Onde queremos chegar?

e porque isso não importa

Gabrielle Dal Molin
Casa Não Mono
4 min readFeb 20, 2022

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“Relativity” (Escher)

No meu último texto, falei sobre os desafios que pessoas não monogâmicas enfrentam nas relações cotidianas com pessoas que não são, ou seja, quase todo mundo (sobretudo pessoas da família).

Ontem, estava tendo uma DR com os meus afetos e fomos percebendo o quanto as influências externas muitas vezes são decisivas no nosso comportamento, bem como as dificuldades de se colocar em certos espaços as vezes nos desanima, nos machuca.

Quando a gente tem filhos e continua querendo viver dessa forma, não cede aos apelos da família tradicional brasileira way of life, a gente vai acumular desafios.

Não estaremos mais lidando apenas com as nossas questões de posse, de exclusividade, com os paradigmas da escassez que pauta o amor romântico. Teremos que olhar para as relações dos nossos afetos com nossos filhos, as representações que estes fazem daqueles, de que forma nossos filhos levarão a realidade da casa para fora dela. Muitas pessoas acham que o problema inicia e termina em “como você vai explicar pra criança?”, mas na real as melhores perguntas são, “como ela vai explicar pros outros?”, “como os outros vão entender o que ela vai explicar?”, “por que ela terá que explicar?”.

E aí a gente pode pensar a não monogamia como uma nova educação, não só nossa, mas dos outros, dos nossos amigos, da nossa família, e também dos nossos filhos.

Além do valor político inerente a isso, eu acredito que essa seja uma forma da gente se desobrigar de estar com tudo pronto pra entregar pro mundo e pra nós mesmas. Porque quando a gente se torna mãe a gente absolutamente não está pronta (rindo de nervoso). Quando a gente se torna professora também não. Então por que tantas vezes nós queremos do outro e de nós uma existência tão bem acabada? O processo educativo leva tempo e a cada passo que a gente dá, novas etapas vão demandar novas habilidades.

Então me pergunto, onde queremos chegar com a não monogamia?

A monogamia enquanto estrutura social, econômica e de gênero, define como objetivos um casamento heterossexual que gere filhos. É certo que a não monogamia não precisa necessariamente ser sobre relações entre pessoas LGBTQIAP e não inclua crianças, mas também é nítido que esta não é a meta, ou seja, não há premiação social por seguir a heteronormatividade. Nós até podemos casar e ter filhos, mas serão apenas coisas que aconteceram e não sonhos realizados nem definidores das nossas vidas.

Penso então que nós não temos um destino a ser alcançado com a não monogamia, que não seja o próprio viver da vida.

Manter abertura suficiente para os imponderáveis da existência, de forma que qualquer encontro em qualquer momento possa nos guiar para sentimentos desconhecidos, da mesma maneira que a maternidade faz por exemplo. A cada pouco que um filho cresce, a gente tem que aprender a ser mãe de novo, em cada fase de uma relação, a gente também tem que aprender a ser a gente mesma de novo. E quando a gente junta as duas coisas se a gente não estiver adaptada ao constante movimento vai sofrer muito!

Ontem nessa mesma conversa com os afetos, eu apresentei o dado de que nos cinco anos em que uma das relações existe, faz quase três que também existe a criança (fora o tempo de gestação). E que a existência dela transformou tanto a mim como indivíduo, mas as duas relações, criando uma terceira entre nós três, mexendo nas nossas capacidades de relações com outras pessoas, e impactando nas nossas relações com a criança. São muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo! E penso a não monogamia atuando ao mesmo tempo como causadora, mas também como facilitadora dos processos de lidar com isso tudo.

Porque não podemos ser ingênuos de acreditar que na monogamia os apaixonamentos e os atravessamentos de um sentimento pelo outro não acontecem, eles só não são ditos ou melhor, são ditos em forma de música de corno, barraco, choro e ranger de dentes.

Punição, culpa, feminicídio e crianças sendo usadas pelos pais em guerras psíquicas. Então se a gente está se propondo a não compactuar com isso, a gente está facilitando nossa vida, não complicando.

Expurgar o medo da escassez, seja de amor, afeto, atenção, companheirismo, amizade, apoio, é ter coragem de dizer que não vamos chegar a lugar nenhum, mas vamos aproveitar o caminho!

Deixe seus aplausos e se quiser falar sobre, manda DM pro insta da @casanaomono

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