Imagem: Tina (artsy_T)

Zari

Fabricio Teixeira
Casa de crescer sonhos
2 min readNov 8, 2016

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A cabeleireira se chamava Zari. Iraniana, mas com cara de americana sexagenária que se vestia e movia como se estivesse em um seriado dos anos 90. “Iran is a nice country, with beeeeautiful people and ugly government”.

No começo, eu não confiava muito em suas habilidades motoras ou em sua boa visão, mas com o tempo fui aprendendo a me acostumar. Fechava os olhos para evitar os fios de cabelo que caíam, mas acabava me demorando em abri-los novamente — parte como um exercício de confiança em Zari, mas parte por medo de ver o resultado.

Depois de algumas visitas ao salão, encontramos um assunto em comum: cinema. Zari me contava sobre cada nova sala de cinema que tinha descoberto pela cidade, e se demorava nos detalhes ao descrever as paredes de veludo vermelho e as poltronas com botões dourados. Preferia os cinemas pequenos, de bairro, com ares de cinema parisiense e menos intimidadores que as barulhentas salas de cinema das redes americanas. E depois de descrever com detalhes a arquitetura das salas, Zari me indicava o endereço — que ela não sabia ao certo se ficava na quarenta e dois ou na quarenta e sete, e que mais tarde eu vinha a descobrir que ficava na cinquenta e oito, a custa das minhas próprias pernas.

Naquela semana, Zari tinha visto um filme do Liam Neeson. Era uma grande fã dos filmes de ação e achava Liam “a handsome man!”, dizia ela com sotaque encantador e com o furor de uma menina de vinte anos. “Ele tinha se afastado uma época por conta da morte de sua esposa, mas agora ele voltou com tudo. Pobre Liam. Mas agora está disponível no mercado.” — e ríamos, eu com receio de mexer demais a cabeça e contribuir para a já não tão afiada perspicácia de Zari com a tesoura.

Depois eu contava dos filmes que tinha visto e ela ouvia atentamente, fazendo intervenções para comentar sobre os atores e atrizes que mais gostava. Na semana do Oscar, eu podia jurar que ela tinha demorado o dobro do tempo para terminar de cortar meu cabelo, mas ela fez questão de comentar cada um dos discursos de aceitação do prêmio e como ela adorava os filmes do McConaughey.

Os cartões de visita de Zari cheiravam a sabonete antigo. Ela fazia questão de me entregar um novo cartão a cada novo corte, talvez porque ela tivesse esquecido que na visita anterior ela já havia me entregue. Se eu dizia que já tinha um, ela insistia e falava “vocês jovens não lembram onde guardam as coisas, leva mais um para não esquecer”.

Eu tenho oito cartões de Zari.

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