O que estamos fazendo

quando estamos vivendo a não monogamia?

Gabrielle Dal Molin
Casa Não Mono
3 min readJan 25, 2023

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https://www.hypeness.com.br/2020/07/artista-faz-pinturas-de-si-mesmo-pintando-a-si-mesmo-enquanto-pinta-a-si-mesmo/

Tem como algo que é um “não-algo” ser, de fato, algo?

Parece uma pergunta muito filosófica e brisa (talvez seja), mas eu realmente me pergunto se existe esse contorno tão certo pra algo que é uma negação.

Afinal, o que estamos fazendo quando estamos vivendo a não monogamia? Estamos propondo uma política revolucionária dentro do capitalismo? É possível fazer isso? Considerando a dimensão sexual da não monogamia, existe liberação sexual efetiva sem a liberação revolucionária das classes oprimidas (alô Marcuse)? “Não Monogamia Política”, “Não Monogamia Ética”, “Não Monogamia de mercado”, essas coisas existem mesmo ou é a urgência da tipificação?

O que estamos fazendo quando estamos vivendo a não monogamia? Legalizando o chifre, oficializando o menage como a melhor forma de transar (sim), encontrando mais pessoas pra dividir os boletos e as agruras da vida, apenas rejeitando as breguices da monogamia? Dando importância pras redes de amigos, nas quais não necessariamente nosso afeto envolva sexo? Podendo exercer nossos desejos sexuais livres de culpa? Transando com várias pessoas, mas sentindo ciúmes?

Criticando os valores da família nuclear tradicional, mas tendo filhos e tentando criá-los de forma coletiva, junto às pessoas que não nomeamos dentro do vocabulário do parentesco da sociedade industrial ocidental do século XX, na qual nascemos? Enfrentando e destruindo dentro de nós a sensação de poder que nos leva a controlar o corpo e as emoções de alguém pelo qual sentimos muitas coisas intensas? Deixando de considerar corpos e relações como propriedades privadas?

O que estamos fazendo quando estamos vivendo a não monogamia? Seguindo a moda para nos sentirmos dignos de frequentar o círculo moderninho dos nossos amigos? Provando pra gente que somos muito especiais e conseguimos manter várias pessoas apaixonadas ao mesmo tempo? Assumindo essa pauta em nossas vidas, porque já somos LGBTQIAP, antirracistas, antifascistas, meio intelectual meio de esquerda (alô Antonio Prata) e ser monogâmico não vai combinar? Honrando nossa ancestralidade não branca, não ocidental, não judaico-cristã e construindo relações fora do que o colonialismo impôs e ensinou?

A gente pode estar fazendo tudo isso ou nada disso, ou um pouco disso, ao viver a não monogamia, mas as nuances dos nossos próprios processos pessoais só a gente sabe e pode se responsabilizar. Não há revolução dentro do capitalismo, mas a gente pode sempre tentar ser mais feliz, mais livre, mais ético, ampliar nossas experiências, ser mais honesto. Mas a gente vai fazer merda, mesmo tendo consciência, mesmo fazendo terapia, a gente não vai dar conta de muitas coisas e a gente precisa manter nossa dúvida sobre quem a gente lê e parece estar dando conta de tudo e ainda posando pra foto.

Acredito que quando estamos vivendo a não monogamia estamos dizendo não pra um conjunto de coisas e sim pra outros conjuntos, mas essa combinação é livre e se não é infinita, tem um vasto número de possibilidades, de acordo com quem está experimentando. Por isso é mais importante a vida real, do que o debate no twitter, encontrar-se com outras pessoas não mono da sua cidade, ver que pra cada um ela significa uma coisa! Ou ainda, que cada um consegue viver o que acredita de um jeito, num ritmo, com limitações e demandas diferentes.

Eu já me questionei de um monte de coisas muitas vezes nesses 10 anos, já me senti mais próxima e mais afastada de uma ética da não monogamia, já quis e vivi fases diferentes, mas algo que nunca se perdeu em mim, foi justamente o espaço aberto para tentar e para questionar. Esses dias li a frase, “se você é pai e você está de boa na paternidade, você está fazendo alguma coisa errada”. Da mesma forma, se você chegou num lugar de puro conforto dentro da sua não monogamia, talvez você tenha parado de se questionar, de trabalhar internamente. Isso não significa que não dá pra ser feliz, sem noias, ser tranquilo sendo não mono, significa que algo que é uma negação, deve estar em constante elaboração para que não se torne inerte. O processo de elaboração pode ser divertido, alegre, desafiador, mas prazeroso também.

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