A realidade da mãe não monogâmica
O primeiro lugar que me senti verdadeiramente acolhida, vista e considerada — quando falamos do assunto não-monogamia — foi aqui, na Casa Não-Mono.
A minha realidade não se encaixa no ideal de sociedade da NM: sou mãe de duas crianças e, tirando a minha mãe eventualmente e o meu companheiro, não existem outras pessoas dividindo o cuidado deles no dia a dia. Eu só acredito num norte em que o cuidado seja compartilhado, mas enquanto ele não chegou, eu existo como dá.
Sou dependente financeira do meu companheiro com quem divido o teto há mais de 7 anos. No meu ideal de NM todas as pessoas teriam independência financeira e o dinheiro não seria uma questão séria a ser considerada numa relação, mas vivendo nessa realidade aqui, no sistema capitalista e patriarcal, é com ela que tenho que lidar.
Ninguém tem mais interesse do que eu, com toda certeza, em ter independência financeira e que exista divisão de cuidados e responsabilidades dos meus filhos com a sociedade.
Mas se a realidade que eu tenho é outra, eu pergunto: caibo eu na NM? Eu existo nesse formato de relação totalmente novo? Ou a minha realidade talvez não seja suficientemente desconstruída para ele? Deveria eu desistir? Ou será que alguém vem aqui pra me ajudar a transformar essa realidade?
Quando eu leio que na NM não deveria existir acordos ou hierarquias eu me sinto gentilmente convidada a me retirar do clubinho (do qual nunca fiz parte rs). E aqui não estou falando de vetos quando falo de acordos ou hierarquias: não faz parte da minha ética proibir qualquer pessoa de se relacionar como quiser com alguém, mas se o meu companheiro quiser ser responsável com a realidade que vivemos juntos hoje, de forma orgânica, ele encontrará limites se for coerente com a construção de um mundo novo igualitário.
Ele não pode sair a hora que quiser pra fazer o que quiser: se for assim estará apenas reproduzindo uma lógica machista em que ignora que ao lado dele existe uma mulher sobrecarregada.
Ele não pode resolver fazer uma viagem e gastar quanto dinheiro quiser sem que isso implique ser irresponsável comigo e com as crianças. Temos contas, muitas dívidas e uma adulta dependente da renda dele — e isso só acontece porque essa adulta passou, nas 9 horas diárias em que ele trabalha externamente, responsável pelo trabalho doméstico e reprodutivo nos últimos anos. Ignorar isso é, mais uma vez, reproduzir uma lógica machista e capitalista que invisibiliza o trabalho doméstico.
Para mim, não faz sentido pensar numa ética não-monogâmica que ignore a realidade material que está posta. As duas coisas precisam dialogar e considerar os diversos contextos para que ela seja, de fato, subversiva. Não existe revolução na NM se ela me coloca num lugar mais precário do que o que me encontro hoje, dá pra entender?
A gente continua vivendo no mesmo mundo, com a mesma cultura. Se tentamos mudar ela ignorando o que está posto e as subjetividades que existem corremos o risco de colocar as pessoas NM como lunáticas: descoladas do mundo e sem uma proposta viável concreta que abrace as diversas existências. Um projeto que já começa falho. Uma proposta que já começa falida.
Para que a minha relação seja minimamente igualitária ela precisa de combinados que acontecem da hora que acordo até a hora que vou dormir. Esses combinados nada mais são do que ajustes: vão esbarrar em desejos meus e do meu companheiro (atualmente minha única relação). Para que a gente chegue num lugar em que não exista veto, mas exista consideração e respeito por nossos desejos e necessidades é preciso muita conversa e acordos.
A gente não precisa ter medo da palavra acordo — o que a gente precisa ter medo é de atropelar o outro, seja por que não consideramos o desejo dele ou porque achamos que os nossos podem existir sem qualquer limite.
Não há subversão no individualismo e pra construir coletivamente a gente precisa pensar que existem realidades para além das nossas.
Comecei o texto dizendo que a Casa Não-Mono foi o primeiro espaço que me senti verdadeiramente vista e termino da mesma forma: aqui sinto que tenho olhos que enxergam a minha realidade e não a julgam como inadequada para a NM. E, principalmente, pessoas que sabem que estamos todas tentando caminhar por um espaço desconhecido, mas que só faz sentido existir se couber todo mundo.
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