dezembro.

minhas últimas semanas foram muito difíceis porque eu confundi cuidado com controle. foi o que meu terapeuta me disse. minha irmã, como você sabe, precisou de muitos cuidados depois de duas cirurgias. durante a recuperação, ela não podia subir escadas, tocar as ataduras ou comer sozinha. a rotina de casa mudou. nosso quarto, que dividimos desde que ela nasceu, veio para a sala. passei a monitorar os curativos o tempo todo e esqueci de tomar banho por dias e dias seguidos. mal trabalhei e comi muito mais do que o necessário. minha vida ficou em suspenso porque queria que a vida dela voltasse ao normal — e isso era impossível.

a pressa de que tudo melhorasse tomou conta de casa. foram semanas pensando em fevereiro, quando os cortes na cabeça dela estariam fechados e todas as coisas teriam voltado ao normal. fiquei projetando eu mesma daqui a uns meses, rindo e olhando para trás, agradecendo por tudo ter passado. é assim que eu tento superar minhas aflições: criando um futuro em que as angústias de hoje já não existirão mais.

fiz isso com você também. criei um futuro em que você e eu estaremos discutindo como odiamos burocracia, juros e o preço de uma máquina de lavar, um futuro em que, bêbados, a gente monta uma lista de piores do ano, em vez de melhores do ano. “lembra aquela vez em que eu soube que o homem que eu amava queria casar e ter filhos, mas com outra?”, “e quando eu precisei correr ao hospital para tirar um coágulo que nem sabia que existia?”, “e quando eu entendi que meu casamento não tinha volta?”, a gente vai rir. lá no futuro, r., as feridas da cabeça da minha irmã e as do seu coração serão nada mais do que lembranças de uma época difícil. é assim que tento cuidar de você e de mim, controlando o que está por vir. se isso sair do controle, já sabemos.

diziam que o fim do mundo seria ano passado, mas, apesar dos pesares, ele não acabou. 2001, contudo, foi fim atrás de fim. torço para que 2002 seja o recomeço, pra todos nós. estou apostando tudo na tal de internet e na vitória do lula.

abraços e boas festas,
s.

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