Ninguém pode definir o que é não monogamia por você

Sobre autodeterminação e processos pessoais

Gabrielle Dal Molin
Casa Não Mono
4 min readJun 30, 2021

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No último ano, explodiram páginas sobre não monogamia na internet. Lives, postagens, textos, vídeos, atrizes famosas falando sobre seus relacionamentos abertos, polêmicas no twitter sobre o caso “Mc Kevin e a monogamia assassina”, infinitos debates sobre o tema sob diversas óticas.

Tudo isso é muito positivo, porque quando eu cheguei na NM era tudo mato rs! Poucos textos sobre o assunto circulavam em blogs anarquistas e libertários, nem Instagram tinha. A gente tinha que seguir o desejo de experimentar e passar por cima de todo mundo que não entendia o que a gente estava fazendo. Quem começou nos 00'/10' sabe do que tô falando. Um salve pra galera da velha guarda que começou nos anos 90, nem imagino como deve ter sido isso.

O caso é que junto a esse aumento da produção de conteúdo, veio muita coisa mal feita, mal debatida, mas também muita conceituação, prescrição e proscrição. E inclusive eu, que desde 2013 falava sobre o assunto trazendo a ideia de experimentação como carro chefe da não monogamia, em 2020 já me vi definindo contornos mais precisos do que era ou não NM.

Problematizar é necessário, porque como eu disse, tem muita gente que fala besteira, que confunde poligamia com poliamor, que acha que swing é “modalidade” da não monogamia, que acha que não monogamia é putaria 24 horas ou chifre consentido. Destruir esse tipo de argumento é essencial se queremos fazer um debate sério. Contudo, as vezes eu sinto que a gente passa um pouco do ponto.

Eu mesma costumo dizer, por exemplo, que relação aberta não é não monogamia, conheço outras pessoas que dizem também. A motivação pra afirmar isso está em não enxergar quebra da norma monogâmica quando há limitação de envolvimento emocional, poder de veto, acordos limitantes, objetificação, unicornização, coisas que são bem comuns em relações abertas. Eu continuo achando isso, mas eu tenho percebido em vários depoimentos que ouço, que relação aberta pode funcionar muito bem como transição para um entendimento e uma construção mais ética da não monogamia.

Ela com certeza não deve ser um fim, com o tempo acredito que só vão se acumulando muitas emoções reprimidas e não é o terreno mais fértil pra desenvolver comunicação e honestidade, lidar com ciúmes, inseguranças e de fato viver algo fora da zona de conforto ilusória que a monogamia oferece. Contudo, ela é a porta de entrada para drogas mais pesadas como as dinâmicas relacionais verdadeiramente coletivas, a descentralização do sexo, a convivência com sentimentos múltiplos, diversos, frequências afetivas e necessidades diferentes.

Sendo assim, acredito que seja mais benéfico, ao invés da gente condenar, apoiar que as pessoas que estão nas RA, se fortaleçam e dêem um passo a frente, embora o passo a frente também traz outras questões. Porque já existe quem condene o poliamor ao reduto fake da NM. Supostamente porque ele sempre vai hierarquizar, é mais ou menos comum existir polifidelidade, porque as dinâmicas monogâmicas de casal só vão ser estendidas à mais pessoas.

Na minha concepção, polifidelidade realmente não faz sentido e a gente precisa sim lutar contra as nossas tendências hierarquizantes. Porém, o que algumas pessoas chamam de hierarquia, por vezes, na prática a gente vai ver que só são questões da vida material que se desenrolam como podem naquele momento.

Pessoas que tem filhes, por exemplo, as vezes vão ter que recorrer a arranjos que podem parecer hierarquizantes, mas que também podem mudar com o tempo, de acordo com as necessidades de todas as pessoas envolvidas, sobretudo as crianças. Não dá pra estender a lista de requisitos para construir uma “rede de relações livres e totalmente desconstruídas do amor romântico e da família tradicional" às mães, sem considerar as especificidades dessa condição.

Já falei em outros textos que a gente infelizmente não vive nas aldeias que precisamos para criar filhes, ou ainda, que as pessoas que dispomos para compartilhar os cuidados não são as que desejamos, as que nos identificamos e que essas relações carregam todos os problemas possíveis. Portanto é muito necessário criar nossas aldeias conforme nossas vontades, mas a gente sabe que isso não é fácil, nem rápido e que dependendo da situação de cada uma, ter ali 1 ou 2 companheires que segurem a onda junto com a gente já vai ser bastante coisa!

Nesse sentido a busca pela Anarquia Relacional Eticamente Perfeita pode ser mais exaustiva do que libertadora.

Porque vejo que tem gente que parece que colocou só essa possibilidade para a não monogamia. Se você ainda está falando de algum tipo de amor, de algum tipo de família, de algum tipo de acordo, você não está sendo não monogâmique direito.

Para onde foi a experimentação? Para onde foi o tempo e o ritmo que nos damos para testar, arriscar, errar, recuar, ensaiar adaptar, criar nossas próprias formas de viver?

Em prescrição, delimitação, proibição não existe anarquia. E mesmo que você não seja anarquista, em qualquer contracultura, contranorma, contrahegemonia o caráter exploratório, analítico, investigativo e propositivo está presente.

As pessoas têm que ter o direito de caminhar conforme podem dentro da NM e não sofrer constrangimentos ou julgamentos pelas escolhas que fizeram. Exceto quando essas escolhas vão reproduzir e aprofundar opressões.

Então eu acredito que ninguém pode definir a Não Monogamia que a gente vive, a não ser a gente mesma! E mesmo nós, a cada vez que definimos, colocamos um fim e na verdade não existe um fim.

A não monogamia é sempre um começo e sempre estaremos na condição de desbravadores das nossas próprias vidas.

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