Por Lucas Kalikowski
Doutor Estranho veio com a pompa de quem será um grande Vingador. Com uma origem clássica, bem detalhada e com uma grande batalha ao final, o super-herói introduz um lado completamente diferente do que o público estava acostumado.
Desde que foi anunciada a compra da Marvel pela Walt Disney, alguns fatores desta indubitavelmente influenciaram as produções daquela. O orçamento aumentou; isso foi ótimo para os filmes altamente dependentes de efeitos especiais e clímax apocalípticos; entretanto, começa a existir uma repetição que pode incomodar vozes mais inquietas.
Quando Star Wars: O Despertar da Força estreou, sua maior crítica foi que se tratava de uma cópia escarrada de Uma Nova Esperança. Essa informação, inteligentemente, foi desmentida pela produção, que definiu o filme como uma homenagem. Esse argumento maquilado que foi comprado pelos fãs e é defendido com unhas e dentes. Doutor Estranho, oriundo do mesmo estúdio, é muito óbvio em estabelecer seu papel, de forma que é fácil o paralelo a ser traçado com o primeiro filme do Homem de Ferro. A mensagem é muito clara: é escancarada a virada de página. Novos ventos para o mundo dos Vingadores.
O filme tem um enredo fidedigno ao cânone. Um cirurgião renomado, arrogante e prepotente, sofre um acidente de carro em que lesa o movimento de suas mãos. Frustrado com a medicina ocidental, que não lhe presta auxílio algum, busca no mundo místico a cura para o mal que lhe aflige. Ao ampliar seus horizontes, descobre seu eu heroico e assume o manto de mago protetor da Terra das ameaças místicas.
Benedict Cumberbatch (Sherlock) é um ator primoroso; peca muito em seu timing cômico, pois a Marvel explora pouco seu forte, a ironia — reservando-a para Robert Downey Jr., a menina dos olhos do estúdio. Rachel McAdams (Spotlight), a médica Christine, completamente subutilizada na trama, resume-se aos bastidores. Trata o herói ferido, não se negando aos gritinhos e às feições assustadas e desprotegidas. Tilda Swinton (Precisamos Falara sobre Kevin), a Anciã, é sempre um deleite para o espectador; acertadamente, ela abusa de sua androginia para destacar o surrealismo de forma natural. Mads Mikkelsen (Hannibal), como Kaecilius, é o clássico vilão da Marvel cinematográfica, isto é, possui apenas o argumento mínimo para justificar sua vilania.
Sem dúvida alguma, Chiwetel Ejiofor (12 Anos de Escravidão) merece um parágrafo para si. Agindo como mentor, no primeiro ato, e depois como braço direito, o ator constrói um personagem absolutamente complexo. Eivado de pensamentos virtuosos, sem dúvida, o roteiro é muito exitoso em construir Mordo, que pode ser um dos poucos vilões satisfatórios (pelo menos o mais maquiavélico) deste universo nos cinemas.
Infelizmente o diretor Scott Derrickson (O Exorcismo de Emily Rose) não soube montar um filme digno de seu elenco. Baseando-se em fatores já consagrados nos demais filmes de heróis, o diretor/roteirista construiu um filme eficiente (graças ao elenco) e visualmente majestoso (graças ao orçamento). Há a mulher competente que serve apenas para fazer o homem se tornar o herói idealizado (Christine x Pepper Potts, embora essa não seja tão objetificada), o herói que entende do autossacrifício e de seu dever para com o mundo (Doutor Estranho x Capitão América), o colega preterido que anseia por reconhecimento (Mordo x Loki), e, até mesmo, o personagem cômico que não se expressa (Capa de Levitação x Groot).
Enquanto Guardiões da Galáxia e Homem-Formiga foram agradabilíssimas surpresas, as quais adicionaram elementos inerentes a outros roteiros a uma mera história de origem, Derrickson preferiu não inovar. Ao manter-se no básico, o diretor mostrou-se incompetente para carregar tal fardo. Não serve para um público exigente depois de dez anos vendo filmes super-heroicos.
Doutor Estranho terá um papel importantíssimo no futuro do MCU, isso é óbvio. Exala nas entrelinhas que as ameaças místicas poderão ser a ameaça maior após o Thanos, em Guerra Infinita. A única questão é como o personagem continuará sendo explorado. Stephen Strange tem total capacidade para trazer seus próprios elementos de destaque, a não ser, é claro, que prefiram continuar fazendo homenagens.
Nota: 4/6 (Bom)