NASA Space Apps Challenge: como criar um processo de design para chegar a uma ideia de solução em pouco tempo?

Natalia Pauletto Fragalle
catalystwkp
Published in
10 min readOct 1, 2020

Este artigo foi escrito a partir da apresentação realizada por Natália Fragalle e Paulo Ricardo durante o evento NASA Space Apps Challenge, que ocorreu em 3 de outubro de 2020.

Processo de design criado para o NASA Space Apps COVID-19 Challenge

Se você já participou de um hackathon — uma maratona de desenvolvimento de ideias de solução para um determinado problema — certamente você sabe que um dos maiores desafios está na etapa de ideação.

Como chegar a uma ideia promissora de solução em pouco tempo, para que a maior parte das horas seja dedicada à construção dessa solução? Como validar essa ideia para garantir que ela é promissora?

Entenda como um processo estruturado baseado em metodologias e ferramentas de design podem ajudar a sua equipe a encontrar essas respostas!

Introdução

Em maio de 2020, tive a oportunidade de participar do meu primeiro hackathon: o NASA Space Apps Challenge, um hackathon organizado anualmente pela NASA que ocorre simultaneamente em diversos países, tendo como objetivo encontrar soluções promissoras para problemas reais relacionados a temas amplos como sociedade, meio ambiente e saúde.

NASA Space Apps COVID-19 Challenge

Entre os dias 30 e 31 de maio de 2020, a NASA lançou uma edição especial do Space Apps Challenge, que ocorreu de forma totalmente remota e que tinha como foco o desenvolvimento de projetos relacionados à pandemia de COVID-19.

Nesse sentido, um dos principais desafios foi que, diferentemente dos hackathons tradicionais, os times teriam 48 horas para desenvolver e testar uma solução trabalhando de forma totalmente remota.

Fui convidada a integrar uma equipe que contou com dois desenvolvedores (Gabriel Rubio e Rafael Mosias), um especialista em produto (Victor Cabrera) e mais um designer (Paulo Ricardo). Como eu nunca havia participado de um hackathon, a minha maior preocupação era como, enquanto designer com nenhum conhecimento de programação, eu poderia contribuir com a equipe?

A resposta, desenvolvida por mim e pelo Paulo, foi a criação de um processo estruturado de design e facilitado por nós que possibilitou que o time chegasse rapidamente a uma ideia de solução validada para que a maior parte do tempo do hackathon fosse dedicada à sua construção e apresentação.

Framework 4Cs: criando um processo de design

O processo de design foi desenvolvido por nós logo nos primeiros minutos do hackathon. Essa velocidade só foi possível devido ao conhecimento de uma série de metodologias e exercícios de design, em conjunto com a nossa experiência trabalhando como facilitadores de workshops como a Design Sprint e a Lightning Decision Jam.

Entretanto, felizmente para quem não tem experiência com esse tipo de metodologia (e para quem tem também!), em abril de 2020 a agência alemã AJ&Smart, uma das maiores referências em workshops de design no mundo, lançou o livro The Workshopper Playbook, que tem como objetivo apresentar o Framework 4Cs: uma ferramenta que, segundo o seu criador Jonathan Courtney, permite construir qualquer tipo de workshop, independentemente de tópico, duração ou resultado esperado.

As etapas do Framework 4Cs

O Framework 4Cs é dividido em quatro etapas, descritas abaixo:

Collect (Coletar)

A primeira etapa de qualquer processo de design consiste na coleta de informações, sejam elas desafios, problemas envolvidos, dados ou referências.

Portanto, o objetivo desta etapa é reunir as informações necessárias para iniciar um projeto e torná-las visíveis a todos os envolvidos, com a finalidade de definir o escopo do desafio.

Choose (Escolher)

Uma vez que as informações necessárias estão visíveis para toda a equipe, chega o momento de escolher no que focar.

Essa primeira priorização tem como objetivo garantir que todo o time estará alinhado, criando soluções para um desafio relevante.

Create (Criar)

Na etapa anterior, deixamos toda a equipe na mesma página. Agora, finalmente chegou o momento de criar possíveis soluções para o desafio.

É a hora de abrir a mente e pensar fora da caixa! O objetivo é criar múltiplas possibilidades de solução, mesmo que elas não estejam totalmente elaboradas.

Commit (Priorizar)

Nesta última etapa, a equipe deve priorizar as soluções mais promissoras, transformando-as em acionáveis, definindo os próximos passos para executá-las e testá-las.

O processo desenvolvido para o NASA Space Apps COVID-19 Challenge

Criando um ambiente de trabalho compartilhado

Para garantir que todo o time pudesse contribuir para o processo de concepção e também para que tudo ficasse documentado, o primeiro passo foi criar um ambiente de trabalho compartilhado virtual.

Para isso, escolhemos utilizar o Miro: plataforma colaborativa, com uma série de funcionalidades que permitem simular a realização de workshops presenciais de forma totalmente remota e simultânea, podendo ser acessado de qualquer dispositivo (web e mobile).

Interface do Miro. Você pode acessar o board criado para o NASA Space Apps COVID-19 Challenge aqui

Trabalhando em equipe: boas práticas

Para que o processo de design fosse realizado dentro do tempo e todos pudessem tirar o máximo de proveito das atividades, algumas boas práticas precisaram ser seguidas.

Em primeiro lugar, foi importante definir um facilitador, ou seja, a pessoa que iria guiar as atividades, controlar o tempo e garantir que as discussões não se alongassem.

O processo de design no formato de workshop, baseado em metodologias como a Design Sprint, deve ser realizado quase sem nenhuma discussão e de forma anônima. Isso quer dizer que as atividades são realizadas individualmente e em silêncio.

Essas premissas têm como objetivo garantir a agilidade no andamento das atividades e garantir que todas as ideias sejam levadas em conta pelo time, sem o viés de uma possível hierarquia de trabalho ou de quem sabe vender melhor a sua ideia.

Uma vez que todo o grupo estava alinhado com relação ao andamento das atividades, chegou então o momento de executá-las!

Collect: escrevendo os desafios no formato “como podemos”

O NASA Space Apps possui uma série de desafios que podem ser escolhidos pela equipe no momento da inscrição.

Nosso time escolheu o desafio “Onde há um link, há um caminho”, que tinha como objetivo encontrar maneiras inovadoras de analisar e apresentar informações integradas e em tempo real sobre os fatores ambientais que afetam o espalhamento da COVID-19.

Uma vez que trata-se de um tema bem amplo e com várias possibilidades de atuação, para a nossa primeira atividade, cada participante da equipe teve cinco minutos para listar individualmente quais seriam as principais questões ligadas a esse desafio.

Para que essas questões ficassem mais acionáveis no sentido de inspirar o processo de ideação que viria posteriormente, todas foram escritas em forma de pergunta, começando com as palavras “Como Podemos”.

Desafios escritos no formato “Como Podemos” (ou “How Might We”, em inglês)

Choose: priorizando os desafios

Uma vez que todas as perguntas foram listadas, elas foram agrupadas em categorias temáticas. Tal agrupamento ajuda o time a priorizar aquilo que deve ser solucionado, pois deixa visível quais foram os temas que possuíam mais desafios a serem solucionados.

Em seguida, cada participante ganhou seis pontos de voto (representados no Miro pelas bolinhas vermelhas, como na imagem abaixo) para escolher em 10 minutos as questões mais relevantes para o desafio. Nesse momento, cada um poderia votar como quisesse, colocando mais de um voto na mesma questão e escolhendo as suas próprias questões, se desejasse.

Desafios agrupados em categorias e votados pela equipe

Ao final da votação, houve um empate entre duas questões e o grupo pôde votar novamente entre as duas para escolher a vencedora que, no nosso caso foi: “Como podemos mostrar a realidade das pessoas, e não apenas números?”

Árvore de votação e desempate

Uma observação sobre o Framework

O framework 4Cs é um excelente guia para a formulação de atividades de concepção de ideias, porém ele não precisa necessariamente ser linear.

No nosso processo desenhado para o NASA Space Apps, após a etapa de escolha do desafio, optamos por realizar mais uma atividade de coleta, dessa vez de soluções inspiradoras que pudessem nos ajudar a pensar em ideias para resolver o nosso desafio.

Dessa forma, cada participante teve em torno de 15 minutos para buscar e colocar no Miro referências que pudessem ajudar no processo de ideação.

É importante destacar que essas referências não precisam necessariamente estar ligadas ao problema que se pretende resolver. Por exemplo, nosso time listou desde dashboards que mapeiam o espalhamento da pandemia no Brasil e no mundo até o uso de realidade virtual para dispor informações e o uso de dados em smart cities para mapear mudanças ambientais e climáticas.

Quadro de referências

Após a pesquisa, o time teve cerca de 10 minutos para dar uma olhada nas referências expostas. Porém, apenas nesta atividade, é também possível que cada pessoa apresente brevemente as suas referências, usando de dois a três minutos no total.

Create: gerando ideias de solução

Com o desafio escolhido e as referências no board virtual, chegou então o momento do time começar a pensar em ideias de solução.

Assim como nas etapas anteriores, esse processo é realizado individualmente, sem discussão e com um tempo pré-determinado de cinco minutos.

O objetivo, neste momento, não era pensar na solução perfeita, mas sim em uma grande quantidade de hipóteses, explorando diversas possibilidades. Cada ideia deveria ser anotada em um Post-it e posicionada no quadro.

Commit: escolhendo a ideia final

Finalmente, todos os participantes receberam novamente seis pontos de voto para escolher em 10 minutos as ideias que pareciam mais promissoras, valendo novamente a opção de votar várias vezes na mesma ideia e também nas suas próprias ideias.

As ideias mais votadas foram posicionadas em uma “árvore”, com aquela que possuía um maior número de votos no topo. Em seguida, realizamos uma breve discussão (no máximo 15 minutos) para refinar a ideia mais votada e reescrevê-la de forma que todos da equipe estivessem de acordo.

Ideias priorizadas e refinamento da ideia mais votada

A ideia priorizada para o desafio foi um tipo de BI que permitiria comparações entre cidades similares, ajudando tomadores de decisão relacionados a políticas públicas ao apresentar não apenas dados quantitativos, mas também notícias verdadeiras sobre como as autoridades estão lidando com a pandemia em outras cidades.

Prototipação: validando a hipótese de solução

Ainda seguindo o livro The Workshopper Plabook, após a realização do passo a passo descrito no Framework 4Cs, é fundamental que a ideia priorizada seja testada e validada.

Em um hackathon, a validação da ideia de solução é extremamente recomendada (e muitas vezes obrigatória), pois garante uma assertividade muito maior para que a sua defesa seja elaborada no pitch de apresentação, que será analisado pelos especialistas jurados.

Entretanto, para testar a ideia, não é necessário construí-la em sua versão final, envolvendo desenvolvimento e horas de trabalho, mesmo porque, caso a ideia precise de um ajuste, não haverá mais tempo hábil para isso em um hackathon.

Portanto, a solução encontrada pelo nosso time foi a construção de um protótipo navegável que simulasse a experiência de uso da solução que pretendíamos desenvolver, porém com baixo esforço.

Neste sentido, nós criamos rapidamente um fluxo de interação que demonstraria o valor da ideia para o usuário e, em seguida, construímos uma pequena sequência de telas que ilustrassem a experiência.

Fluxo de uso da solução

Para esse hackathon, utilizamos a ferramenta Figma, muito usada para a construção de interfaces digitais, para o desenho das telas e a ferramenta Marvel App para linkar essas telas de forma a tornar o protótipo navegável.

Imagens do protótipo desenvolvido. Você pode acessar o protótipo navegável aqui

O próprio Marvel App possui uma série de recursos para o desenho da interface também e a curva de aprendizado da ferramenta é bem rápida.

Porém, caso ninguém do time tenha habilidades com design, também é possível construir o protótipo usando ferramentas mais simples e conhecidas, como o Google Slides.

É importante que esse protótipo seja construído de forma rápida, em no máximo uma ou duas horas, para que a ideia seja testada ainda durante a primeira tarde do hackathon.

E, para testar, basta apresentar o protótipo a alguém que seja do público alvo que a ideia pretende atingir. No nosso caso, testamos o protótipo com os mentores do hackathon, que eram especialistas em políticas públicas e em análise de dados.

Para isso, apresentamos um breve contexto sobre o desafio (sem dar detalhes sobre a solução) e pedimos para que eles navegassem pelo protótipo, falando sobre as suas impressões, dúvidas e dificuldades em voz alta para que pudéssemos tomar nota.

Procure testar o protótipo com duas a cinco pessoas para garantir pontos de vista diferentes e também identificar alguns padrões.

Em seguida, fizemos uma breve discussão sobre os resultados e tínhamos o conhecimento necessário para realizar alguns ajustes na ideia e, finalmente, iniciar o desenvolvimento.

Conclusões

Enquanto realizávamos os testes, nosso time de desenvolvimento já estava trabalhando nos bancos de dados e pensando em como a ideia seria construída. Com isso, ao fim da tarde do primeiro dia de hackathon, já tínhamos tudo pronto para iniciar o desenvolvimento.

Por conta do processo estruturado de design, foi possível realizar o desenvolvimento com calma, tendo tempo hábil para enfrentar dificuldades técnicas (pois elas sempre aparecem!).

Com isso, conseguimos finalizar o desenvolvimento no fim da manhã do segundo dia e dedicar toda a tarde à construção do pitch de apresentação, que é a etapa mais importante do hackathon.

Pitch de apresentação

Idealizar, validar e materializar uma ideia em 48 horas é um grande desafio, porém, com o uso de metodologias e ferramentas de design alinhado a um processo colaborativo e documentado, foi possível chegar a um resultado muito satisfatório.

Ao final do NASA Space Apps COVID-19 Challenge, nossa equipe foi considerada uma das 50 melhores entre as 500 equipes que participaram do hackathon no Brasil, além de ter pontuado em 5º lugar na categoria “Onde há um link, há um caminho”.

Quer saber mais sobre como as metodologias de design podem te ajudar? Confira nossos próximos artigos!

--

--

Natalia Pauletto Fragalle
catalystwkp

Product Designer @Yieldify | Guest Lecturer @ ITI UFSCar | Co-founder @ Catalyt and UX Sanca | Design Sprint Master www.linkedin.com/in/nataliapaulettofragalle