Construção do Abstrato: O imaginativo da expressão

Redação para Mídias Digitais
Catorze Trinta Ed.5
9 min readJul 1, 2022

Francisco Bandeira dedica parte de sua carreira como artista plástico a enaltecer a importância do legado e obras de seu tio: Antônio Bandeira.

O artista cearense que protagoniza a primeira exposição individual do Museu de Arte da UFC e integra o acervo da instituição com mais de 40 obras expostas atualmente está em cartaz na exposição que homenageia o seu centenário, que tem como título: Sempre Fomos Modernos.

A exposição estará aberta a visitação entre os dias 30 de abril a 29 de julho com a oportunidade de conhecer a história deste artista.

“Esta seria uma exposição que poderia ter sido pendurada em Paris, Londres, Nova Iorque ou Rio de Janeiro. E penduro-a em Fortaleza porque creio que a cidade já está acordada para as grandes emoções e os grandes acontecimentos de cultura e sensibilidade”.

(Antônio Bandeira, O POVO, julho de 1963)

Sendo considerado até hoje um pintor de grande importância tanto para o Ceará quanto para o mundo, Antônio Bandeira era um artista em movimento. Migrando, viajando e revolucionando a arte. Ao longo da sua trajetória, ele foi construindo movimentos que continuariam impactando o modo de fazer arte tanto no cenário cultural cearense quanto no cenário cultural mundial.

“Que de menino, na verdade, Antônio Bandeira conservou quase tudo — a pureza, a bondade, o riso aberto, a capacidade de ser fazer querer bem, a fácil convivência, essa deliciosa alegria de viver, a simplicidade, a franqueza. Isto tudo somado, o tornou muito verdadeiro, deu-lhe a marca da autenticidade que fez com que em qualquer esquina do mundo, nos bistrôs da Rive Gauche, em Copacabana, na Bahia, ou em qualquer barzinho de beira de praia em Fortaleza em todos os momentos, pintando, conservando, escrevendo, ouvindo, fazendo poesia, fosse sempre o mesmo homem, o mesmo artista, o mesmo poeta, a mesma personalidade com aspectos tão diversos, e ao mesmo tempo tão unidos pela iluminação do seu universo interior.”

Milton Dias, escritor cearense, 1963

Acompanhe nossa linha do tempo interativa que mostra os principais acontecimentos da vida e carreira do pintor Antônio Bandeira:

Quando o Antônio Bandeira se mudou para Paris e encontrou uma Europa ferida pela guerra, grande parte da sua identidade artística foi desenvolvida durante esse contexto social, cultural e político. Todos buscavam um lugar para fugir dos horrores gerados pelos conflitos e, como consequência, muitos artistas refletiam esses desejos nas artes abstratas.

Bandeira teve o primeiro contato com o abstracionismo nesse período e ficou completamente encantado. Era um estilo que demonstrava liberdade e esperança, que representava os desejos do inconsciente. Ao frequentar museus, galerias de arte, cafeterias, restaurantes e conviver com artistas da vanguarda parisiense, o pintor fortalezense começou a ser inspirado e transformar o seu estilo de trabalho.

A amizade com o alemão Wols (1913–1951), um dos maiores representantes do tachismo, foi de extrema importância para o seu desenvolvimento artístico. Apesar do estilo de pintura do Bandeira ter mudado bastante desde sua saída do Brasil, era perceptível uma evolução dentro do abstracionismo lírico.

O vídeo a seguir é o trecho de uma entrevista exclusiva feita com Francisco Bandeira, onde ele cita a amizade de seu tio e Wols.

Entretanto, a marca registrada do artista era a desconstrução e a preservação de elementos da realidade. Havia um grande embate nas suas criações, para conciliar o abstrato e o figurativo. Enquanto muitos artistas da cena parisiense tentavam expressar o interior e a individualidade do ser humano, Bandeira pintava sobre o exterior e o cotidiano. Além disso, ele fazia experimentos e inovou ao usar vários materiais para compor as peças, como óleo, guache, nanquim, litogravura, couro, etc.

Muitas paisagens, cidades, árvores e catedrais podem ser percebidas em suas obras. Mas, segundo Graciele Siqueira, diretora do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (MAUC), o observador precisa se desfazer dos pré-conceitos da arte moderna e contemporânea, para enxergar o que o Bandeira quis representar em suas criações.

Ao expressar vários estilos artísticos em suas obras, Antônio Bandeira cria uma assinatura quase indefinida, mas que representa os desejos íntimos do artista e a sua visão do mundo. “É essa ambiguidade que torna a pintura bandeiriana uma linguagem polimorfa, uma vez que o autor lança mão tanto de um processo de simplificação — que elimina os detalhes, para reter somente a estrutura que lhe parece mais significativa — ou recorre a um legado de entes geométricos, a um universo de fragmentos ou mesmo a um gestual matérico que sugerem ter sido engendrados pela imaginação do artista”, comenta Almerinda da Silva Lopes, professora de Estética e História da Arte na Universidade Federal do Espírito Santo.

Saulo Rocha, museólogo e educador no MAUC, compartilha sua visão sobre o estilo de arte de Bandeira

Aos que lhe perguntavam sobre o teor das paisagens que realizara na Europa, Bandeira respondia:

“Não mostro paisagens do Sena nem alguns dos vários monumentos. Para isso tomem um táxi e vão ver de perto. Mostro porém um cuspe na água, um copo de vinho, uma folha caindo, casas brancas e cinzas, coloridas, recordações de noites vividas ou pensadas, e de vez em quando uma saudadezinha que boto nas cor ”.[Bandeira, 28 out. 1951]

Antônio Bandeira é considerado um dos maiores artistas abstratos do mundo e um dos maiores nomes da pintura brasileira de forma atemporal. Entretanto, antes dessa fama, ele enfrentou muitas dificuldades enquanto artista. Em uma de suas entrevistas, à autora Vera Novis, publicado vários anos depois, em 1996, ele compartilhou essa triste forma de pensar, mas que condizia com a realidade da época:

“O único meio é emigrar. (…) no Nordeste até os artistas são flagelados”.

Quando estava iniciando na pintura e queria ter futuro fazendo o que gostava, Bandeira acabou seguindo o conselho de Jean-Pierre Chabloz (1910–1984), um amigo pintor suíço, e viajou ao Rio de Janeiro para expandir sua carreira. O Nordeste não proporcionava muitas oportunidades.

Acontece que nos anos de 1940, a situação da promoção da arte no Ceará não era nem de longe a ideal. Havia uma centralização da cultura, que era restrita aos integrantes da elite econômica. O público geral não tinha uma educação/alfabetização para apreciar e valorizar a arte. Além disso, não havia locais que promovessem a essas pessoas. Apesar dessa situação, Bandeira sempre viu potencial no desenvolvimento da pintura no Nordeste como um todo.

Quando tornou-se famoso e tinha capacidade para tal, decidiu que iria promover a arte de suas raízes para além de suas pinturas. Por isso, ele participou da criação de movimentos que mesmo após décadas impactam o nosso estado. O objetivo era descentralizar a arte; tornar a cultura algo mais popular e acessível; e fazer um diálogo entre o nacional e o internacional.

Assim, juntamente com outros pintores importantes, como: Mário Baratta (1915–1983), Raimundo Cela (1890–1954) e Aldemir Martins (1922–2006), Antônio Bandeira criou em 1944, no Ceará, o Centro Cultural de Belas Artes. Essa, que se tornaria anos depois, a Sociedade Cearense de Artes Plásticas — SCAP. Essa associação, além de ter estabelecido parceria entre renomados artistas do estado naquela época, trouxe à tona novos talentos e ajudou a consolidar expressões locais, sendo considerado um importante espaço de promoção dos artistas cearenses.

Posteriormente, em 1946, com o mesmo grupo, passou a liderar o Salão de Abril, um espaço destinado à exposições de artes visuais em Fortaleza, que foi iniciativa da Secretaria de Cultura da União Estadual dos Estudantes (UEE). Além disso, teve uma participação muito importante na criação do Museu de Arte da Universidade Cultural do Ceará (MAUC), o primeiro museu de arte da capital cearense, fundado em 1960.

Durante uma entrevista ao escritor Milton Dias, publicada no O POVO, já em 1963, quando lhe foi perguntado se esse museu estava no caminho certo, ele respondeu: “O MAUC é um bom começo. Antes não tínhamos nada, ou melhor, tínhamos, mas nada agrupado. O MAUC promove e quer promover exposições de artistas daqui e de fora. Espero que todos os artistas daqui compreendam e se unam para a luta. Digo mais: o Museu não é somente da Reitoria e dos que lá trabalham: as portas estarão sempre abertas para todos os artistas de talento e de boa vontade”.

Saulo Rocha, museólogo e educador no MAUC, compartilha sua opinião sobre o legado de Bandeira

Na mesma entrevista de Milton Dias, Bandeira comenta sobre o ambiente artístico de Fortaleza:

“Depende em parte do movimento brasileiro. Fortaleza é uma cidade nova, susceptível de aceitar todo movimento de renovação e economicamente capacitada a desenvolver centros de cultura e arte. (….) Educando o público teremos uma mentalidade para compreensão das artes. Não nos falta sensibilidade pois do mais pobre ao mais rico, o cearense vive apreciando crepúsculos e auroras. Imagine se o puserem diante de um bom quadro”.

“Se não tivesse falecido cedo, ele teria estimulado a criação de outras estruturas formais e informais, como espaços expositivos dos artistas locais e de circulação de artistas de outras regiões”, diz Graciele Siqueira, diretora do Mauc em matéria publicada pelo jornal O POVO em 25 de maio deste ano.

Esse é um trecho da série: Os Cearenses, com direção de Paulo Marandon e produção de Roberto Santos, lançada em 15 de março de 2014. Nele, é possível ver pessoas importantes da vida de Bandeira, comentando sobre seu talento e sua importância para o universo das artes.

Referências

LIVRO

NOVIS, Vera. Antônio Bandeira, um raro. Salamandra Consultoria Editorial; RJ, 1996.

ANTONIO Bandeira, da razão à sensibilidade. Issuu, 2015. Disponível em: <https://issuu.com/andersoneleoteri /docs/livro_catalogo_antonio_bandeira>. Acesso em: 14 de junho de 2022.

ARTIGO

COUTO, Maria de Fátima Morethy. Antonio Bandeira, Vieira da Silva e a arte abstrata no Brasil e na França. Revista do Instituto de Artes da UERJ CONCINNITAS, 2022. Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/concinnitas/article/viewFile/15261/11563>. Acesso em: 14 de junho de 2022.

Lopes, A. da S. (1997). O SAGRADO NA OBRA DE ANTÔNIO BANDEIRA. Estudos Ibero-Americanos, 23(2), 71–82. Disponível em: <https://doi.org/10.15448/1980-864X.1997.2.28275>. Acesso em: 14 de junho de 2022.

SITES

ANTÔNIO Bandeira. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa9205/antonio-bandeira>. Acesso em: 13 de junho de 2022. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978–85–7979–060–7

ANTÔNIO Bandeira. Guia das Artes, 2015. Disponível em: <https://www.guiadasartes.com.br/antonio-bandeira/biografia>. Acesso em: 14 de junho de 2022.

ANTÔNIO Bandeira. Wikipedia, 2022. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B4nio_Bandeira>. Acesso em: 14 de junho de 2022.

ANTÔNIO Bandeira 50 anos. O POVO, 2017. Disponível em: <https://especiais.opovo.com.br/acervo/2017/antoniobandeira/index.html>. Acesso em: 14 de junho de 2022.

ANTÔNIO Bandeira (Fortaleza CE 1922 — Paris, França 1967). Escritório da Arte, 2022. Disponível em: <https://www.escritoriodearte.com/artista/antonio-bandeira>. Acesso em 14 de jun. de 2022.

ANTÔNIO Bandeira: o centenário de um artista agitador. O POVO, 2022. Disponível em: <https://mais.opovo.com.br/jornal/vidaearte/2022/05/10240838-antonio-bandeira-o-centenario-de-um-artista-agitador.html>. Acesso em: 14 de junho de 2022.

COLEÇÃO Antônio Bandeira. Museu de Arte da UFC, 2020. Disponível em: <https://mauc.ufc.br/pt/acervo-colecoes/colecao-antonio-bandeira/>. Acesso em: 14 de junho de 2022.

EXPOSIÇÃO 1961.02 — Pinturas de Antônio Bandeira — 15/07/1961. Museu de Arte da UFC, 2022. Disponível em: <https://mauc.ufc.br/pt/exposicoes-realizadas/exposicao-1961-02-pinturas-de-antonio-bandeira-15-07-1961/>. Acesso em: 14 de junho de 2022.

EXPOSIÇÕES Atuais. Museu de Arte da UFC, 2022. Disponível em: <https://mauc.ufc.br/pt/exposicoes-atuais/>. Acesso em: 14 de junho de 2022.

JORNAL IMPRESSO:

ANTÔNIO BANDEIRA, DO CEARÁ, DO MUNDO. Fortaleza: O POVO, [2022?]-.

POETA DAS CORES. Fortaleza: O POVO, [2022?]-.

TONS DE BANDEIRA. Fortaleza: O POVO, [2022?] -.

Sobre as autoras

Amanda Milena: Redatora da subdivisão: “Um viajante com raízes em casa”.

Isis Lira: Redatora da subdivisão: “Do Ceará para o mundo”.

Rayane Patrinne: Redatora da subdivisão: “Construção do Abstrato: O imaginativo da expressão”.

Vitória Cristina: Redatora da subdivisão: “A ambiguidade da linguagem artística de Bandeira”.

Amanda Milena Lima Pereira, 21 anos, estudante do sétimo semestre do curso de Sistemas e Mídias Digitais na UFC, designer UI/UX e empreendedora na @guildsight. Tenho como hobbies: ler, escrever, assistir animes/doramas e cantar (quando ninguém está olhando). Sempre em busca de uma versão melhor de mim. Contato: amymlpereira@gmail.com
Isis Lira, 23 anos, estudante do sétimo semestre do curso de Sistemas e Mídias Digitais na Universidade Federal do Ceará e Designer Gráfico Autônoma. Amante dos animais, de momentos com pessoas especiais e de karaokê. Sempre em busca de novas experiências e em constante evolução. Contato: isisrlira@gmail.com
Rayane Patrinne, 24 anos, graduanda em Comunicação Social — Publicidade e Propaganda na Universidade Federal do Ceará, Social Media e Consultora Freelancer em Estratégia Digital. Completamente curiosa e fascinada pela possibilidade da descoberta. Apaixonada pela escrita, por gatinhos, pelo Batman, e por fins de tarde em boa companhia. Contato: rayanepatrinne@gmail.com
Vitória Cristina Medeiros Rocha, 21 anos, estudante do sexto semestre do curso de Sistemas e Mídias Digitais na UFC, assistente de marketing e designer. Sou uma pessoa de fases e, no momento, estou apreciando muito a leitura. Gosto de ouvir música, assistir filmes e doramas. Aprecio cada momento com o coração. Contato: vitoriacris1601@gmail.com

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Redação para Mídias Digitais
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Perfil da turma da disciplina de Redação para Mídias Digitais 2019.1 do curso de Sistemas e Mídias Digitais da UFC.