Causas e condições

Karina Rodrigues
Catarse Crônica
Published in
3 min readAug 30, 2021
Autorretrato de minha autoria ;)

Quantas causas e condições foram reunidas para que eu pudesse tocar violão? O que, de fato, me levou a encontrá-lo e aprendê-lo?

Primeiro, eu tive que me relacionar com um violonista, agora grande amigo, que por necessidade própria deixou um violão de sete cordas prostrado na minha casa. É curioso como a bondade é abundante e nos escapa: a necessidade dele de não ficar longe do instrumento virou uma bondade despretensiosa de me ensinar três acordes.

_ Vem, Karina, deixa eu te mostrar como se faz o dó. Olha, vou te ensinar só três, e aí você já vai poder tocar várias músicas. Dó, Sol e Ré. Só isso.

A Karina com mania de perfeição aceitou com resistência os ensinamentos, com medo de fazer feio em frente ao músico quase formado. Quanta bobeira: o que poderia ser mais bonito do que a primeira vez com que se faz uma arte? Nada é erro nessa ocasião, tudo é experimentação.

De onde surgiu a vontade dele de me ensinar ? Poderíamos divagar longamente sobre as causas e condições que o levaram a sair do Maranhão para São Paulo, e depois para a faculdade de música no Rio, até a decisão de ser vocalista de uma banda de blues, estilo o qual ele nem gostava tanto mais. Sim, blues — foi num show de blues dele que nos conhecemos. Eu queria cantar, não conhecia muitos músicos na cidade, e o abordei.

E eis que havia um violão na minha sala. Olhava para aquele instrumento com a estranheza e admiração de quem acaba de ganhar um novo objeto de decoração, e diante de tantos momentos de solidão, me era impossível não experimentar, sozinha, aqueles três acordes…

A dificuldade de tocar os baixos era grande, já que aquela sétima sempre ficava ali, embarreirando o entendimento já parco dos mistérios das cordas. De acorde em acorde comecei a identificar dezenas de músicas maravilhosas as quais eu conseguia tocar. Uma das primeiras foi Rie Chinito, do grupo argentino Perotá Chingó, em dó. Os acordes: G, Am, C. Nenhum a mais. E linda.

O relacionamento terminou, mas o violão continuou na minha casa.

_ Posso ficar com ele enquanto minha viagem para os EUA não chega?

Ele não tinha certeza da veracidade da promessa, mas concordou (e eu cumpri). Chegando na terra do Tio Sam, foi ele que me ajudou a comprar meu atual violão — um Lucero, desenhado na Califórnia e feito na China; e também a encontrar um professor americano que parecesse gostar de música brasileira. Encontrou.

Desde então o violão se faz presente na minha vida. Eu, cantora que sou, só consigo compor a partir dos acordes. Depois é que vêm as linhas melódicas. Toco para me distrair, para me divertir, para me entristecer, para me sentir menos só, para congregar com os amigos… e para contemplar todas as causas e condições que levaram à existência própria desse instrumento.

Eu teria tocado violão se não houvesse conhecido meu ex-romance e atual amigo? De fato, talvez tenha sido esse encontro o turning point para a entrada definitiva do instrumento em minha vida. É isso. Ele é o ‘responsável’.

Ou… pensando bem… eu nunca teria ido àquele show de blues se meu melhor amigo não tivesse topado ir comigo, e ir shows de blues não era nada costumeiro a nós. E se ele não tivesse aceitado o convite?

Ainda me ocorre que eu só busquei aquele show porque fiz uma imersão no estilo musical americano, guiada por um amigo e ex-professor de faculdade. E se meu ex-professor não estivesse disposto a compartilhar comigo sua paixão pelo blues? E se eu não estivesse disposta a escutá-lo? Parece que tudo se apoia ‘importantemente’ em decisões e interações corriqueiras, ‘desimportantes’.

Eita.

Sinto um arrepio na espinha. Aonde a escrita dessa crônica pode me levar? Sorrio. A vida está em aberto. :)

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