O que podemos ensinar às crianças com a não-monogamia

Camila Medeiros
Casa Não Mono
Published in
3 min readMay 12, 2021
Imagem retirada de reportagem do G1

Já perdi a conta de quantas vezes ouvi a pergunta de como lido com a não-monogamia e as crianças, como explico isso para elas, como elas lidam. As pessoas sempre imaginam que se relacionar com mais de uma pessoa é algo confuso para os pequenos. O que elas parecem incapazes de imaginar é que as crianças ainda estão absorvendo a nossa cultura e o mundo que nos cerca e, por isso, para elas, tudo é novo. A não-monogamia é tão nova quanto a monogamia: elas não estranham uma muito mais que a outra.

Óbvio que também percebem que nem todas as pessoas em volta são assim, mas quando as principais referências são não-monogâmicas a chance de se tornar muito mais normalizado é enorme.

Mas por que normalizar isso para as crianças? Os mais conservadores talvez perguntem. E por que não? — eu pergunto. Não consigo enxergar prejuízo em ensinar que podemos amar igualmente mais de uma pessoa. Não consigo enxergar prejuízo em naturalizar que desejar sexualmente diversas pessoas não é um pecado, errado, ruim.

Se hoje nós enxergamos as pessoas como propriedades nossas, se temos ciúmes, é porque crescemos acreditando em almas gêmeas e que apenas uma pessoa pode fazer a outra feliz. E se perdermos aquela pessoa? E se perdermos a nossa única outra metade? Essa cultura do
amor romântico gera relações inseguras
, controladoras em que as pessoas algumas vezes estão muito mais preocupadas em manter o outro preso do que em viver o próprio relacionamento.

E mais: se só temos uma alma gêmea significa dizer que terminar com aquela é não encontrar nenhuma outra — porque supostamente não existe. Que relacionamento deveria carregar esse peso de ser “eterno”? De fazer o outro sempre feliz? Parte da razão de que devemos naturalizar a não-monogamia é também naturalizar que relacionamentos começam e terminam e que isso não faz deles menos verdadeiros. Podemos amar diversas pessoas e todos esses amores serem verdadeiros. Não há só uma chance de amar verdadeiramente — e que bom!

Em vez de ensinarmos que após o início de um relacionamento o caminho natural é chegarmos ao “felizes pra sempre”, que tal ensinarmos que a meta nem mesmo é um relacionamento? E que o “feliz pra sempre” não existe, mas que pode se construir uma vida satisfatória sozinhe ou rodeade de amores? Crianças que crescem vendo as pessoas em volta tratando o amor e o desejo com mais naturalidade, menos tabu e menos culpa tendem a repetir isso em suas vidas.

Eu não tenho manual de como criar filhes felizes e bem-resolvides — longe disso! Mas sigo pistas do que me parece fazer mais sentido e, nos últimos 8 anos, o que tem me parecido mais eficiente é não repetir a lógica de que só podemos ser felizes com uma pessoa. O que me parece mais alinhado com o mundo que eu quero construir é pensar em tornar o amor o mais livre possível. Porque se por um lado acredito que não se faz revolução só através do amor, tampouco acho que se pode fazer uma sem reconsiderar a forma como tratamos ele.

Deixe seus aplausos e se quiser se comunicar com a autora do texto, mande mensagem para Camila, @aquelaquesabe, no instagram!

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