O poder da visão holística e do posicionamento estratégico do UX

Priscilla Albuquerque
Catarinas Design
Published in
6 min readJan 30, 2020

--

Não é difícil ouvir e perceber hoje uma certa maturação dos conceitos de UX dentro das empresas de diversos tamanhos e contextos. Mesmo que várias delas ainda estejam no modo “muito papo e pouca ação”, existe um desejo generalizado no mercado de oferecer “boas experiências” para clientes e usuários. O engraçado é ver o movimento acontecendo não só nos eventos, rodas e conversas da galera do design. Essa mesma onda vem sendo explorada por várias frentes e setores como marketing, customer success, customer experience, vendas, employee experience e por aí vai. É sensacional que, pelo menos no discurso, a gente finalmente esteja falando a mesma língua e, em tese, tenha um tanto de interesses estratégicos em comum.

Quem acompanhou de perto essas mudanças sabe que nem sempre tudo foi assim, tão desejado e bem vindo. Muitos desafios relacionados a mudança de cultura ainda reinam e apesar do cenário um pouco mais favorável, as barreiras, resistências e “disputas políticas de espaço” ainda existem, e talvez sempre existirão em diferentes graus. Justamente nessa combinação única de forças, motivações, demandas e dificuldades que a abordagem do UX pode ser um grande “change maker”.

A transformação da percepção de valor do mercado sobre o UX

Nós da Catarinas Design posicionadas como uma consultoria especialista em UX design conversamos, entendemos e projetamos para muitos cenários de produtos e negócios que chegam aqui com demandas e expectativas variadas. Um ponto que vale reparar é que ao longo dos nossos 8 anos de mercado a forma de solicitar um projeto passou por algumas mudanças.

Se antes o cliente vinha com demandas de “uma interface mais bonita” ou, na melhor das hipóteses, uma “melhoria da usabilidade”, agora o nível da conversa certamente ficou mais alinhado com a potencial de valor que podemos oferecer como UX designers. Hoje em dia muitos dos projetos chegam a procura de um aumento da conversão pós trial, uma estratégia de product lead growth, um mapeamento da jornada de compra do cliente ou até mesmo um sistema de design para padronização da experiência de uso do produto. Outro ponto interessantíssimo são os novos modelos de trabalho que passam a fazer sentido para os dois lados (consultoria de UX e contratantes), saindo de um estilo “escopo fechado entregue-me logo as minhas telas” para um modelo de “banco de horas contínuo para uma extensão especialista no meu time de produto”. Esse é um ponto que reflete de forma enfática a transformação da percepção sobre a importância e cada vez mais visível indispensabilidade dos processo de UX no desenvolvimento de produtos.

No momento em que se entende que entregar uma experiência sofrível não é mais uma alternativa viável para se manter competitivo no mercado, as empresas passam a realmente

precisar das skills do UX no dia a dia de concepção de novas features e melhorias contínuas. Esse movimento cria um impacto direto na busca por profissionais da nossa área e não apenas como um recurso extra desejável para “quando couber no orçamento”. A maior parte das vezes vemos a oferta da boa experiência de uso como elemento chave na proposta de valor das soluções — como podemos ver em diversos discursos de encantamento presentes no pitch de incontáveis empresas.

Os reflexos negativos do UX como “trend topic”

Mas claro, nem tudo é alegria. Por um lado temos sim uma busca muito maior por profissionais e projetos de UX, por outro, temos alguns reflexos não tão positivos para os quais deveríamos em perspectiva buscar por melhores respostas.

Uma delas sem dúvida é a falta de qualificação, maturidade e “horas de voo” dos profissionais que acabam sendo colocados no fogo para resolver grandes problemas sem preparo ou background necessário. Como a demanda acaba em muitos casos se desequilibrando em relação à oferta de mercado, temos UXrs juniores sendo comprados como experientes sem entender o poder e a responsabilidade do espaço de influência que ocupam. Por muito tempo brigamos pelo tal do “espaço na mesa de decisão”, requisitamos a possibilidade de entrar no projeto logo no início, durante a fase de levantamento e concepção dos requisitos do produto. Pois bem, agora em muitos casos vejo os designers tendo acesso a porta desse “hotspot”, sustentado pela ampla credibilização da área de UX, sem saber exatamente como lidar ou que tipo de postura adotar para fazer jus as possibilidades de ganho que se pode ter com um processo de UX bem executado.

Outra fragilidade na expansão sustentável do mindset centrado na experiência do usuário que percebo é cultura vigente e a resistências à mudanças. Como já apontam os diversos modelos de maturidade em relação ao UX, os primeiros degraus de consolidação dessa nova forma de ver e projetar produtos digitais passam por uma fase onde estão presente apenas no discurso. Esse ainda é um desafio para inúmeros profissionais que se aventuram em terras onde até então “só havia mato”. Gestores que não querem perder o controle, políticas internas envolvendo disputa de poder, falta de tempo / visão ou prioridade, colegas garantindo o seu “espaço ao sol” ou meramente a preguiça de sair de uma inércia que “funcionou até agora”, são situações recorrentes apesar do desejo de mudança. Afinal como se sabe, mudar dá trabalho, e não acontece do dia para noite.

A disciplina de UX como quebradora de barreiras

Um dos pilares das metodologias do design que mais gosto é a força que temos para entrar em cenários diversos ou adversos com toda a nossa abordagem colaborativa e criar novas conexões que antes eram impossíveis. Desde a época da faculdade falávamos sobre essa característica forte do campo da criatividade que permite criar novas pontes e ligações improváveis. A partir da junção de duas ou mais partes, que talvez nunca se encontrassem se alguém não interferisse com a “bagunça certa”, conseguimos gerar novas possibilidades!

Aplicando essa mesma lógica no que podemos fazer entre áreas de uma empresa, a mágica das sinapses permite alcançar lugares, ou nesse caso ideias, jamais vistas. Quais outras áreas você conhece que se preocupa tanto com a multidisciplinaridade ou com a co-criação? Eu não consigo listar muitas. Essa característica de facilitador que vem (ou deveria sempre vir) no nosso pacote de skills de UX é uma forma de desarmar diferenças e integrar visões e perspectivas que podem ser verdadeiros saltos quânticos no processo de inovação.

Outro ponto maravilhoso da natureza da nossa missão como UX designers é a visão holística, que incentiva fortemente que a gente veja muito mais do que o que está diante da nossa tela. O entendimento do todo, do usuário, do contexto, do problema de diferentes stakeholders nos torna mais próximos de soluções melhores e mais consistentes.

A relevância do posicionamento do profissional de UX

Sabemos que o nosso campo passa por um momento único de visibilidade e a tendência, segundo vários estudos, é que isso seja ainda mais potencializado nos próximos anos. O human centered design na concepção de novas soluções já é, e deve ainda mais, ser discutido em proporções maiores do que a bolha do design. É uma tendência inegável, que junto com a evolução da tecnologia vai estar sempre presente em nossas vidas.

Como UX designers nos preocupamos com as pessoas, mas também com os números e com os negócios. Olhamos para restrições e possibilidades tecnológicas, mas também buscamos a inteligência dos processos e com os impactos que isso gera no mundo. No meio disso tudo, nós, os “pioneiros” desse mindset das experiência memoráveis, sem dúvida temos a obrigação de levar essa perspectiva para frente na sua melhor forma possível, com toda a importância que ela merece.

…..

*Artigo originalmente publicado no Design2020.

--

--

Priscilla Albuquerque
Catarinas Design

Co-founder / UX strategist @Catarinas, Co-founder e facilitadora @UXOvertake e @SupernovaUXCulture