Entre casas e ruas, uma coletânea de narrativas

giselereginato
Casa e Rua
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3 min readApr 4, 2023
Esta edição reúne as palavras escritas por 19 alunos de jornalismo da UFRGS sobre casa e rua | Imagem: Susan Schenk

Tratar de casa e de rua é, de certa forma, tratar do nosso pertencimento a um coletivo. É sobre um eu e um outro, sobre espaço público e espaço privado, sobre relações transitórias e as que se eternizam. Escrever sobre casa e rua é resgatar memórias, nossos olhares sobre o que faz de uma casa um lar, nossas perspectivas diante de espaços que podem ser de muita gente mas que a gente trata como nossos: é a minha rua, minha cidade, meu bairro, minha casa.

Foi com o objetivo de construir narrativas sobre esses espaços do cotidiano que 19 alunos e alunas da disciplina de Jornalismo e Cultura do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) percorreram casas e ruas em Porto Alegre e região metropolitana, resultando em crônicas e perfis que estão aqui reunidos.

Entendendo a crônica como um texto que traz o cotidiano e dá espaço à oralidade, a turma assumiu uma postura de flâneur por ruas e casas para trazer suas perspectivas. Uma casa e seu dono, ambos com 100 anos. Um comer fora, na varanda de casa. O território da vila Planetário. A rua com mais de um cemitério e seria essa a última casa de alguém? Casas firmadas, casas abandonadas. Casas com nome (é a de número tal) e sobrenomes (ficam em tal rua). Tem casa que vira lugar de trabalho, tem trabalho que vira casa. Há vizinhos com os quais compartilhamos o endereço — e muitas vezes, mais nada além disso. Uma casa usada como lugar de tortura na ditadura. Há casas que não são lares, há casas que de tão movimentadas parecem ruas. Há o silêncio de uma rua em dia de jogo do Brasil na Copa do Mundo. Há um lugar universal, quase uma entidade, de construção de memórias: casa de vó.

Já a escrita dos perfis só foi possível com olhares interessados e escutas atentas de jornalistas em formação, que buscaram captar a profundidade e a complexidade das pessoas que eles escolheram perfilar, num método de apuração amparado na observação e na entrevista. E, por meio das narrativas construídas pela turma, passamos a conhecer a senhora cuja casa é um asilo; um desenhista de Porto Alegre; as sete casas da dona Inah; uma mulher que luta por moradia; a Silvane que morou em 21 casas; a casa e a vida do Pai de Santo Paulo; o diagnóstico que deixou Ana morando por dez anos numa cama; a vivência de vinte anos de Cícero na rua; a vendedora de cocadas azuis; uma senhora cujos filhos decidiram que ela mudaria de casa; a casa onde Rita mais trabalha que mora; a rotina sempre igual de Estrela numa casa de telas; a Rose do restaurante que fica em uma casa; a casa cuja árvore presenciou o planejamento da Guerra dos Farrapos e cuja dona conta essa história da família; o cheiro da comida que Maria Eva cozinhava; a disposição de Rosane de fazer todos se sentirem em casa.

Os resultados trazidos aqui são importantes, claro, mas no caso destes textos também são fundamentais os percursos, entremeados com leituras teóricas e conversas, (des)encontros com perfilados e perfiladas, reencontros consigo mesmos. Afetos e estranhamentos vieram à tona e foram compartilhados durante o semestre nas discussões com a turma, em reuniões de pauta, nas leituras compartilhadas dos textos, na edição final.

A turma tentou captar vivências do cotidiano que estão ao nosso alcance, mas, na correria do dia a dia, não paramos para ver. Também trouxe pessoas que muitas vezes não são apresentadas pelo jornalismo, nos fazendo refletir sobre como alguns são perceptíveis e outros são destinados ao apagamento. E se entendemos o jornalismo como esse lugar que pode e deve contribuir para construir representações plurais acerca do mundo, a amplitude de olhares trazida pelos alunos é de grande valia, pois é o jornalismo cumprindo seu papel de mostrar o mundo em sua complexidade e diversidade.

Registro um agradecimento muito especial à professora Cida Golin, que iniciou este percurso com a gente e contribuiu muito com nosso repertório sobre o terreno da cultura, como fez com inúmeras gerações de jornalistas.

Boa leitura!

Gisele Dotto Reginato, professora do curso de Jornalismo da UFRGS

Abril de 2023

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giselereginato
Casa e Rua

Professora do curso de Jornalismo da UFRGS. Jornalista e doutora em Comunicação.