Em processo

Evelyn Mackus
catching feelings
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5 min readAug 13, 2018
Fotometrando em uma saída fotográfica pra a faculdade no ano passado. Por algum motivo, achei que essa foto combinava com o texto :)

Abro o chuveiro. Deixo que a água quente caia sobre meu corpo e mudo o termostato — mais quente. A água escaldante sempre me fez bem e, de uns tempos pra cá, se tornou o primeiro passo de um processo muito pessoal pra limpar meus pensamentos. Inspiro, sentindo o vapor subir por minhas narinas. Solto o ar e deixo minhas costas relaxarem. Tá tudo bem.

Eu nunca tive dificuldade em entrar em contato com meus sentimentos — na verdade, sempre foi o contrário. Entrar em contato demais e sentir além da conta é uma tendência minha, e talvez essa seja a razão de eu estar sentindo tanto. A saudade volta simulando aquela dor de pontadas, aguda e devastadora. E eu costumo lidar bem mal quando elas se tornam frequentes.

Quase sempre o ingrediente principal da dor são flashbacks, bons ou ruins. Podem ser de quando eu era abraçada e nada no mundo existia além de nós dois, dos sorrisos, das brincadeiras. Dói tanto ou até mais do que quando as lembranças são das vezes em que eu o vi indo embora. Deixando o meu quarto de cabeça baixa após a conversa decisiva. Virando as costas enquanto eu passava pela catraca. Olhando pra trás timidamente, deixando explícito que, se fosse só sobre querer, não aconteceria.

Quando acabou, ouvi com carinho muitos conselhos, esboçando um mapa singelo do que fazer até alcançar a utopia da superação. Foca nos seus projetos, escutei, e foquei — mergulhei de cabeça no trabalho, entrei no curso que namorava há meses, executei pautas que me deixaram orgulhosa e agarrei oportunidades. Cuida de você, escutei, e descobri os lugares e sensações que me agradavam individualmente, tentando me reinventar e me desvincular da metade que me tornei após anos de relacionamento.

Há poucos dias, em uma festa, uma amiga foi sincera e me disse, entre goles de cerveja: “falam de muitas partes do processo, mas não mencionam as recaídas.” Deixei que ela falasse. “E não falo nem de ficar outra vez após o término e coisas assim. Recaída também é quando a saudade volta e aperta. Por mais que você esteja bem, essas quedas fazem parte do processo”, afirmou, me dando tapinhas no ombro ou algo assim.

Fiquei pensativa, contemplada e entendendo um pouco melhor. Nos primeiros meses após a despedida, achei que estava indo bem — foquei nas minhas questões, conheci novos movimentos, até me envolvi com pessoas novas. A falta era constantemente reprimida e, talvez por isso, no dia em que ela bateu com força, fiquei derrubada, sem entender e me achando boba por, depois de tanto tempo, me afetar de tal forma pelas mesmas questões de sempre.

O que mais demorei para entender foi que o processo de superação, seja de um relacionamento ou de qualquer questão que mexa seriamente com nosso emocional, não é linear. Se for jogar pro racional e, sei lá, colocar num gráfico, é muito comum pensar que vai ser uma linha reta, onde você vai sofrer no início e melhorar aos poucos, gostando cada vez menos, sentindo menos falta a cada dia.

Na vida real, não é dessa forma. Tá mais pra aqueles gráficos malucos em que a linha do nada cai e se aproxima do 0 — bem instável, bem imprevisível. Em alguns dias, você vai sentir como se as coisas estivessem se encaminhando para, finalmente, tudo ficar bem. Em outros, o sentimento é de que o mundo vai cair sob suas costas, a agonia vai te fazer achar que vai morrer e superar de uma vez por todas vai parecer uma missão impossível. Loucura, né? Se você também é familiarizado com a ideia de sentir demais, deve ser cotidiano.

“Tô em processo”, foi o que eu disse para a minha professora após tentar dar a primeira estrelinha da minha vida. Ela riu e elogiou, afirmando: “é exatamente sobre isso.” E é. Tudo na vida é um processo — e são nessas lições, curtas ou longas, nessa falta de linearidade e, principalmente, nesses altos e baixos, que a gente aprende. É no processo de superação que a gente entende, aos poucos, qual é o motivo de estarmos vivendo aquilo. Às vezes, meu apelo entre soluços (perdão, dramaqueen aqui) é para que algo aconteça e eu supere sei lá, apertando um botão; perder a capacidade de ter sentimentos já foi algo cogitado, também. Mas, se não for pra aprender com as situações, qual é o propósito? Pra que a gente tá aqui, afinal?

Ontem, decidi pelo ponto final. Bebendo o copo d’água da dignidade após uma choradeira merecida, entendi que o drama finalmente me cansou. Me desesperar encheu o saco, e voltei à minha filosofia de que, se não há nada a fazer, não tem porque insistir no sofrimento. Não sei se isso significa voltar ao início do processo — focar em mim de novo, mergulhar nos meus projetos outra vez — mas a vontade de seguir em frente predomina, assim como o respeito por mim mesma e a compreensão de que tudo o que eu podia fazer, já fiz. E tá tudo bem em desistir se é pra cuidar da gente, principalmente nessa situação.

Isso não significa que não vou sofrer por isso nunca mais — se eu dissesse isso, contradiria todo o discurso da recaída que fiz acima. Depois de muito sofrimento, compreendi que a dor aguda da saudade faz parte do processo, e que é totalmente normal sentir falta após cortar um vínculo importante e que fazia muito bem, seja um relacionamento, um emprego legal, uma amizade ou qualquer coisa que entre nessa descrição. Uma recaída não é uma falha, não é algo errado — elas são humanas e quase essenciais para que tudo aconteça da melhor maneira possível, sem que ninguém minta pra si mesmo. Sentir falta não é errado. Na verdade, eu nunca vejo sentir como algo errado.

A partir daqui, minha prioridade é entender que, apesar de tudo o que aconteceu, eu continuo viva. Nada pode tirar de mim a capacidade de me reinventar até entender, cada vez mais, o que me faz feliz — e, principalmente, como fazer isso sem depender de outro ser humano. Percebi que a felicidade, assim como a maioria das coisas, é um processo, e que não precisa ser constante. É normal que o céu fique nublado, às vezes — e que o pensamento acompanhe essa mudança de tempo. Basta manter em mente que as coisas ainda voltarão a ser ensolaradas, e se manter firme para aproveitar quando isso acontecer. ♥

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Evelyn Mackus
catching feelings

a sentimental girl de “supersoaker”. chaotic good, doida dos gatos, jornalista e contadora de histórias