Você conhece a produção de longas-metragens no Rio Grande do Norte?

Diana Coelho
cartografiadoaudiovisualrn
9 min readApr 28, 2020

Listamos 16 obras produzidas no Estado e discutimos algumas tendências

Há alguns anos, era corriqueiro ouvir que não havia produção de longas-metragens no Rio Grande do Norte desde a década de 1970, quando foram produzidas duas importantes obras da cinematografia potiguar: “Boi de Prata” e “Jesuíno Brilhante”.

Por um lado, compreendia que a afirmação atentava para a inexistência de obras potiguares lançadas em circuito comercial de cinema, sinalizando uma lacuna a ser corrigida através de políticas de fomento.

Por outro, acreditava que essa afirmação acabava invisibilizando diversos realizadores que, na última década, estavam encontrando arranjos criativos para viabilizar e fazer circular suas produções, à margem de uma lógica de mercado.

“Passo da Pátria — Porto de Destinos” é um dos longas-metragens potiguares que estão disponíveis online

Como forma de contribuir com a divulgação dessas obras, compartilho abaixo uma lista que inclui 16 longas-metragens (com duração superior a 70 minutos) produzidos no Rio Grande do Norte, que tiveram direção assinada por realizadores naturais ou residentes no Estado.

Mas, antes de chegar até eles, acho importante pontuar alguns aspectos das produções que tem sido realizadas na última década.

Fomento & produção de longas-metragens no RN

É fato que, até hoje, nenhum longa-metragem potiguar chegou a ser distribuído em salas de cinema comercial no Brasil — o que contribui para que a maior parte da população desconheça a produção local.

A dificuldade de acessar esse segmento de mercado se explica, em parte, pela própria configuração das políticas públicas.

Se hoje Pernambuco é reconhecidamente um pólo de produção cinematográfica, em grande medida isso se dá através do Funcultura, importante mecanismo de fomento que, em 2018, injetou R$ 15 milhões no mercado audiovisual.

Enquanto isso, no Rio Grande do Norte, o edital com valor mais expressivo até então foi de R$ 300 mil, lançado pela Prefeitura do Natal.¹

Se considerarmos que um longa-metragem com estrutura de produção mais arrojada demanda expressivos recursos humanos e financeiros, é notável o quanto são necessárias mudanças estruturais que envolvam o setor público e privado, que só se efetivarão a partir de engajamento político do segmento.

Diante de um contexto adverso que não parece apontar soluções a curto prazo, há realizadores que têm buscado, nos diferentes contextos que estão inseridos, modos de produção possíveis para viabilizar suas obras.

Algumas tendências

Assumindo um modo mais artesanal de produção e circulação, percebe-se que os longas-metragens realizados e lançados no Estado entre 2010 e 2018 contavam, em sua maioria, com equipes colaborativas, que conseguiam materializar suas obras através de pequenos apoios, patrocínios e parcerias, muitas vezes sendo autofinanciadas² .

Por não terem sido pensadas numa perspectiva de mercado, era comum que as exibições ocorressem em espaços alternativos em caráter itinerante, havendo ainda pouca inserção em festivais de audiovisual.

O acesso às salas de cinema tem sido possível mediante negociação direta com os exibidores. É o caso do coletivo Buraco Filmes, que realizou o lançamento de dois longas-metragens no Multicine Cinemas, em Mossoró (RN), e do realizador J. Gomes, que lançou o último título de “Inácio Garapa” no Cine Gardem 7, em Catolé (PB).

A partir de 2019, surgem algumas experiências que parecem apontar para um alargamento de possibilidades de inserção num circuito mais amplo. É o caso de “Fendas”, coprodução Brasil/França que tem circulado em inúmeros festivais nacionais e internacionais, e “O Alecrim e o Sonho”, longa-metragem rodado no Estado que contou com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual para produção, através do Prodecine 01/2016.

Em vários sentidos, estamos passando por um momento em que o que está por vir permanece completamente incerto. Enquanto acompanhamos e ajudamos a construir os próximos capítulos, deixo um convite para que conheçamos um pouco mais a produção local.

16 longas-metragens potiguares para conhecer

  • Fendas (2019), de Carlos Segundo

Em “Fendas”, acompanhamos um recorte da vida de Catarina, uma pesquisadora do campo da física quântica que trabalha com espaços sonoros na imagem. O mergulho em sua pesquisa é, ao mesmo tempo, um mergulho em sua vida.

Rodado em Natal, “Fendas” é uma coprodução Aun Filmes (SP), Les Valseurs (FR), Casa da Praia (RN), O Sopro do Tempo (MG). Sua estreia em terras potiguares aconteceu durante a Mostra de Cinema de Gostoso em 2019, e tem rodado inúmeros festivais nacionais e internacionais.

Trailer:

  • O Mistério das Noites Brancas (2018), de Lucas Fernandes e Rebecca Pelágio

Para graduar-se na universidade, o problemático aluno Iuri Araújo é condicionado a passar pela orientação do misterioso e conservador Alexander Vladmirovich. A relação entre o professor e o aluno se desenvolve de forma conflituosa e é duramente afetada quando Suzane, melhor amiga de Iuri, enfrenta uma profunda depressão, o que traz à tona o passado oculto de Alexander.

Rodado em Natal, o longa teve sua estreia em festivais durante a programação do Cine Fest RN 2018 e foi produzido como trabalho de conclusão de curso de Radialismo (UFRN).

  • Nova Amsterdam (2018), de Edson Soares

Em “Nova Amsterdam”, Bernarda e sua família fogem da invasão holandesa no Rio Grande do Norte e, ao chegar no Engenho Potengi, conhece Rafael, envolvendo-se “numa paixão arrebatadora que lhes dará força para tentar sobreviver aos anos de violência”.

O longa-metragem foi financiado pelo Programa BNB de Cultura (2011), e contou com financiamento do FSA, através da linha de complementação de recursos (Prodecine 04/2013) e comercialização (Prodecine 03/2016), dentre outros patrocínios.

O pré-lançamento aconteceu durante o Cine Fest RN 2018, festival idealizado pelo próprio diretor do filme. Até o momento, o longa não entrou em cartaz no circuito comercial de salas de cinema, como havia sido anunciado.

Trailer:

  • Era Uma Vez Lalo (2017), de Wigna Ribeiro

Lalo é um jovem mágico circense que vê seu futuro no show ameaçado com a chegada de novas atrações. Explorado muitos anos por uma cigana e sua filha, ele segue em busca de outros rumos mais rentáveis com a ajuda de seus amigos.

O filme é uma produção do Buraco Filmes, coletivo atuante em Mossoró, e teve sua estreia no Multicine Cinemas, através de uma parceria com o Partage Shopping.

Filme Completo:

  • Passo da Pátria: Porto de Destinos (2016), de Paulo Dumaresq e Alex Régis

O documentário faz um recorte da comunidade do Passo da Pátria, uma das mais antigas de Natal, sob os aspectos histórico, ambiental, esportivo, cultural, etnográfico e social. Os realizadores Alex Régis e Paulo Dumaresq ouviram moradores, que contaram sua história de vida, frustrações, temores, sonhos e expectativas.

O lançamento do filme aconteceu no auditório do IFRN Cidade Alta, tendo sido exibido na Mostra SESC de Cinema Potiguar 2017, em cineclubes e diversas instituições parceiras.

Filme Completo:

  • Lua de Fogo (2016), de Walfran Guedes

Lua de Fogo (2016) narra a paixão entre Lutero e Jurema e os conflitos advindos depois que Jurema é tomada de seu pai para constituir um relacionamento forçado³.

O filme foi gravado em Tibau do Sul, com direção de Walfran Guedes, artista plástico e poeta, residente na praia de Pipa desde 1997. O longa foi exibido na Mostra Sesc de Cinema Potiguar 2017.

Trailer:

  • Rio Contado (2015), de Airton De Grande e Alvamar Queiroz

“Rio Contado” traz o relato de moradores, acadêmicos, intelectuais e amantes do rio Potengi, alternando entre o enfoque ambiental e o poético. O documentário retoma, também, o tema do grande desastre ambiental de 2007, mostrando pela primeira vez que uma empresa de limpa-fossas e uma grande fábrica de refrigerantes foram os responsáveis pela tragédia.

O longa foi exibido na programação do Festival URBANO CINE em 2015, e em diversas escolas e instituições parceiras.

Trailer:

  • Eu, Bicho do Mundo — Biografia não autorizada (2015), de Guaraci Gabriel

Um filme do filme”. É assim que Guaraci Gabriel, conhecido por seu trabalho como artista plástico, define “Eu, Bicho do Mundo”, onde estreia no audiovisual assinando direção, roteiro e também atuação, numa obra que transita entre a ficção e o documentário.

O lançamento aconteceu em 2015 no Teatro de Cultura Popular (TCP), em Natal.

  • O Mundo de Ana (2014), de Wigna Ribeiro

Em “O Mundo de Ana”, a jovem e sonhadora Ana que acompanha Lampião e seu bando e luta contra um rei tirano, que domina as terras secas do Nordeste.

Também produzido pelo coletivo Buraco Filmes, o longa-metragem teve sua estreia no Multicine Cinemas (Mossoró), foi exibido em emissoras locais de TV e disponibilizado no youtube em formato seriado.

Filme Completo:

“O Mundo de Ana” foi disponibilizado no youtube em formato seriado, totalizando cinco episódios
  • Natal, Encruzilhada do Mundo (2011), de Fred Nicolau

Produzido pela Fundação Rampa, o documentário aborda a história de Natal associada ao da aviação no século XX, e foi viabilizado através de renúncia fiscal através da Lei Djalma Maranhão.

Filme Completo:

  • Inácio Garapa (2010, 2011, 2015 e 2018), de J. Gomes

A saga é uma comédia que tem como protagonista Inácio Garapa, um sertanejo que sonha em ganhar a vida como artista.

Rodada majoritariamente na cidade de Alexandria, a quadrilogia está disponível no canal do youtube da Barriguda Filmes, tendo “Inácio Garapa, um Matuto Sonhador (2010)” ultrapassado mais de 3 milhões de visualizações.

Filmes na Íntegra:

Inácio Garapa, um Matuto Sonhador (2010)
Inácio Garapa um Matuto Sonhador 2 — O Retorno (2011)
Inácio Garapa 3 — A Saga (2015)
Inácio Garapa — Um Matuto Muito Esperto (2018)
  • Boi de Prata (1981), de Augusto Ribeiro Júnior

O filme narra a história de um conflito de terras no interior do Rio Grande do Norte envolvendo o filho de um coronel, que volta a cidade após o falecimento do pai com objetivo de explorar os minérios da região, e os atuais proprietários, que se negam a vender as terras.

Com direção do caicoense Augusto Ribeiro Júnior, Boi de Prata foi rodado em 1978 em Caicó e lançado em 1981. No Estado, sua pré-estreia aconteceu no Cine Rio Grande, em Natal. O filme foi viabilizado através de parceria com a Embrafilme e Governo do Estado, mas não chegou a ser distribuído comercialmente em salas de cinema, tendo circulado em alguns em festivais pelo Brasil⁴.

Uma cópia foi exibida no Festival Goiamum Audiovisual, em 2018, quando foi lançado o livro “Boi de Prata”, da historiadora Flávia Assaf.

  • Jesuíno Brilhante (1973), de William Cobbett

Jesuíno Brilhante retrata as passagens do cangaceiro Jesuíno Alves de Melo Calado, representado como um herói justiceiro e defensor dos pobres⁵.

O filme foi rodado em 1973 por William Cobbett, diretor e roteirista nascido em Ipanguaçu (RN).

Filme Completo:

Próximos capítulos?

Há ainda três projetos em processo de finalização e/ou pré-produção que contam com recursos para produção oriundos do Fundo Setorial do Audiovisual. É o caso do longa-metragem “O Alecrim e O Sonho”, com direção de Valério Fonseca e produção da Ponta Negra Filmes. Atualmente em processo de finalização, a obra foi financiada com recursos do Prodecine 01/2016.

Além dele, dois longas-metragens foram aprovados para produção pela produtora Pé na Estrada Filmes: “Capitão” e “Catador de Sonhos”, ambos pelo edital de Fluxo Contínuo Produção para Cinema 2018 (Modalidade C)⁶.

Caso tenha conhecimento de obras de longa-metragem que se encaixem no perfil e não foram mencionadas, não deixe de compartilhar aqui nos comentários!

Notas

¹ Trata-se do edital Cine Natal 2016, que contemplava exclusivamente a produção de curtas-metragens. Do montante de R$ 300 mil, R$ 100 mil eram recursos do município e R$ 200 mil eram complementação do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).

² COELHO, Diana Xavier. Cartografia do audiovisual no Rio Grande do Norte: experiências emergentes na produção e circulação de obras audiovisuais independentes (2010–2018). Dissertação (Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia) — Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019.

³ FERREIRA, Veruza de Morais; OLIVEIRA, Vanessa Kalindra Labre de. A cinematografia contemporânea do Rio Grande do Norte: análise de quatro filmes com base nos conceitos de modelo de produção e estilo. In: CRUZ, Adriano, RAMOS, Cida; CRUZ, Dênia (Orgs.). Claquete potiguar 2: histórias e processos do audiovisual no Rio Grande do Norte. Porto Alegre: Casaletras, 2020.

⁴ ASSAF, Flávia C. M. Boi de Prata: A estreia do sertão do Seridó no cinema terceiro-mundista brasileiro. 1. ed. Natal: Flor do Sal, 2018.

⁵ MAIA, Danilo Alves; MONTENEGRO, José Benjamim. Jesuíno Brilhante, o Cangaceiro: Considerações Sobre o Cinema e a Narrativa Histórica. Mnemosine Revista, Campina Grande, v. 4, nº 1, Jan/Jun 2013.

⁶ Considerando que a produtora, embora sediada no RN, não apresenta histórico de produção no Estado, torna-se importante acompanhar se as obras serão rodadas na região e se haverá participação efetiva de profissionais locais compondo a equipe.

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Diana Coelho
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Produtora, realizadora, pesquisadora. Até quando, não se sabe.