A liberdade não é ir e vir pela cidade…

Karina Rodrigues
Catarse Crônica
Published in
2 min readJun 12, 2021
Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo
Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo

A liberdade não é ir e vir pela cidade. Nunca o foi, ao menos para mim. Se você sai às ruas em rotinas notívagas, a rua dá para você exatamente o que você tem. Se você estiver vazia, ela te esvazia ainda mais; se estiver cheia, ela te transborda.

A ficha caiu em um domingo cinzento de isolamento, em que, deixadas à parte a ansiedade, o medo da morte e a tragédia nacional inaugurada pelo vírus, eu percebi que não precisava fazer nada. Repito: nada!

Não precisava ver televisão, não precisava ler. Não precisava estar no chorinho da São Salvador, nem de comer o pastel da feira da Glória. Não precisava ir à praia, ver os amigos, desperdiçar minutos no Instagram. Não tinha que rever e nem elaborar meus traumas. Naquele momento, era só eu e minha linda planta Jiboia, essa cabeleira verde maravilhosa que enfeita o fundo das minhas videoconferências.

Deitei no chão de taco recém sintecado da minha sala e simplesmente existi. Engraçado que, depois dessa catarse, quis sugerir a Descartes uma ligeira modificação em seu mais conhecido postulado “Penso, logo existo”: tenho consciência e estou presente para meus pensamentos e sentimentos, logo existo humana.

Não precisar de nada, aceitar e abraçar o estado das coisas, independentemente se sofrido ou não, para mim foi grande sinônimo de liberdade. Aceitar que há cheiro de morte em todos os cantos, que há o que precise ser mudado, mas que a mudança também exige que tenhamos perspectiva.

Liberdade é estar presente. É entrar dentro de si, se ver acompanhado de diversos estados sem se definir por eles. Estando presente, passado, futuro e presentes alheios não são grilhões nem distrações.

Fato é que, depois de tanta catarse e meses a fio de distanciamento social, quando estivermos imunizados, indubitavelmente aceitarei todos aqueles convites:

Para a praia lotada no Leme, com volta para casa no metrô lotado, cheiroso e empanado de areia.

Para a aglomeração desconfortável com cerveja cara da mureta (ou pobreta) da Urca.

Para ver o Bandão tocar no final das aulas da Escola Portátil de Música.

Para tomar cachaça em bares duvidosos da Lapa.

Para abraçar e beijar meus amados e amores.

Para estar mais presente do que nunca nessa rua, porque a rua dá para você exatamente o que você tem, e eu estou cheia de vida. A morte ensina.

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