Sobre decisões, pós-adolescência e um refúgio familiar

Evelyn Mackus
catching feelings
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4 min readApr 17, 2018

Sinto o vento bater em meu rosto e apoio as costas no banco do ônibus, quase forçando minha coluna a relaxar. A dor aguda anuncia a exaustão em que a rotina de trabalho ininterrupto me deixou — mas a brisa gelada que me atinge da janela me lembra que estou viva e, finalmente, com o tempinho pra mim que meu corpo tanto clamou nas últimas semanas.

Tomei uma decisão que eu nunca pensei que tomaria, e o impacto imediato dela me tomou de assalto, ainda que não tenha me derrubado. Férias breves — 4 dias de folga decididos em minutos, motivados pelo desespero de eu estar me afundando na universidade. Tive algum tempo para estudar para a prova de Revista. Terei uma tarde para rascunhar a primeira versão do meu texto sobre psicologia do esporte. 4 dias para salvar pelo menos 8 semanas de negligência.

Após esse período, voltarei à redação onde eu sonho em estar desde antes de decidir viver de jornalismo (mas depois de ter decidido viver de escrita). Programarei postagens e produzirei conteúdo que será impresso na minha revista preferida por mais cerca de 3 semanas, as quais tenho certeza que serão regadas de nostalgia e sofrimento antecipado. Tá tudo bem. Foi uma decisão limpa. Mas o coração frágil de quem teve de decidir entre as duas carreiras dos sonhos nunca esteve tão partido.

Nem aos 15 anos, quando vi o rapazinho que eu amava beijando outra moça, meus sentimentos estiveram tão nublados. As cenas, porém, têm alguma semelhança — eu sabia que não o perdoaria, e mesmo adolescente, tinha a lucidez de que o caminho seria superá-lo, por mais doloroso que fosse. Dessa vez, porém, a dor tem outro sentido: não houve confusão ou drama no anúncio. Eu sabia o que deveria fazer, e o fiz.

Aos 19 anos, brinco com o termo pós-adolescente, citando situações como gastar metade do meu salário pagando alguma conta pendente e sofrer com o extrato bancário. Ainda não me sinto adulta, mas a adolescência se mostra cada vez mais longínqua quando uma decisão desse porte é tomada sem lágrimas, sem desespero e sem confusão. Eu não disse “eu acho que vou ficar só no nosso portal”. Eu comuniquei que vou ficar só no nosso portal. A decisão foi cravada, e me assustei com a facilidade de dar certeza, sem rodeios.

Aos poucos, a garota que eu sonhava em ser levanta o nariz e se torna a mulher que eu mal visualizava me tornar. Fui estagiária na revista onde, aos 10 anos, sonhava em ter meu nome impresso, e tive coragem para entender que sonhos são maleáveis e nosso compromisso é muito mais com onde decidimos investir nosso tempo do que com idealizações de nossas versões antigas. Eu nunca tive medo de mudanças — mas admito que é surpreendente ver o quanto lidar com elas se tornou tranquilo. Está tudo bem — isso tira meu fôlego.

Um novo capítulo da minha vida se inicia ao mesmo tempo em que um dos mais legais e emocionantes dele se encerra, misturando as narrativas. Eu, que sempre levei como mantra a ideia de que a vida é feita de ciclos, finalizo mais um com a ressaca de quem gostaria de levar tudo nas mãos como uma malabarista, mas que entende que dedicar a vida à minha paixão não é uma opção, e sim o único caminho possível.

Encerro mais um ciclo decisivo e inesquecível — é o terceiro só esse semestre. Acho que, finalmente, desenvolvi a capacidade para encerrar situações sem acreditar que o mundo está acabando. Um bilhete assinado com um sorriso. Dezenas de mensagens respondidas apenas com duas setinhas azuis. Uma conversa franca e decidida. Formas de comunicação distintas com um único desfecho possível — o fim de uma boa história.

Apoio outra vez a coluna sequelada, agora na pilha de cobertas na cabeceira da minha cama de solteiro. O Romeu e a Nami descansam em meus pés, sobre algumas roupas que larguei ao voltar da faculdade. Recebo uma mensagem engraçada de um dos meus melhores amigos. Olho em volta — Romeu, Nami, sapatos jogados. Uma pilha de uns 50cm de revistas em uma estante, sob uma pilha de 20cm de CDs, sob uma pilha de livros, sob uma pilha de mangás.

Ao lado, duas prateleiras com mais livros do que eu poderia contar, os quais já cansei de organizar em ordem alfabética ou por cor e agora mal estão com as lombadas viradas para mim. Abaixo, um cartão postal enquadrado da obra “Saudade”, de Almeida Junior —me apaixonei à primeira vista quando a vi na Pinacoteca. Uma luminária. Um porta-retratos com a foto da minha primeira viagem com meu melhor amigo.

Em minha frente, um planisfério, posicionado estrategicamente há alguns anos muito mais do que pela paixão em observar o quanto nosso planeta é imenso e incrível, mas pra me lembrar que eu sou sonhadora por natureza, e o mundo inteiro é meu. Sempre foi e sempre será, cada vez mais. Em minha pele, uma rosa dos ventos perpetuada para me lembrar do mesmo.

Depois de meses utilizando-a apenas como instrumento de trabalho, a escrita é outra vez meu refúgio e minha melhor amiga. Fico feliz por reaprender a despejar meus sentimentos e traduzi-los em palavras. Respiro fundo, pensando no quanto minha decisão mais certeira — e difícil de ser tomada, por incrível que pareça — foi dedicar cada centímetro do meu ser à ela.

Tá tudo bem.

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Evelyn Mackus
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a sentimental girl de “supersoaker”. chaotic good, doida dos gatos, jornalista e contadora de histórias