Selva urbana

Karina Rodrigues
Catarse Crônica
Published in
2 min readSep 23, 2021
Folhas do meu Antúrio

Essa folha é de uma famosa ‘planta de vó’ (ou ‘planta brega’, para os amargos). Isso mesmo, vai lá e digita no Google essas buscas. Dentre os primeiros resultados o Antúrio estará lá. Fálico, colorido e bem anos 70–80, combinando com meu chão de taco.

As plantas vêm, gradativamente, dominando minha casa. Para além do antúrio, sobrevivente dos fungos aos cuidados minuciosos de um grande amigo, já acumulo espécimes de Babosa, suculentas, espadas de São Jorge de alguns tipos, uma filhotinha de Zamioculca, Sálvia-dos-jardins, Jiboias e um pé de Ora-pro-nobis.

Algumas delas têm relação direta com algumas pessoas queridas. A estrela da foto é homenagem explícita à minha avó mesmo, que adorava a espécie e a cultivava no jardim do prédio dela, que ganhou seu nome ainda quando ela era viva. Jardim Eliza. Outras foram presentes amorosamente cultivados pela minha mãe, que sabe que cuidar é um ato mágico que também nutre o cuidador.

Contudo, há algo no conjunto da obra que é maior do que afeições específicas, e que me é vital pois faz parte de um luto. Cada planta parece que preenche um espaço que eu sinto que… Poderia estar preenchido. Deveria estar preenchido. Que já foi preenchido.

Logo após o fim de um relacionamento, falei em uma sessão de terapia que minha vontade era a de encher a casa de plantas, na tentativa de preencher o grande vazio, a grande ausência que sentia. Aquela sala, naqueles dias, era imensa. Dez vezes maior do que a vastidão do Planalto Central. Depois, me lembro muito bem de ter sonhado com minha casa abarrotada de plantas por todas as paredes. “É um jeito bonito que seu inconsciente encontrou de dizer que sente falta”, disse a terapeuta.

Quando lembro dessa sessão, um filme vem à minha mente com amores que, ao partir ou ‘serem partidos’, deixaram um espaço sem matéria, sem presença. Um oco no meio da sala e do meu coração. Amores familiares, amores românticos, tempos, e Karinas. As plantas foram se ‘aprochegando’, e se tornaram relicários vivos de coisas boas que não gozam mais da possibilidade de repetição. As plantas crescem dos ruídos e emanações que gero, absorvendo-os e deles se nutrindo, mas parece que nasceram do amor deixado ali, por quem partiu. Tão viçosas! Nesse desbunde de vida, abrigam toda outra cadeia de seres: coleirinhos à beira da janela, fungos, larvinhas e mosquitinhos, que se nutrem tanto de mim como das emanações de outros amores familiares, amores românticos, tempos e Karinas, em eterna retroalimentação.

Elas são, ao mesmo tempo, produto e testemunha de amor e de tentativa de amor. A água e o adubo são mera contingência. Em retorno, elas me brindam com a aveludada ausência do eco de uma casa que poderia estar oca, vazia.

Não está.

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