Mulher-Maravilha | Crítica

Muito mais que uma mera história de origem, um marco

Lucas Kalikowski
Catacrese
5 min readJun 5, 2017

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Dirigido por Patty Jenkins. Roteiro por Allan Heinberg. Com Gal Gadot, Chris Pine, Connie Nielsen, Robin Wright, Danny Huston, David Thewlis, Saïd Taghmaoui, Ewen Bremner, Eugene Brave Rock, Lucy Davis, Elena Anaya.

Além de ser o primeiro filme de super-heroína como protagonista, Mulher-Maravilha trazia consigo o complicado rótulo de difícil adaptação. Havia muito peso em cima dos profissionais que nele trabalhavam. Afinal, o filme precisava atingir toda a expectativa, não só pelo bem da parceria DC/Warner (altamente contestada), mas para contribuir com a bandeira do empoderamento feminino. Assim, quando sobem os créditos finais, o sentimento é apenas um: pura catarse.

Esteado em uma história de origem clássica, o filme dedica os primeiros minutos a nos apresentar às amazonas e a Themyscira, civilização de mulheres guerreiras criadas por Zeus e a ilha paradisíaca em que vivem sem a contaminação do homem. Nessa ilha, vemos a infância de Diana e rapidamente estamos ambientados com seus princípios e a aventura que a aguarda quando ela decide ir derrotar Ares — que controlava os bastidores da Primeira Guerra Mundial — ao lado de Steve Trevor (Pine).

Uma das maiores sacadas da diretora e do roteirista foi ambientar o filme durante a primeira grande guerra, principalmente, por dois motivos: considerando que o Capitão América se passa durante a Segunda Guerra Mundial, evita-se comparações mais nervosas; e a primeira guerra é muito mais nebulosa em termos de motivação de nações, conseguindo fugir da estrutura Aliados/Eixo. Aliás isso fica muito claro logo nas primeiras cenas de Diana em Londres, quando ela confronta um general inglês e suas decisões questionáveis.

Patty Jenkins mostra absoluto controle e competência no desenvolvimento da obra. Nada acontece sem razão; desde os primeiros diálogos entre Diana e Trevor, fica muito claro que ele vai ter um papel predominantemente de guia não só geográfico, mas consuetudinário. E isso mostra-se muito importante no amadurecimento da super-heroína, já que, intrínseca à sua nobreza e sua bondade, vem a ingenuidade de ter sido criada em uma ilha perfeitamente estruturada e despida de preconceitos (existem amazonas de todas as etnias e ocupando posições de destaque). Aliás, em nenhum momento a princesa de Themyscira é sexualizada ou objetificada; até mesmo o uso da contestada saia é justificado quando mostra a protagonista treinando movimentos de combate nas vestes misóginas da época pós-vitoriana.

O elenco atua de forma tão harmônica e sublime que cada um merece um parágrafo em particular. Diana (Gadot) é absolutamente convincente ao demonstrar seu altruísmo, seus discursos bravos e nobres, mas ao mesmo tempo inocentes, cativam e nos aproxima da super-heroína a ponto de que passamos a confiar cegamente em suas atitudes e suas palavras; Steve (Pine), no momento em que a viu a princesa, já entendeu seu papel de suporte, já que era ela quem tinha poderes para liderar, protagonizando os diálogos mais engraçados e elucidando vários costumes da civilização dos homens. A equipe dos desajustados: Sameer (Saïd), Charlie (Bremner) e Chief (Brave Rock), cada um, tem uma função essencial no amadurecimento da Mulher-Maravilha; todos servem para mostrá-la que a guerra não existe somente por causa de Ares, mas sim, durante toda a história, civilizações foram subjugadas e escravizadas, de sorte que todos carregam o peso do racismo e das escolhas da raça humana ao longo das eras.

Etta James (Davis) por muito pouco escapou do estereótipo da gordinha engraçada, contudo, sua imagem retrata muito mais a reação do público do que o alívio cômico propriamente dito. Nascida em Londres no final do século XIX, fica bestificada, assim como nós, ao ver tudo que a mulher pode ser, quando plena, fora de amarras machistas e patriarcais.

Aliás, as motivações de Ares são tão verossímeis quanto às de Zod ou Ultron, por exemplo. A purificação através da destruição é uma fórmula batida já em filmes de super-heróis, mas, no momento em que Ultron ficou muito linear, Zod e Ares conseguem verticalizar suas intenções, deixando-os mais convincentes e dando a eles mais profundidade.

O roteiro, embora com alguns plot twists previsíveis, faz muito bem seu papel ao priorizar o aprendizado de Diana. Desde o treinamento para ser guerreira com Hipólita (Nielsen, muito sábia e humana como rainha de Themyscira) e Antíope (Wright, tia e general amazona, que não esconde no olhar a admiração e o amor pela sobrinha, e deslumbrante nas cenas de ação), até o romance com Trevor (colocado de forma sincera, mostrando a forma com que a princesa via a relação entre eles), as experiências acontecem com o único intuito de transformar a amazona em uma heroína complexa e cheia de camadas.

As cenas de lutam não fogem do que já está consolidado nesse gênero. As cenas em slow-motion (clara influência de Snyder no longa) e o clímax piromaníaco servem para conectar o filme ao gênero dos super-heróis, embora suas aspirações transcendam o próprio estilo que o originou.

Agora, nos resta torcer que Liga da Justiça continue explorando a liderança e a importânica dela, diegética e factualmente. Surgindo com consciência do que representa, Mulher-Maravilha supera as expectativas sendo o melhor filme da DC, quiçá de todos os super-heróis.

Nota: 7/6 (Espetacular)

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