UTOPIA: A última sala da exposição “Sempre Fomos Modernos”
Por Ana Biatriz Cavalcante Veras.
Uma das intenções da exposição “Sempre fomos modernos”, em cartaz no Museu de Arte da UFC, é apresentar a busca do ser humano pelo novo. O título da exposição nos convida a refletir: se “sempre fomos modernos”, somos sempre a modernidade de um tempo que passou?
A exposição começa na sala do Apocalipse, que apresenta os efeitos dessa busca incessante pela modernidade e termina na sala Utopia, que será apresentada ao longo do texto.
A última sala do Museu, é uma sala para refletir sobre toda a exposição, com obras nacionais e internacionais que idealizam a fantasia, um futuro distante e uma realidade realmente utópica.
O próprio posicionamento da sala tem um significado, mesmo sendo a última sala, ela fica lado a lado com a primeira sala, a do Apocalipse, deixando implícito o entendimento que a Utopia leva à destruição e a destruição leva à Utopia, criando um ciclo sem fim ao longo do tempo.
É válido lembrar que o Museu não recomenda, nem dá um direcionamento detalhado de como o visitante deve olhar a sala ou a exposição, mas essas reflexões são resultado do percurso feito pela equipe e também da troca com guias e funcionários do museu. Quer dizer, cada pessoa que faz a visita, terá sua própria interpretação das obras expostas.
A Representatividade Feminina: Nice Firmeza
Por Rauane Batista Peixoto.
Na sala Utopia, vemos uma discrepância de artistas masculinos com relação à artistas femininas. Isso na realidade, não é só um problema apenas da sala, mas sim do mundo artístico em geral.
O ambiente das artes plásticas ainda é predominantemente tomado por homens, o que demonstra como o machismo desqualifica a história das mulheres na arte e sua contribuição no desenvolvimento dela.
Em meio a esse cenário, nos deparamos com algumas mulheres que representam a arte cearense na sala, como Nice Firmeza.
Maria de Castro Osório ou Nice Firmeza, como é popularmente conhecida, nasceu em 18 de julho de 1921, na cidade de Aracati, no Ceará. Nice foi pioneira nas artes plásticas cearenses em um tempo em que não caberia às mulheres tarefas ligadas ao campo das artes.
Uma mulher à frente de seu tempo, sendo a primeira a ingressar na Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP), fundada em 1941 pelos artistas Antônio Bandeira (1922–1967), Raimundo Cela (1890–1954)e Aldemir Martins (1922–2006).
Em 1969, Nice, junto de seu companheiro Estrigas (1919–2014), criou o Mini Museu Firmeza, um lugar que, além de abrigar as obras do próprio casal de artistas, apresenta diversas manifestações da arte cearense.
A arte de Nice Firmeza, é frequentemente ligada à arte Naif, termo usado para designar um estilo artístico popular e espontâneo. Esse é um estilo, geralmente, adotado por artistas sem formação, ou seja, autodidatas, o que não é o caso de Nice, já que a mesma teve sua formação em artes plásticas na SCAP. Porém, a arte de Nice tem características baseadas na simplificação dos elementos, costuma exibir grande quantidade de cores e valoriza a representação de temas cotidianos e manifestações culturais. Dessa forma, suas obras acabam sendo relacionadas a Arte Naif.
Na sala utopia, temos expostos dois quadros de Nice, quadros esses que demonstram muito bem o seu estilo artístico. Os dois quadros extremamente coloridos, que mostram ações cotidianas, talvez a vida no campo? Ou uma família reunida? Sua arte abre debate para diversos tipos de interpretação, mas o que não podemos negar é que seu estilo consegue se destacar entre os demais pelas suas características únicas como o surpreendente colorido de e a presença de crianças e flores.
Os dois quadros estão expostos quase no final da exposição e no chão, bem abaixo deles, temos as seguintes palavras: “Utopia e realidade”. Aqui abro para uma interpretação própria do que as obras possam passar dentro desse cenário da sala Utopia. Como mencionado anteriormente, a sala tem como propósito fazer o visitante refletir sobre como sair daquele espaço pensando em um mundo melhor. Dessa forma, temos diversos quadros que representam realidades diferentes, o mundo fantástico e os sonhos. Os quadros de Nice, tem uma característica de demonstrar o cotidiano, a realidade, mas aqui de forma sonhadora, talvez a realidade que desejamos ter? Um mundo cheio de cores com a família ao redor e crianças felizes em um campo de flores.
Nice faleceu em 2013, aos 91 anos. Porém, seu legado é algo que seguirá inspirando novas gerações, por sua grande importância para o cenário artístico cearense e para artistas femininas que se deparam com um universo majoritariamente dominado por homens e que veem Nice como um grande nome que conseguiu ultrapassar essas barreiras, se destacar e ser lembrada por isso.
Chico da Silva: O rei das Artes
Por Marcos Vinicius.
Pássaros, peixes e dragões. Criaturas fantásticas retratadas no cotidiano abstrato desenhado por um artista. Com traços primitivos, barrocos e surrealistas, Francisco Domingos da Silva, ou Chico da Silva (1910–1985), como era popularmente conhecido, começa no mundo da arte com muros e paredes como quadros para as suas criações com giz e carvão.
Sua história começa em 1910, nascido de uma cearense e um índio peruano, em Alto Tejo, no Acre. Aos seis anos de idade, Chico, junto de sua família, se mudaram para o interior do Ceará, seguindo sozinho, alguns anos depois, para Fortaleza, a capital do estado. Semianalfabeto, vivia de trabalhos pontuais, como consertar sapatos e guarda-chuvas e fazer fogareiros de lata para vender. Ainda assim, se ocupou em expressar suas vivências de infância, concebendo extraordinárias figuras do imaginário popular da cultura indígena amazônica com giz e carvão nas paredes dos casebres de pescadores.
Em meados da década de 1940, com o início da guerra, o pintor suíço Jean-Pierre Chabloz 91910–1984) havia se mudado para o Rio de Janeiro e, em 1943, é convidado a trabalhar em Fortaleza, na campanha da borracha, parte do esforço de guerra. Encontrou-se com as obras a céu aberto, expostas nas ruas de Fortaleza, de autoria do Chico da Silva, até então desconhecido pela comunidade artística. Chabloz incentivou Chico a produzir suas obras, introduzindo-o à técnica de guache, se firmando como o material preferido pelo resto da carreira.
Chico da Silva apresentou parte de suas obras em exposições em Fortaleza, indo também, logo depois, ao Rio de Janeiro em 1945, quando conseguiu expor na galeria Galeria Askanasy, ganhando, assim, referência nacional. Devido sua amizade com Chabloz, suas obras despontaram pelas galerias da Europa durante a década de 1950, onde morou nesse período.
Ao retornar em 1960 para o Brasil, trabalhou em Fortaleza no recém-criado Museu de Arte da UFC, de 1961 a 1963. A vida de Chico não foi tão fácil, ele precisou passar por uma reabilitação devido ao alcoolismo, que durou quatro anos. Apesar desse penhasco, o artista reencontrou sua força na arte, voltando a pintar logo após esse episódio. Infelizmente Chico veio a falecer em 1985, aos 75 anos de idade.
Chico da Silva fez seu nome na arte Naif como o “gênio primitivista” no Brasil, em que produziu obras expressivas, oriundas da tradição popular oral e a partir de sua percepção tenaz das vivências que teve, dando destaque à fauna e às lendas da cultura indígena amazônica. Posteriormente interpôs sua temática com nuances de outros movimentos artísticos, como clássico, barroco, impressionismo e até surrealismo, mas não perdendo a espontaneidade de sua expressão, marcada por grafismo, policromia, textura detalhista e a presença das figuras poéticas, evocadas do folclore amazônico.
Infográfico: Um passeio ilustrado pela sala Utopia
Por Thales Santana
A exposição “Sempre fomos modernos”, ficará em cartaz até dia 29 de Julho de segunda à sexta-feira, das 08:00 às 17:00 horas. Não deixe de conferir no Museu de Arte da UFC.
Referências
https://mauc.ufc.br/pt/exposicao-sempre-fomos-modernos-em-cartaz-no-mauc/
https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa9894/chico-da-silva
https://mauc.ufc.br/pt/acervo-colecoes/colecao-chico-da-silva/
Textos
Ana Biatriz Cavalcante, Marcos Vinicius, Rauane Batista Peixoto.
Infográfia
Thales Santana.
Fotografia
Ana Biatriz Cavalcante, Marcos Vinicius, Rauane Batista Peixoto.
Pesquisa
Ana Biatriz Cavalcante, Marcos Vinicius, Rauane Batista Peixoto, Thales Santana.
Revisão
Rauane Batista Peixoto.
Diagramação
Rauane Batista Peixoto, Ana Biatriz Cavalcante, Marcos Vinicius.