Stereo — David Cronenberg (1969)

Transformando o espectador em cientista

Alexandre Cardoso
Catacrese
3 min readMar 30, 2017

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Cronenberg hoje é conhecido como um dos principais diretores do cinema canadense e um dos mais versáteis realizadores da história do cinema, tendo em sua filmografia passagem por diversos gêneros cinematográficos diferentes. Seja passeando pelo Sci-fi, o terror trash ou até mesmo dramas de época, um assunto específico perpassa todos os seus filmes: a ligação entre o corpo humano, a mente e a tecnologia.

Stereo (1969), seu primeiro filme, não foge à regra. Pelo contrário, funda a discussão narrando um experimento parapsicológico. Dentro de um enorme laboratório, voluntários passam por uma operação que elimina a capacidade de fala e são sujeitos às mais diversas tentativas de chegar ao sexo por telepatia.

Diferente dos seus filmes posteriores, em Stereo não encontramos vestígios de qualquer tipo de apelação emocional, seja através de um enredo de reviravoltas ou cenas de violência escatológica, artifícios que se tornarão marcas registradas do diretor. No lugar desses elementos, Cronenberg usa de uma fotografia rigorosa, estática e em preto e branco, fazendo uso de narração em off sem a passagem de qualquer som diegético — narração essa que se limita a descrever o experimento e sua evolução, usando de uma linguagem científica que dificulta ainda mais a imersão aos acontecimentos ou a identificação com os personagens.

Nesse filme, o interesse de Cronenberg é aproximar a visão do espectador ao olhar analítico clínico de um cientista, logo o que manteria a atenção desse espectador ideal é apresentado pelo narrador da experiência: “Se não houver amor entre pesquisador e exemplar, não haverá experimento”. Essa forma de fazer cinema só foi repetida por Cronenberg em seu filme seguinte, Crimes do Futuro (1970), e em sequência desapareceria do estilo pessoal do diretor.

É um filme experimental por excelência, tanto pela sua forma única de ter sido feito quanto pela experiência que proporciona — podendo não ser agradável para a maioria dos públicos. Como ficção científica, acredito ser um dos filmes mais importantes do gênero, tanto pela sua relevância histórica quanto pela tentativa de incluir o espectador no que seria um experimento científico. Cronenberg, antes de ser Cronenberg, produziu esses dois filmes e deu origem a uma maneira única de se apresentar uma história, abandonada logicamente pelos próprios limites que esse formato possui e também pelo baixo retorno de público.

O único filme que assisti que se aproximaria de uma abordagem parecida a de Stereo, além de Crimes do Futuro, é o filme Primer (2004), do diretor Shane Carruth. Neste, encontramos a aproximação do público ao experimento e à linguagem científica antes mencionada, porém existe a constante tentativa de se manter a tensão através de diversos recursos do cinema de gênero. Deste modo, acompanhamos além do experimento o drama dos personagens assim como suas características pessoais, sendo um filme um pouco mais palatável, mas não menos difícil.

Stereo é um filme que indico para os fãs de Cronenberg e Sci-fi, além daqueles cinéfilos sedentos por novas experiências cinematográficas. Mas, se você preza por uma história envolvente passe longe, os minutos iniciais te farão dormir com a mesma precisão dos mais fortes soníferos.

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