Resumão do Design Thinking: o que é, por quê, quando e como aplicar

Natalia Pauletto Fragalle
catalystwkp
Published in
12 min readMar 13, 2021

Esse artigo foi escrito como um resumo do conteúdo apresentado nas vídeo aulas elaboradas especialmente para o Technovation Summer School For Girls 2021 — um evento organizado pelo grupo GRACE do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP — que envolveu cerca de 50 meninas entre 10 e 17 anos para que elas identificassem um problema social, desenvolvessem um aplicativo e elaborassem um plano de negócios.

O que é Design Thinking?

Design Thinking é um termo em inglês que, traduzido ao pé da letra, significa “pensamento de design”, porém esse termo é conhecido aqui no Brasil pelo nome em inglês mesmo.

Antes de tudo, é importante falar um pouco sobre o design em si. Existem várias vertentes do design: design gráfico, design de interiores, design de produtos físicos, design de produtos digitais. Porém, todos eles têm algo em comum: o foco do design não é somente em deixar algo bonito, mas sim estabelecer um processo para construir alguma coisa que seja útil para as pessoas.

Nesse sentido, o design thinking está muito associado ao conceito de “design centrado no ser humano”, que tem como principal foco entender as pessoas, resolver os seus problemas e atender as suas necessidades.

Porém, para que a gente consiga de fato fazer isso é preciso, primeiro, visualizar vários pontos de vista e testar vários tipos de ideias.

Bom, todas essas ideias sobre design centrado nas pessoas e o design como um modo de pensar vêm sendo desenvolvidas ao menos desde a primeira metade do século XX, porém mais aplicadas aos campos do design em si e de áreas próximas, como a arquitetura.

Entretanto, elas ganharam mais popularidade no final do século passado, quando esses conceitos passaram a ser adotados também pelo mundo dos negócios, principalmente a partir do trabalho de uma empresa americana chamada IDEO, que adotou a missão de difundir esse pensamento para as empresas, e principalmente as empresas da área de tecnologia.

Mas então, o que é o Design Thinking afinal? Traduzindo as palavras de Tim Brown, presidente da IDEO e autor de livros importantes sobre o tema:

Design Thinking é uma abordagem centrada no ser humano para inovação que usa ferramentas do design para atender as necessidades das pessoas. […] O Design Thinking, ou pensamento de design, é uma abstração do modelo mental utilizado há anos pelos designers para dar vida a ideias (Tim Brown, autor do livro Change by Design).

Então, citando Jonathan Courtney, um outro nome importante na área hoje, fundador da empresa de design Aj&Smart:

Ao pensar a partir das necessidades das pessoas, a abordagem de design thinking ajuda a construir a ponte entre um produto que apenas funciona e um produto que realmente resolve um problema (Jonathan Courtney, autor do livro The Workshopper Playbook).

Mas olha, eu não to falando aqui que o Design Thinking resolve todos os problemas do mundo e nem que ele é a única forma de pensar. O Design Thinking é UM processo de design utilizado para sair de um problema e chegar a uma solução. E isso nos leva ao nosso próximo tópico.

Por quê e quando usar o Design Thinking?

Quais as vantagens de pensar dessa maneira?

Eu acho que a principal vantagem de pensar dessa maneira é o foco e a atenção nas pessoas de fato, naquilo que elas fazem e precisam.

Quando você se interessa pelas pessoas de verdade, você estimula o pensamento sobre como desenhar melhores produtos e serviços para elas (Coe Leta Stafford, Diretora de Design na IDEO).

Um exemplo disso que todo mundo conhece é o Uber. Ao usar o Uber, a pessoa não tem como objetivo final utilizar um aplicativo de transporte, mas sim chegar em algum lugar, esse é o problema dela. O Uber foi apenas uma ideia que se transformou em uma solução para o problema de muitas pessoas.

Por isso, é importante entender sobre as pessoas e os seus problemas e necessidades antes de tentar criar uma solução.

Quando aplicar o Design Thinking?

Como eu já falei antes, ao contrário do que muita gente diz por aí, o Design Thinking não deve ser usado para qualquer coisa. O foco do Design Thinking é a inovação e você conseguir testar uma ideia de forma rápida.

Você não consegue construir um produto inteiro usando apenas o Design Thinking. Depois que a sua ideia é validada, deu certo, as pessoas gostaram, se inicia todo um processo de transformação dela em um produto de fato: qual tecnologia vai ser usada para construir esse produto, como ele vai ser vendido, como as pessoas vão interagir com esse produto…e isso envolve outros conhecimentos e outros especialistas.

Além disso, tem problemas que não precisam passar por um processo de Design Thinking por serem muito pequenos ou então por serem grandes de mais, precisam ser “quebrados” em problemas menores. Cuidado para não distorcer o processo para fazer o Design Thinking “caber” no seu problema.

Tá bom, mas como é que eu aplico o Design Thinking então?

Quais são as etapas do processo de Design Thinking?

O processo de Design Thinking tem cinco etapas principais, que podem ser realizadas de várias maneiras.

As etapas do processo de Design Thinking

1. Empatia

O conceito de empatia está ligado à pergunta “para quem estamos fazendo design?”

Antes de sair desenvolvendo uma solução por aí, é muito importante procurar entender melhor sobre o problema que você está tentando resolver e principalmente para quem você está resolvendo esse problema.

Nesse ponto, é importante comentar que a empatia não é uma ferramenta, mas sim uma maneira de pensar, procurando entender um problema a partir da perspectiva da pessoa que vive esse problema no dia a dia.

Algumas perguntas que devem ser investigadas nesse momento são:

  • O que motiva essas pessoas?
  • O que incomoda essas pessoas?
  • Como elas lidam com esse problema no dia a dia?
  • Por que elas precisam resolver esse problema?
  • Como elas resolvem esse problema hoje (porque a maioria dos problemas já são resolvidos pelas pessoas de alguma forma)?
  • Elas estão satisfeitas com o modo que resolvem o problema hoje?
  • Quais são os problemas que talvez a gente (e nem elas mesmas) estejam vendo?

E como eu faço isso?

Bom, não tem uma forma “certa” de se “ter empatia”. Dependendo do tipo de projeto em que você está trabalhando, do tempo disponível e dos recursos que você tem, você pode fazer isso de diferentes maneiras.

Isso vale para todas as etapas do processo de design thinking. Elas são apenas etapas, mas tem várias maneiras de executar cada uma delas.

Vou trazer aqui alguns exemplos de exercícios que podem ser feitos nessa etapa de empatia.

1) Faça uma pesquisa sobre um tipo de problema e as pessoas que têm esse problema

Assim como um trabalho de escola, dá aquele Google. Procure comunidades, sites, aplicativos que já lidam com o problema que você está tentando resolver. Procure em lugares como o site “Reclame Aqui” para ver se determinado aplicativo ou produto ou serviço tem muitas reclamações, se ele resolve de fato o problema das pessoas.

Essa pesquisa pode nos ajudar muito a entender melhor sobre o problema que estamos tentando resolver e quais são as soluções que já existem por aí.

2) Entreviste as pessoas que têm o problema que você está tentando resolver.

Nada melhor do que ouvir direto da boca de quem vive aquele problema no dia a dia não é?

Comece pensando em que tipo de coisas você quer aprender. Faça uma listinha mesmo.

Depois de listar tudo o que você quer aprender, busque transformar tudo em perguntas. Tente fazer perguntas abertas para que as pessoas falem (e não perguntas que a resposta é “sim” ou “não”) e sempre pergunte o porquê das coisas.

Selecione ao menos 5 pessoas para entrevistas para que você tenha pontos de vista diferentes.

Se puder fazer isso em dupla, melhor! Uma pessoa se concentra em fazer as perguntas para o entrevistado e a outra em anotar tudo o que é importante.

3) Se você tiver mais tempo, observe as pessoas realizando as tarefas nas quais encontram o problema

As pessoas muitas vezes não sabem dizer o que elas querem. E cabe a nós conseguir entender qual é o problema de fato para que em seguida possamos pensar em uma solução inovadora para resolver esse problema.

2. Definição

Bom, depois de fazer todas essas pesquisas para entender melhor sobre as pessoas e os problemas e necessidades que elas têm, a gente precisa definir melhor qual é o problema de fato que vamos tentar solucionar. Isso guiará todas as nossas decisões e não deixará que a gente se perca pelo caminho.

Neste sentido, a definição do problema deve tentar responder às seguintes perguntas:

  • Quem está tendo o problema? Em quem estamos focando?
  • Qual é o problema?
  • Onde esse problema acontece? É no meio físico, mental ou digital? Qual é o contexto?
  • Por que esse problema é importante? O que a pessoa vai conseguir se esse problema for resolvido?

E como fazer isso?

Algumas dicas de como definir melhor o seu problema a ser resolvido:

  • Escolha um problema que não seja tão restrito, para que seja possível ter mais ideias de solução.
  • Ao mesmo tempo, cuidado para não escolher um problema muito amplo (que poderia ser quebrado em problemas menores).
  • Escreva de forma bem clara e deixe visível para que todo mundo possa saber durante todo o processo qual é o problema que estamos tentando resolver
  • Um outro exercício que ajuda muito tanto nessa etapa quanto na etapa seguinte, de ideação é transformar esse problema em pergunta, começando com as palavras “Como podemos” (COMO assume que podemos agir e encontrar soluções e PODEMOS sugere que há mais de uma solução possível).
Exemplo de como escrever o desafio no formato “como podemos”.

3. Ideação

Agora sim, chegou a hora de pensar em soluções para resolver esse problema! E quanto mais ideias, melhor!

O objetivo desta etapa não é desenvolver uma solução super pronta e bem resolvida, mas sim gerar a maior quantidade de ideias possível. Não é preciso se prender nesse momento em questões como se é ou não possível construir essa ideia. Procure pensar fora da caixa e usar a sua imaginação.

E como fazer isso?

  • Busque referências de outras soluções inspiradoras para te ajudar a ter ideias. Elas não precisam ser necessariamente relacionadas ao problema, mas podem trazer alguma parte que pode ser aproveitada.
  • Desenhe a sua ideia: faça um esboço de como ela seria, com começo meio e fim. Você não precisa ser uma artista não, o importante é deixar bem claro como a sua ideia começa, se desenvolve e termina, para que as outras pessoas do seu time consigam entender
  • No final, vocês podem escolher uma ideia principal e juntar a ela partes de outras ideias do time que façam sentido.

Mas e aí? Como a gente sabe se a nossa ideia é boa mesmo?

4. Prototipação

Em vez de perder muuuito tempo construindo a nossa ideia inteira, para depois ver se ela realmente resolve o problema das pessoas, a gente pode tentar simular essa ideia com um protótipo.

Sabe aqueles filmes de velho oeste, que têm aqueles cenários que parecem uma cidade antiga de verdade, mas na verdade são apenas uma fachada? A ideia do protótipo é justamente essa: ser uma representação de como pode ser a nossa solução.

É tudo fachada!

Não precisamos construir a nossa solução para saber se ela resolve ou não o problema das pessoas. Podemos simular a experiência para testar como seria e isso já nos dá uma boa ideia se vale a pena investir na construção da nossa solução ou se devemos voltar alguns passos e refazer nossas pesquisas, ter novas ideias, ou testar ideias que não foram priorizadas.

O segredo é deixar o protótipo o mais simples possível!

Quando a gente está falando de soluções digitais, a gente pode criar um protótipo navegável, que ajuda a simular a experiência de navegação pelo aplicativo ou site e o passo a passo de tarefas que a pessoa fará para utilizar a ideia.

Esse protótipo pode ser de baixa, média ou alta fidelidade, dependendo do tempo que temos e do que queremos testar.

  • O de baixa fidelidade é usado para quando queremos apenas testar a ideia central e a sua utilidade. A gente pode fazer na mão mesmo, desenhando as telas.
  • O de média fidelidade usamos para testar a ideia central, mas também os fluxos (passo a passo) e as informações principais.
  • Já o de alta fidelidade serve para testar todos os fluxos, interações, visual e informações.

Eu recomendo usar um protótipo de baixa ou média fidelidade para testar a sua ideia. Deixe para pensar em todos os detalhezinhos depois que você souber que a sua ideia resolve de verdade um problema.

Não se preocupe em fazer as pessoas gostarem da aparência do seu protótipo. O que queremos saber de verdade é se a nossa ideia resolve ou não o problema que selecionamos. Se ela não resolver, não teremos perdido tanto tempo assim e nem tanto dinheiro para saber.

Antes de sair desenhando as telas, não deixe de pensar no fluxo do protótipo. Pense primeiro qual é o mínimo da ideia que você precisa testar para saber se a sua ideia funciona ou não. E aí pense em um passo a passo que a pessoa teria que seguir no seu protótipo.

Não deixe passar de 8 passos para garantir que você realmente está focando no essencial. E em seguida pensamos em como seriam as telas, que informações teriam, se teriam imagens.

5. Teste

Chegou o momento que pra mim é o mais legal de todo esse processo: testar a nossa solução com pessoas reais, que têm o problema ou a necessidade que estamos tentando resolver.

Mas antes de testar, é muito importante saber exatamente o que você quer testar e o que você quer aprender com o teste:

  • Liste tudo o que você precisa aprender para ter certeza de que a sua ideia funciona de verdade
  • Selecione umas 5 ou 6 pessoas para testar. Tem um estudo do Norman e do Nielsen, que são uns dos nomes mais importantes do design de experiência do usuário, que diz que ao testar com 6 pessoas você já consegue identificar 80% das informações. Depois disso você começa a perceber que as respostas e os comentários começam a se repetir.
  • Antes de mostrar o protótipo, faça algumas perguntas para a pessoa que vai testar para quebrar o gelo e não deixar ela nervosa. Pergunte o que ela faz, onde ela mora.
  • Contextualize a pessoa sobre o problema que estamos tentando resolver. Pergunte como ela resolve ele hoje.
  • Defina as tarefas que a pessoa vai ter que realizar durante o teste.
  • Peça para a pessoa na hora do teste ir falando em voz alta tudo o que ela está fazendo e pensando. Isso ajuda vocês a entenderem como ela está reagindo ao protótipo.

Dicas:

  • É legal fazer esse teste em dupla: uma pessoa se concentra em prestar atenção em tudo o que a pessoa está fazendo e falando e a outra anota tudo o que for importante.
  • Deixe bem claro desde o começo que se trata apenas de um protótipo e que algumas coisas podem não funcionar tão bem.
  • Deixe bem claro que quem está sendo testado é o protótipo e não a pessoa. Não tem certo e errado no que ela está fazendo.
  • Não ajude a pessoa a entender o protótipo. Você precisa fingir que não está lá e deixá-la usar sozinha, se não você vai estar influenciando a experiência.
  • Sempre pergunte “por quê”, caso a pessoa diga que gosta ou não gosta de algo.
  • Se a pessoa te perguntar “e o que eu devo fazer agora?”, pergunte de volta “o que você acha que deveria fazer?” Nunca dê a resposta!

E depois? O que é que eu faço?

Depois de testar, reúna todas as anotações e agrupe tudo aquilo que é similar. Após o teste, vocês conseguirão ter uma noção do que funcionou legal e o que talvez não tenha funcionado tão bem.

O processo de design não é linear! Após os testes, dependendo dos resultados, podemos retornar a qualquer etapa.

  • Podemos rever o protótipo, fazendo alguns ajustes caso seja necessário;
  • Podemos voltar para a ideação e testar uma ideia diferente;
  • Podemos voltar para a etapa de definição e reajustar o escopo do nosso problema;
  • Ou então podemos retornar à etapa de empatia, explorando novamente o comportamento e as necessidades das pessoas.

Tem alguma dúvida?

Eu tentei passar um resumão desse processo de design thinking. É claro que ele pode ser mais ou menos complexo dependendo do tempo, dos recursos, do projeto.

Se quiser bater um papo sobre isso não deixe de me adicionar no Linkedin e nem de seguir a Catalyst no instagram!

Obrigada pela leitura :)

--

--

Natalia Pauletto Fragalle
catalystwkp

Product Designer @Yieldify | Guest Lecturer @ ITI UFSCar | Co-founder @ Catalyt and UX Sanca | Design Sprint Master www.linkedin.com/in/nataliapaulettofragalle