por Lucas Kalikowski
Apresentado na série de Jessica Jones, Luke Cage ganhou sua série solo na Netflix. Com um pé na década de 70 e outro no mundo atual, a corajosa série ressalta pontos até então não explorados por outros personagens.
Um dos maiores acertos da parceria Marvel/Netflix foi, sem dúvida alguma, explorar seus heróis de forma mais crítica do que a que ocorre no cinema. Para isso, baseia-se até então em minorias para aumentar o impacto em nosso senso crítico. Assim, nasceu o Demolidor, o deficiente visual que enfrenta a brutalidade do mundo corporativo nos becos escuros; Jessica Jones, a mulher que surgiu embrenhada em um tom noir a fim de dar estofo para os abusos sofridos e seus traumas psicológicos; Luke Cage, o negro que aparece, agora, para denunciar a corrupção da seara política e o abismo social existente nas ruas. Temas altamente densos e complexos que merecem nossa atenção.
À exceção de algumas novelescas coincidências, a trama é muito fluida e se desenvolve de forma natural, embora morosa e singela. Cansado de ver o bairro em que nasceu (Harlem) perecer nas mãos da máfia e da política corrupta, Luke Cage (Mike Colter) resolve agir por conta própria para reestruturar o bairro e que as ruas possam evidenciar tudo em que ele acredita. O enredo que se cria de forma simplória, vai adquirindo corpo. Quando o expectador acha que adivinhou o desenlace, surge um plot-twist que, basicamente, muda o status quo inteiro da obra. Méritos totais do roteiro, mas, mesmo assim, peca um pouco por sua falta de sofisticação.
O elenco, como não podia deixar de ser, é composto em sua maioria por negros e latinos, grande parcela das minorias exploradas em solo norte-americano. Mike Colter começa a temporada de forma superficial, mas, ao decorrer dos episódios, adquire a confiança necessária para desempenhar seu protagonismo. Rosário Dawson, como Claire Temple, muito confortável em seu papel, aumenta seu tempo de tela, demonstrando toda a importância que terá no futuro dos heróis da Netflix. Mahershala Ali (de House of Cards) e Alfre Woodard (de 12 Anos de Escravidão) afinam ainda mais a constância dos grandes vilões da parceria, embora aquém de Kilgrave e do Rei do Crime.
Seguindo as outras séries, a continuidade do episódio não é linear, tendo episódios que se passam excessivamente em flashbacks, o que tira um pouco o expectador do compasso.
Mais irreverente e com mais referências que as séries “irmãs”, Luke Cage faz claras menções honrosas à origem do personagem nas HQs, bem como a uma cafonice intencional (há referências claras a Duro de Matar e Rocky V), o que é ressaltado sempre por Claire Temple quando se refere a Cage como “cafona” ou “brega”. Aliás, os heróis consagrados no cinema nunca foram tão mencionados como aqui, o que deixa claro a intenção de voltar a unir os mundos que antes estavam quase indo por direções opostas.
Além de todos os personagens da série, há de se mencionar que o bairro tem uma importância tremenda. Enquanto em Demolidor e Jessica Jones, Hell’s Kitchen era o palco central. Agora, o Harlem toma seu espaço e cresce na série. Ao estilo de Aluísio de Azevedo, onde o Cortiço era o personagem central do livro, o Harlem tem alma, e é respeitado por todos, independentemente do lado que estiverem. Claro, trata-se de um dos bairros mais importantes da cultura afro-americana. Obviamente, como não pode se expressar, o desejo do bairro é verbalizado através de Pop (Frankie Faison), o sábio respeitado por todos, que lê e traduz o Harlem (aqui, de novo, o cafona reivindica seu espaço).
Não se pode criticar a série por beirar o lúdico na hora de expor suas críticas. A ela foi dada a missão de trazer à vida o primeiro herói negro e, com isso, toda a circunstância social e étnica que isso representa, para um público jovem (que pode ser que nunca tenha enfrentado isso, ou estar apenas desavisado). Sua importância está em sua qualidade e relevância; seus tropeços são naturais e, até mesmo, intencionais, pois não são apenas de choques e exposições que se desconstroem silogismos baratos.
Sincero, coeso, com uma trilha sonora maravilhosa, e, principalmente, humano, Luke Cage termina com pontos em aberto, deixando-nos na vontade de ver mais. A parceria Marvel/Netflix, mais uma vez, impressiona, empolga e apaixona.
Nota: 5/6 (Muito Bom)