A Qualquer Custo — Crítica

Catacrese
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4 min readJan 31, 2017

Por Lucas Kalikowski

De todos os filmes que são candidatos ao Oscar 2017, A Qualquer Custo talvez seja o mais sorrateiro. Em silêncio, chega prometendo menos do que os demais concorrentes, mas traz consigo um enredo fabuloso, costurando em si críticas sutis e modernas, perfeitamente alinhadas com um roteiro coeso.

Logo no início do filme, uma pichação em uma parede, no lado externo de um banco, revela qual será o alvo-mor da produção: a crise neoliberalista. Com os dizeres “três idas ao Iraque, mas não há dinheiro para pessoas como nós”, a pichação em vermelho ao centro vai dando espaço para uma típica cidade texana de interior. As paisagens pobres e poeirentas contrastam com um banco austero e limpo, embora pequeno.

O filme narra a história dos irmãos Toby (Chris Pine) e Tanner (Ben Foster), que perderam a mãe recentemente. Enquanto o primeiro pena para adimplir a pensão alimentícia, o último fez carreira criminosa, inclusive, sendo recém saído do cárcere. A situação deles fica dramática quando o banco responsável pela hipoteca ameaça retomar o sítio por ausência de pagamento, entretanto, Toby descobre petróleo no sítio em que vive, e corre para pagar a dívida antes que o banco pegue o imóvel, garantindo, assim, sua aposentadoria e o futuro de seus filhos. Para isso, Toby pede para Tanner ajudá-lo a assaltar as próprias agências do banco. Em meio aos assaltos, o xerife Marcus Hamilton (Jeff Bridges) e seu parceiro Alberto Parker (Gil Birmingham) investigam a maré delitiva.

Dirigido por David Mackenzie e roteirizado por Taylor Sheridan (mesmo roteirista de Sicario), o filme é perfeito em costurar suas críticas em meio à trama. Há várias sequências com outdoors prometendo empréstimos fáceis, refinanciamentos, etc. Além disso, em suas cenas, os policiais travam diálogos que tocam em pontos nevrálgicos como racismo, etnocentrismo e superioridade branca. Ambos são parceiros de longa data, o que passa a falsa impressão ao xerife Hamilton que pode fazer piadas quanto à origem ou à raça de Parker. Em certo momento, Parker, numa das melhores falas do filme, diz que “há 150 anos, tudo era terra de meus ancestrais até que seus ancestrais as tomaram. Mas agora elas estão sendo tomadas de vocês, e é por aqueles desgraçados ali [apontando para um banco]”. Muito incisivo, nesse momento, a ideia de que a crise imobiliária foi criada por um próprio devaneio do homem capitalista.

As atuações da obra são muito coerentes com o contexto criado, com grande química entre o elenco e ótimos diálogos. Chris Pine, com a barba por fazer e o semblante sisudo, vai contra suas demais produções, mostrando a grande gama que o ator pode alcançar, quando exigido; Jeff Bridges, indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante, lembra muito seu papel em Bravura Indômita; Ben Foster e Alberto Parker são excelentes atores de apoio, mas perdem o brilho quando atuam com os dois primeiros. A tensão do último diálogo tramado por Pine e Bridges é excruciante.

Com a fotografia em meio ao deserto, construções antigas e tuas parcamente asfaltadas, o tom de desolamento é sufocante. As cenas poeirentas retomam o antigo tom dos westerns de outrora, mas com camadas infinitamente mais profundas que um bangue-bangue antigo, com direito, inclusive, a um diálogo emocional dos irmãos encarando um pôr do sol de tirar o fôlego.

A grande questão é que todos os personagens são tragados ao olho do furacão devido a problemas econômicos e contratos abusivos com financeiras. O neoliberalismo, criado pelo próprio homem do american way of life, castra e mingua seu criador.

Com uma leitura ambientada em clima texano, A Qualquer Custo é a melhor releitura de Hobbes que temos nos últimos anos. A metáfora utilizada pelo pensador em Leviatã não podia ser mais certeira. De fato, o homem é o lobo do homem.

Nota: 6/6 (Ótimo)

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