Cinquenta Tons Mais Escuros — Crítica

Escuros não, patéticos

Lucas Kalikowski
Catacrese
4 min readMar 8, 2017

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Uma das piores coisas ao analisar um filme, uma música, a arte em geral, não é não entender. Na verdade, o não entender resguarda uma certa beleza: uma ingenuidade aberta ao aprendizado, por assim dizer. A pior coisa, realmente, é não saber muito bem o que compreender. Cinquenta Tons Mais Escuros é um filme que nos provoca até não saber as reais intenções de quem o concebeu; seria um softporn de péssima qualidade ou uma comédia que encontra força em seu autodeboche? De qualquer forma, nenhuma análise deve encontrar respaldo para qualificá-la em virtude ao seu elemento mais horrendo, a romantização de um relacionamento abusivo.

Na trama, alguns meses após o fim do primeiro longa, em que Anastasia (Dakota Johnson) rompe o “relacionamento” com o perturbado Christian Grey (Jamie Dornan), o milionário a procura para reatar o relacionamento, alegando que mudaria sua forma de conduzir o namoro. Voltando ao envolvimento de outrora, Anastasia descobre um pouco mais sobre os traumas de infância de Grey e conhece Leila (Bella Heathcote), uma ex-submissa de seu namorado, e Elena (Kim Basinger), mulher que iniciou Christian ao BDSM. No meio de tudo isso, há o chefe de Anastasia (Eric Johnson) que disputa sua propriedade com o namorado.

Se no primeiro filme, a trama se baseou tão somente no choque de Anastasia ao conhecer as taras e os fetiches do magnata, nesse (instantaneamente) a moça compreende, pede e, inclusive, sente prazer nos métodos do Sr. Grey. Portanto, nesse passe de mágica, o passado de Christian se torna o próximo obstáculo. É verdade, o filme possui elementos que poderiam conduzir a um bom thriller. A ex-namorada com ciúmes, a submissa psicótica e o chefe assediador poderiam agregar elementos de valor ao argumento da película. Mas não, não acontece.

Dakota Johnson, que no primeiro filme parecia ser a mais dedicada, nesse parece estar suspensa em um transe constante. Sonsa e insossa. Jamie Dornan esquece o papel de dominador e age mais como o cão arrependido de olhar perdido. Ainda controlador, claro, mas carente e pudico. Não há como opinar das atuações de Kim Basinger, Bella Heathcote e Eric Johnson (Glória Pires feelings) já que suas aparições em tela não duram dez minutos.

Lamentavelmente, o filme opta por cenas escandalosas. Existem discussões estapafúrdias protagonizadas por Anastasia e Elena que, sem sucesso, tenta se aproximar das dramatizações em novelas mexicanas — o que fica ridículo, já que nessas novelas, pelo menos, a cena não é pífia. Alguém lembra das cenas clássicas em que um personagem joga o líquido do copo na cara de outro? Pois é. Temos.

Voltando ao chefe abusivo, é impossível não ter aversão à disputa do título de macho-alfa que ele disputa com Grey. Melhor que isso é que no take Anastacia está em meio a ambos (mais baixa, claro) com a mão no tórax do namorado (calma, meninos, não briguem por mim). Aliás, nada melhor justificar o controle de Christian após uma tentativa de estupro do chefe (perdão, O Chefe).

Com pequenos relances de independência, Anastasia nos afoga em agonia com suas trocas de mensagem com o milionário — vou para Nova York nessa semana / não, eu proíbo / não pedi autorização –, para logo depois se render ao charme — tem razão, prefiro ir com você. Afinal, nada melhor que um senhor no comando.

Saindo do âmbito analítico, adentrando na esfera social, Cinquenta Tons Mais Escuros é um verdadeiro desserviço às atuais gerações induzidas a admirar um relacionamento machista. Você ainda acha que o grande público consegue separar o afeto do abuso? Basta ver quantos memes romantizam o envolvimento entre Coringa e Arlequina. Aí está a resposta.

Nota: 1/6 (Muito Ruim)

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