Se eu minto para mim, imagina pra você, meu bem

Evelyn Mackus
catching feelings
Published in
3 min readDec 1, 2018

“Tô entre tirar sua roupa e tirar minha vida”, sussurram meus fones de ouvido enquanto caminho em direção ao início de mais um dia. “Que constante dolorida”, penso, os olhos cansados e o humor de quem, por decisão do atraso, pulou a saciação do primeiro vício do dia (droga, eu deveria ter tomado café). Que dolorido não ter certeza sobre sentimentos, decisões, pessoas. Que dolorido atravessar a rua sem olhar por saber que o máximo que pode acontecer é um alívio traumático do tédio, uma reclusão repentina e fortíssima à rotina. Droga.

“Tenho medo de me conhecer…” Pela janela do ônibus, fito o céu nublado e penso no quanto esse tempo influencia no meu humor. Não evito pensar no que tem acontecido. Quantas quebras bruscas aconteceram esse ano? Quantas vezes eu senti que meu coração se despedaçaria, que chorei pensando que nunca mais seria capaz de amar da mesma forma por conta das distorções que o destino e as colisões bruscas fizeram com o meu conceito de amar?

15% de toda a minha vida investidos em um amor que encerrou-se após meses de negação em uma noite fria e terna. Meses de recuperação — e o sentimento de que as cicatrizes profundas perdurarão, que todas as minhas histórias de amor serão vividas pela pessoa que me tornei por conta dele.

Dois meses de confusão com alguém que não tinha peito para suportar tudo o que despertou em mim. O clichê diz que é suicídio mergulhar de cabeça em amores rasos. Eu me sinto com os ossos do rosto deformados e calejados de tanto cair de cabeça, por não saber outra maneira de me relacionar senão me entregar completamente, sem os pés no chão, prevendo a queda mas ignorando a dor e as sequelas. E quantas sequelas…

O último capítulo foi marcado por um arranque brusco, com pneus cantando — daquelas sensações que incendeiam o estômago com borboletas. Um amor a 250km/h, até a frenagem repentina para evitar acidentes piores. A força de aceleração era intensa, contínua, progressiva, condizente ao que eu sentia quando suas mãos alcançavam minha cintura.

“Cê é linda”, ele disse, na arrancada. Aos 80km/h, “eu te amo” foi pronunciado, e a velocidade aumentava — distâncias cada vez maiores percorridas em intervalos perigosamente reduzidos. 120km/h: “Namora comigo?”, entre risos e pupilas dilatadas. Eu me senti a 200km/h quando ouvi de seus lábios: “você foi a melhor que eu já tive”, e continuava, sob o combustível da absoluta reciprocidade. Os 250km/h foram atingidos no primeiro “você é o amor da minha vida”, que teve a dificuldade de acreditar e corresponder como moldura para a imagem do freio sendo pressionado com força.

Metros a mais foram percorridos após o sinal da interrupção e do fim da aceleração. Não houve colisão — apenas um susto, eu acho. Mas meu fôlego foi roubado e o cinto de segurança apertou bruscamente meu peito, me obrigando a descer em prantos — exausta, absolutamente traumatizada e disposta a nunca mais chegar perto do risco de alcançar essa velocidade outra vez.

Me arrastei pelo chão e prometi que nunca mais me submeteria a esse tipo de situação. Sem mergulhos, sem entregas, sem encrencas. Chorei por alguns dias. Passou, e eu, com o coração criando ligas entre os pedaços dilacerados, me declaro fechada para balanço.

“Se eu minto para mim, imagina pra você, meu bem”, me assusto. Desço, pensando no quanto as coisas seriam mais fáceis se relacionamentos tirassem menos do meu tempo e da minha energia. O celular vibra. “Ei, bom dia”, diz a mensagem. Reviro os olhos, franzo os lábios e ignoro, por um instante, meus avisos, limitações, embargos e possíveis consequências drásticas. Prossigo a caminhada. “Pra mim também.”

--

--

Evelyn Mackus
catching feelings

a sentimental girl de “supersoaker”. chaotic good, doida dos gatos, jornalista e contadora de histórias