Aldemir Martins e as cores do Nordeste

O artista representou a natureza e a gente do Brasil em cores fortes e traços marcantes.

Redação para Mídias Digitais
Catorze Trinta Ed.5
9 min readJul 1, 2022

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Aldemir Martins foi um artista autodidata que abraçou a experimentação e a inovação. Sua técnica passeia por várias formas de expressão, usando os mais diferentes materiais, entre madeira, papel de carta e diversos tipos de tecido.

“Não há limites claros para o exercício da criação de Aldemir Martins. Ele trabalhou em praticamente todos os segmentos existentes na sociedade brasileira. Aldemir, com maestria, exercitou nas técnicas tradicionais da pintura, desenho, gravura, cerâmica e escultura. E avançou, de acordo com o avanço dos meios de comunicação do país, nas áreas do desenho industrial, da ilustração e do trabalho eletrônico de séries televisivas”.

Jacob Klintowitz — Crítico de Arte

MARTINS, Aldemir. Aldemir Martins: natureza a traços e cores. São Paulo: Valoarte, 1989.

Vida e arte

Aldemir Martins, filho de uma indígena, Raimunda Martins, e de um servidor público de Fortaleza, Miguel Martins, tinha uma obra bem plural e marcante, nasceu em Ingazeiras, sertão do Cariri, Ceará, no dia 8 de novembro de 1922, começando seu caminho artístico logo cedo.

Desde criança já era conhecido no Colégio Militar com seus desenhos característicos, sendo escolhido como orientador artístico da classe.

Com 19 anos Aldemir fez parte da SCAP, Sociedade Cearense de Artes Plásticas, grupo esse que revolucionou a produção artística cearense, foi quando pode ter um contato direto com outros artistas e obras de arte, fato que não era comum no cenário regional, porque a valorização artística ainda se encontrava no sul do país, foi o cenário de “renovação” da arte cearense, que contou com Aldemir, Antônio Bandeira, Mario Baratta e outros artistas.

Na mesma época, o cearense servia ao exército e ganhou a curiosa patente de “Cabo Pintor”, pois era responsável pela pintura das viaturas. Mas sem deixar de lado sua veia artística criativa, pintando e desenhando também nas horas vagas.

Viajar e conhecer outras paisagens é marca do pintor. O gosto por experienciar o novo levou-o para o Rio de Janeiro, onde participou de uma coletiva de artistas cearenses na Galeria Askanasy, organizada pelo pintor suíço Jean-Pierre Chabloz.

Logo depois foi para São Paulo, realizando sua primeira exposição individual aos 23 anos, no Instituto dos Arquitetos do Brasil — IAB/SP. Aldemir também morou em Roma e logo depois retornou ao Brasil definitivamente.

Um coração nordestino

Lugares, frutas, animais, paisagens e até contos típicos do Nordeste brasileiro ganham cores e uma diversidade de formas nas obras de Aldemir.

Durante sua infância observava bastante os elementos da natureza ao seu redor, banhado pela mata branca em fronteira com a mata atlântica. Não faltava para o artista referências paisagísticas, além disso, durante sua infância ouvia bastante histórias como a de Lampião, fato, que posteriormente seria retratado em suas pinturas.

Nas obras de Aldemir é perceptível uma diversidade de técnicas, variação de cores e a intensidade pictórica dos trabalhos do artista relatam as alusões indígenas e nordestinas que viveu.

Assim como também são presenças recorrentes em seus trabalhos galos, gatos e peixes, que estão presentes no imaginário do artista graças a um pedido de sua professora para que pintasse de vários desses seres aquático e desde então nunca se desgrudaram do coração do artista, que mesmo quando adulto não deixou de lado a imagem do animalzinho.

Imagens de jogadores de futebol como Pelé e Rivelino, também foram imortalizados pelas suas mãos, não negava seu amor pelo “estilo brasileiro de ser” o amor e felicidade que só nossa terra proporciona.

Obras simplesmente marcantes

Família de Gatos, 2003 — ©Aldemir Martins
Cangaceiro, 1975 — ©Aldemir Martins
Paisagem com Paia e Coqueiro — ©Aldemir Martins
Galo, Gravura 77/100, 1986 — ©Aldemir Martins
Natureza Morta, Serigrafia 21/150, 2003 — ©Aldemir Martins

Todo espaço é espaço de arte

Durante seu percurso como monitor do Museu de Arte de São Paulo produziu o álbum de gravuras Cenas da Seca do Nordeste, com prefácio de Rachel de Queiroz. Além da oportunidade de ilustrar “Vidas Secas” de Graciliano Ramos. Os trabalhos mostram grande influência de Candido Portinari, tanto no tratamento do tema como no traço.

“Talvez por ser assim tão violento o sol, tão áspera a terra, tão cruel a seca, tão devastadoras as enchentes, tão pobre o homem em chão rico, talvez para compensar tanta dificuldade a enfrentar e a vencer, do sofrido povo do Nordeste nascem os grandes criadores, os poetas, os romancistas, os músicos, os pintores. Nasce Aldemir Martins, mais do que nordeste, o próprio Nordeste”.

Jorge Amado — Escritor

ARTE E ARTISTAS. Biografia de Aldemir Martins e sua obra. Sítio Arte e Artistas: https://arteeartistas.com.br/biografia-de-aldemir-martins-e-sua-obra/. Acesso em: 13 de junho de 2022.

A premiação como Melhor Desenhista Internacional na 28ª Bienal de Veneza em 1956 pode ser considerado o ápice da carreira do artista cearense. O prêmio levou Aldemir a expor seu trabalho em diversas partes do mundo, consolidando sua presença no cenário internacional das artes plásticas.

O sucesso nas artes plásticas impulsionou a carreira de Aldemir dentro de outros espaços, além de museus e galerias, suas ilustrações passaram a compor estampas para tecidos da Rhodia Têxtil, assim comoa parelhos de jantar da série Goyana de Cora, até joias em outro e prata.

Já na época de 1980, fez ilustrações para embalagens de diversos produtos: rótulos de vinho, latas de sorvete, jogos de mesa.

Um artista multimídia

Vestido trapézio curto, 1966 — ©Aldemir Martins
Antiga lata de sorvete, da Kibon, com desenho de Aldemir Martins.

O trabalho de Aldemir chega também nas telas da televisão e assina as vinhetas de “Gabriela Cravo e Canela (1958) e “Terras do Sem Fim” (1943), ambas da TV Globo.

“A sua abertura para uma das telenovelas de maior audiência do país, Gabriela, Cravo e Canela, realizada a partir de romance homônimo de Jorge Amado, é uma das experiências mais emocionantes da televisão brasileira, é uma das obras em que o artista junta, numa argamassa única, a sua qualidade expressiva de desenhista e pintor, o seu conhecimento das entranhas emocionais do país, a sua percepção da comunicação em massa e a utilização dos meios tecnológicos modernos.

Nessa abertura, suíte preparatória, apresentação do tema, caracterização emocional da realidade e da motivação do telespectador, Aldemir Martins interfere diretamente no saber anônimo da população, oferece novos padrões de entendimento e produz uma abertura pioneira das possibilidades inerentes aos processos tecnológicos de comunicação. Talvez, dada a integridade da motivação e da iconografia pessoal, não haja realmente limites para o artista moderno. Outra afirmação de nossa época. É por isso que o artista pode fazer padronagem de tecidos, ilustração de objetos cotidianos, decoração de formas industriais, murais e, ao mesmo tempo, conservar íntegro e em expansão o seu universo particular, a sua iconografia pessoal e a empatia entre o seu saber e o saber de seu povo”.

Jacob Klintowitz — Crítico de Arte

MARTINS, Aldemir. Aldemir Martins: natureza a traços e cores. São Paulo: Valoarte, 1989.

Da revolução modernista as salas de museus: MAUC o primeiro museu de arte cearense.

Foto por Pedro Furtado

40 anos de Aldemir Martins no MAUC

O Movimento Moderno do Brasil e Aldemir Martins nasceram em 1922. Talvez essa coincidência tenha gerado aproximações estéticas entre as obras do artista e o movimento.

O artista contribuiu com a preservação e valorização dos elementos nacionais, principalmente, do Nordeste brasileiro, uma das características primordiais do movimento, além do conceito de liberdade, onde o artista cumpria com maestria quando em cores e variadas formas representava tudo que poderia imaginar.

Dessa forma, em 1973, o artista expôs suas obras no Museu de Arte da Universidade Cearense (MAUC), hoje Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará, que na época comemorava seus 18 anos, daria inicio a uma longa relação com o artista, que se perpetua até os dias de hoje.

Em 1979 o artista recebe sua sala permanente no MAUC após uma doação de um conjunto de obras provenientes do Mini Museu Firmeza que compõem uma exposição retrospectiva.

“Aí está a minha oferenda, são pequenos quadros, retratos 3×4, quotidianamente, no dia-a-dia de tudo que faço, flores, gatos, galos, rendeiras, cangaceiros amantíssimos, frutos do meu amor ao Ceará: pra vocês amigas e amigos, de hoje e de sempre”

Aldemir Martins para o MAUC.

Aldemir Martins perto de você

Inspirados no artista, trouxemos um nova forma para os leitores conhecerem e interagirem com suas obras. Quer conhecer algumas das mais famosas pinturas de Aldemir por outro ângulo?

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Obras reproduzidas no conteúdo: “Pássaro Azul”, “Gato Amarelo”, “O Galo” e “Gato”

O legado de um artista inovador

“A grande descoberta da pintura moderna foi a conceituação da cor como expressão em si própria” (…)

Em meio a tais parâmetros vive a pintura de Aldemir Martins, hoje mais preocupado com a cor que com a forma; cada vez mais construindo seus espaços a partir da energia colorística que o habita, sempre fiel à temática do Nordeste brasileiro, fiel à ‘projeção da verdade do ser, como obra’ de que nos fala Heidegger, ao definir a obra de arte.

Há certas afinidades com Gaucuin, que elegeu as ilhas dos mares do sul como tema. Aldemir, por oposição, elegeu o Nordeste seco, quase desértico, mas o recriou com cores selvagens, como se fora um fauve; e o analisa, como um cubista o faria, sem perder a subjetividade poética ao construir/desconstruir espaços na tela. A cor é tão mais importante, hoje, para o pintor Aldemir, que seus temas se repetem (…).”

Alberto Beuttenmüller — Artista Plástico e Crítico de Artes Visuais

Martins, Aldemir. Aldemir Martins. São Paulo: Galeria de Arte André, 1991.

Fontes:

Redação e Formatação do texto: Ismária Vasconcelos. Graduanda de Publicidade e Propaganda, trabalha com marketing e produção de conteúdo para dar voz a marcas que possuem propósito.
Ilustração e Direção criativa: Luana Helena. Graduanda de Sistemas e Mídias Digitais, tradutora de propósitos, ilustradora de sonhos e criadora de ideias.
Pesquisa e Correções do Texto: Pedro Furtado. Graduando de Publicidade e Propaganda, Fotógrafo, desenvolvedor de ideais e especialista em marketing de conteúdo.
Coração Nordestino e Conexão com o MAUC: Caio Souza. Graduando de Publicidade e Propaganda, designer, artista e afro-empreendedor.
Pesquisa e Conteúdo para download: Yasmin Nascimento. Graduando de Publicidade e Propaganda, escrever, conhecer, interagir e compartilhar experiências com diferentes tipos de pessoas.

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Redação para Mídias Digitais
Catorze Trinta Ed.5

Perfil da turma da disciplina de Redação para Mídias Digitais 2019.1 do curso de Sistemas e Mídias Digitais da UFC.