Por Lucas Kalikowski
Mel Gibson sempre foi um diretor de filmes baseados em fatos reais, ou, pelo menos, reais no imaginário social. Sempre capitaneou produções gigantes e polêmicas, mas simplistas. À exceção de Coração Valente, o diretor trabalha em filmes rasos que nos chocam por sua brutalidade visual. Até O Último Homem não foge muito ao estilo do diretor, mas vai muito além do que uma simples história a ser contada.
O filme conta a história de Desmond Doss (Andrew Garfield), um caipira sulista com traumas de infância e problemas com seu pai alcoólatra (Hugo Weaving). Após os ataques a Pearl Harbor, Doss sentiu o dever patriótico de servir às forças armadas norte-americanas, entretanto, esbarrou em um problema inerente a si: suas convicções de vida não o permitem tocar em armas.
A obra começa explicando a origem de seu problema e perpassa pelos perrengues armados pelo próprio exército, que não admitia ter um soldado desarmado em meio às trincheiras. Finaliza, obviamente, no campo de batalha, quando demonstrou todo seu valor de soldado, sem abdicar de sua posição política.
Andrew Garfield tem uma performance sensacional. Talentoso e carismático, o ator visivelmente se espelhou nos trejeitos de Forrest Gump (sem a comicidade), quando serviu ao exército. Hugo Weaving, nos poucos trechos que aparece, rouba a cena. Realmente, um ator de ponta negligenciado pela Academia. Teresa Palmer, Vince Vaughn (completamente destoante da proposta do filme), Luke Bracy e Sam Worthington fecham o elenco de apoio.
Mel Gibson mantém suas limitações como diretor de filmes. Seus filmes impactam muito graficamente (inúmeras cenas de ferimentos, desmembramentos, explosões e tiros), mas pecam no excesso, no clichê e na dramaticidade. A quantidade de takes em câmera lenta, com flashes de bomba e explosões abruptas incomoda pelo exagero. Polêmico por suas declarações antissemitas, o diretor/ator realiza um trabalho competente, mas, mesmo assim, precisa ser desconsiderado pela Academia por sua incapacidade de se retratar. Além do mais, o roteiro repete as entrelinhas religiosas, afirmando os valores cristãos do protagonista, endeusando suas atitudes.
Entretanto (e isso não é nenhuma novidade), o filme peca na demonização do inimigo — de repente, retratando a própria visão conservadora de Gibson. Para contrastar o pacifismo do protagonista com a paixão bélica dos demais militares, o filme deliberadamente equipara os japoneses a demônios, dando mais pureza às ações de Doss e justificando as ações dos soldados. Um erro básico em produções de guerra menos aprofundadas (da mesma forma pecou, por exemplo, Sniper Americano). A fotografia do filme é mais patriótica que as próprias personagens. Abusando do céu azul e dos dias ensolarados quando nos Estados Unidos e esmaecendo no campo de batalha, reforçando o cinza e o escuro.
Inteligentemente, a produção acerta em não focar somente no protagonista. Claro, ele teve uma sequência enorme de destaque, mas, durante a batalha, as cenas passeiam por vários soldados do batalhão, anônimos ou não. Portanto, para valorizar a posição de Doss, não houve necessariamente uma minguação da crença dos demais soldados.
Ao fim do filme, há as típicas cenas reais e os textos de desfecho. Tentando justificar as partes mais clichês, foram selecionados trechos que confirmam a veracidade das cenas que a audiência fica incrédula.
Até O Último Homem é um bom filme de guerra, dirigido por um profissional eficiente em sua proposta, mas limitado em inovar. Coletivamente inferior a O Resgate do Soldado Ryan, há performances individuais espantosas.
Apesar da má índole de Gibson, é inegável que ele soube retornar aos holofotes. O filme é indicado ao Oscar por várias categorias, tendo chances reais por sua sonoplastia ou a atuação de Andrew Garfield. Menos para melhor diretor. Isso não pode.
Nota: 5/6 (Muito Bom)