Um caminho sem fim
Como acúmulo de experiências e inícios podem conviver na NM
Muita gente, quando entra em contato com os debates da não monogamia e se identifica com a ideia, acha que colocar essa política em prática vai ser algo rápido e definitivo. Como se a partir daquele momento em que tomamos consciência dos problemas da monogamia, fosse um percurso direto até chegarmos ao ponto ideal da ética e da satisfação das nossas necessidades afetivas. E esse entendimento acaba causando, muitas vezes, cobrança de si e dos outros, julgamentos e discursos que criam parâmetros não monogâmicos que gente que está começando começa a se achar uma farsa por não alcançar.
Vocês que já me lêem aqui há três anos sabem que eu sempre falo sobre a diversidade dos processos que cada pessoa passa, e que eu sempre vi a não monogamia como uma grande experimentação, nada pronto, dado, com receita. Por isso já critiquei aqui discursos prescritivos e que parecem muito contundentes ao afirmar o que é e o que não é não monogamia. Recentemente eu até vi uma dessas pessoas que eu revirava os olhos quando lia as condenações de qualquer demonstração de amor como mera hierarquização, admitir que estava errada e que tinha entendido que eram coisas diferentes. Fiquei feliz pelo novo entendimento, pois acho que nada agrega à quem está buscando informações sobre o tema, esses posicionamentos tão rígidos.
Se eu já pensava assim, recentemente aconteceram duas coisas que me motivaram a escrever esse texto, para reafirmar a condição da não monogamia como uma construção eternamente inacabada.
A primeira situação foi comigo mesma, depois de cinco anos de uma relação, eu me vi quase começando ela de novo, negociando questões essenciais que eu sentia falta e podendo reconstruir práticas afetivas de formas que me deixam mais feliz. Era estranho pensar que essa relação poderia ser ainda modificada e ela quase chegou ao fim, justamente porque eu me apegava ao tempo, que pra mim já era muito pra que qualquer tipo de mudança acontecesse. Talvez porque eu estivesse trabalhando dentro de um paradigma monogâmico, que espera que determinadas quantidades de tempo signifiquem progressões definitivas e que caso isso não aconteça, é porque a relação está fadada a acabar, eu cheguei a não ver mesmo saída. Mas ela aconteceu, mediante bons diálogos e grandes afetos.
A outra situação, foi com uma colega, que veio comentar que depois de dois anos numa relação em que ela via alguns problemas de diálogo e acordos que pareciam a ela, incontornáveis, finalmente a outra pessoa decidiu compreender o que ela estava pautando como necessário para uma relação NM e se abriu para vivê-la de outra forma. A sensação dela foi a mesma que a minha, com certo estranhamento, estar começando novamente a relação, mesmo depois de anos.
O que une as duas experiências, além desses fatores, é que tanto eu quanto ela, somos pessoas consideradas “experientes” dentro da NM, pois já a vivenciamos há muitos anos. A maior parte das questões pra quem está começando não é mais questão pra nós. Por outro lado, sentíamos que estávamos com pessoas que, a revelia do tempo, permaneciam na condição de “iniciantes”, ou seja, que não avançavam tanto na construção e, principalmente, na destruição de certos paradigmas monogâmicos que acabam por influenciar em comportamentos que não condiziam com relações NM.
Isso mostra que o tempo não necessariamente tem a ver com o ritmo de reflexão e transformação de quem somos, sobretudo quando se tratam de coisas tão arraigadas em nosso ser como as noções de amor, sexo, relacionamentos. Ainda mais se envolve cuidado de criança, coabitação, grandes projetos conjuntos.
Mostra que existem barreiras, traumas, dificuldades que fazem com que algumas pessoas consigam se abrir e mais rapidamente chegar a um lugar mais bem trabalhado em relação a múltiplos afetos, e outras não. Vai ter gente que vai demorar anos mesmo e que só vai ter coragem de mudar quando estiver em situações limite. A diversidade das emoções dos seres humanos é infinita e a não monogamia não pode servir pra soterrá-la e sim pra dar condições pra que ela se expresse.
Então, não importa se você vive NM há seis meses ou há 10 anos, você ainda vai se deparar com situações novas, desafios que não conhece, novas roupagens para experiências que já viveu, demandas de reconstrução, ressignificação, mudanças práticas e teóricas. É um caminho sem volta, mas também é um caminho sem fim.
É importante deixar de lado essas ideias muito fixas sobre o tempo, porque ele é relativo, o que importa mais é a vontade genuína das pessoas de construírem relações que façam sentido. Sendo assim, tenha paciência com quem enfrenta dificuldades e que ainda não está no mesmo passo que você, desde que haja busca da parte dela também, vocês vão conseguir se encontrar na dança.
Não monogamia pode ser muita coisa, mas ela só é pra cada um o que cada um consegue viver no presente.
A gente sempre pode caminhar mais em direção a horizontalidade dos afetos, a lidar melhor com a individualidade do outro, a criação compartilhada de filhos (URGENTEMENTE), a superação dos comportamentos atrelados ao amor romântico. Contudo, não vamos nos pautar no que ainda não fizemos e sim no que já conseguimos, pois é isso que nos dará a condição de fazer mais.
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