Por que não?

Karina Rodrigues
Catarse Crônica
Published in
5 min readJul 19, 2021

Marina estava entediada. Era um domingo nublado em Laranjeiras, com um número total de zero amigos dispostos a sair de casa. E como os jovens millenials solteiros costumam lidar com o tédio? Em aplicativos de encontros.

Depois de algumas passadas de dedo para a direita e (incontáveis) para a esquerda, Marina enfim ganha um ‘match’ digno de conversa.

_ Boa tarde, Marina! Tô feliz com o nosso match :)

_ Ei Gustavo! Poxa, vi que você é budista, adorei! Adoro meditação.

Gustavo tinha um misto de características intrigantes. Tinha tudo para ser um nerd meio sem borogodó - fã de animes, fazia cosplay, usava óculos de lentes grossas. Contudo, ele também se exibia em fotos de eventos descolados no Rio de Janeiro, sempre ostentando um sorrisão de quem não precisava de músculos protuberantes para saber do seu valor e poder de sedução. A confiança era tanta que ele a chamou para sair naquela tarde mesmo.

_ Marina, nossa conversa está boa demais. Olha, eu tenho esse churrasco com meus amigos que fazem cosplay. Se você já curtiu essa vida de jogar RPG, com certeza vai adorar minha galera. Só não vou poder ficar muito tempo lá, umas duas horinhas, pois tenho que ir ao Templo Budista às 17h. Bora ir lá comigo?

Depois de uma breve checagem de antecedentes, jogando nome completo do pibe no google e fuçando ao menos cinco anos de postagens no Facebook e Instagram, Marina pensou: “É aqui perto de casa… se for bom, já marcamos a próxima. Se for ruim, já tem hora para acabar… por que não?

_ Vamo!

_ Me encontra na portaria do meu prédio às 15h então!

_ Combinado ^^

Nossa heroína almoçou, tomou um banho e colocou aquela roupa arrumada casual que qualquer evento do Rio de Janeiro exige. Arrumou a bolsa, desceu o elevador e, já fora de seu prédio, contemplou aquele silêncio bom de domingo. Nublado e meio frio, o Rio parecia até outra cidade. A caminhada até a Pinheiro Machado não foi longa, e eis que em 15 minutos ela já estava lá na portaria do prédio.

_Ei moço, já estou aqui em baixo!

_Oi, então, daqui a pouco eu falo contigo, parece que aconteceu algo lá com meu amigo queria fazer o churrasco, mas ainda não entendi bem o que houve.

_Ok…

Ela estava na rua e ventava frio. *péééin* Ela toca o interfone, para falar com o porteiro.

_ Tudo bom, moço? Estou aqui esperando o Gustavo, eu poderia esperar dentro da portaria?

_ Ele não me falou nada não. Vou ter que interfonar.

Eis que pela primeira vez na história da cidade do Rio de Janeiro um porteiro realmente se deu ao trabalho de não abrir o portão para qualquer pessoa minimamente bem vestida que aparece. E Gustavo simplesmente não atendia os chamados do porteiro. Mas os sinais que o universo mandava para Marina, de que talvez fosse melhor assistir Domingão do Faustão do que sair de casa naquele dia, passavam desapercebidos diante do otimismo da moça. Ela resolve mandar uma mensagem de áudio:

_Oi Gustavo.. então, já estou aqui embaixo tem uns 15 minutos… Vai ter mesmo churrasco? Podemos marcar de nos conhecer outro dia também.

Ele liga:

_ Oi moça, me desculpa a demora, estava falando aqui com meus amigos. Não vai rolar mesmo o churrasco, mas tem um amigo meu vindo para cá com o drone que ele acabou de comprar. Ele me chamou para testar o aparelho junto do meu, que já tenho a um tempo. Vamos ali no Aterro do Flamengo, quer ir com a gente?

Ignorando propositalmente o fato dele não ter considerado sua opinião antes de marcar esse rolê, Marina pensou na blusa que ela tinha escolhido para sair - se quisesse usar novamente, teria que passá-la. Pensou também no óleo de alecrim que passou no corpo, no perfume cruelty-free exalando do pescoço e concluiu: “já estou fora de casa… por que não?”

Gustavo finalmente aparece na portaria, segurando uma caixa de tamanho médio na qual continha seu drone. Eles se cumprimentaram e logo a conversa inicial foi interrompida com a ligação do dono do segundo drone, avisando que chegava em cinco minutos. O moço não era tão bonito quando as fotos do aplicativo sugeriam, falava meio esquisito, mas assim, não sejamos preconceituosos, ele ainda pode ser legal e só meio enrolado, vai saber o que aconteceu com os amigos que cancelaram o churrasco? E assim ela dançava no baile do justificar o injustificável para os outros.

O amigo chega — de carro — “meu Deus, então meu ‘sim’ ao rolê inclui eu entrando no carro de um completo desconhecido, junto de um date (defina date…) de aplicativo de relacionamentos, para brincar de drones no Aterro do Flamengo?”. Mas, entre se arrumar, chegar lá, esperar no vento frio e a chegada do amigo, ela já estava lá há quase uma hora, então… POR QUE NÃO?

Após uma breve apresentação, Marina se vê no banco detrás de um Toyota: à sua frente, dois amigos ignorando sua presença ali e falando do drone recém comprado; ao seu lado, as caixas com os drones. Naquele momento já havia ficado claro para ela que, na próxima parada, era chegada sua hora de ir para casa. Ainda imperava o otimismo em seus pensamentos: “ainda bem que vim com um sapato confortável, dá para caminhar na orla e aproveitar a vista”.

Sem aviso, o motorista para o carro na praia do Flamengo, perto da casa do amigo que havia cancelado o churrasco.

_ Poxa, Marina, demos uma parada aqui para saber o que aconteceu com nosso amigo, o Rômulo. Vamos ligar para ele agora.

Ela já tentava achar a brecha para dizer que estava indo embora para casa, mais foi interrompida pelo amigo do churrasco, que atendeu a ligação. O semblante de Gustavo se modificou bruscamente ao telefone, deixando um moreno pálido quase que nem um pó de arroz. Ao desligar, falou:

_ A Tati, noiva do Rômulo, morreu hoje mais cedo lá no apê.

Demorou, mas Marina compreendeu o conjunto de sinais do universo. Pensou nas séries que ainda não havia finalizado, na comida que poderia fazer para não ter que cozinhar durante a semana e, especialmente, em não estar envolvida em um velório de uma pessoa completamente desconhecida. Voltar para casa… por que não???

_ Gustavo, você parece um cara legal (ela mentiu), mas eu acho que está na hora de eu ir para casa.

_ Tem certeza? Você não está muito longe de casa? Acho que ainda vamos no Aterro mexer nos drones…

_ Melhor não. Tchau, Gustavo!

Nos finais de semana seguidos ao fatídico domingo, Marina esbarrou com Gustavo em duas festas distintas. Na primeira, se cumprimentaram, meio sem jeito. Na segunda, ambos fingiram que não se conheciam.

P.S.: Só escrevo textos ficcionais. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência! :)

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