As noites são mesmo escuras ?
Disclaimer 1: A história “As noites são mesmo escuras ?” foi produzida baseada nos fatos reais vividos pelo autor, porém os personagens não tem nomes, para preservar o anonimato das pessoas.
Disclaimer 2: Esta é uma produção multimídia com complementação sonora, ou seja, para usufruir da experiência completa, escute o background enquanto estiver lendo o texto.
Querido diário, hoje foi o dia mais aterrorizante da minha vida…
Às nove horas da noite, eu estou pegando o ônibus para voltar para casa, com minha amiga do lado, estávamos voltando de uma festa na casa de outro amigo meu. Poderia ser o roteiro de um filme romântico, se não fosse pelo que viria a seguir, naquela noite ela disse pra mim que havia preparado os remédios, que estava tudo certo para cometer o fim da vida dela.
Aquelas palavras doeram tanto em mim quanto nela, a forma que me atingiu me mudaria para sempre, de apenas uma pessoa comum, que falava mal da faculdade, xingava as namoradinhas que terminavam comigo, entre outras coisas que um recém adulto faria de normal, mas a maturidade chegou mais rápido do que eu imaginava.
Aquela noite ficaria marcada em meu coração, após um dia maravilhoso de felicidade e festas após o fim de semestre (que diga-se de passagem tinha sido o mais difícil). Sem saber o que fazer, sentei no banco junto a ela e coloquei de forma em que ela pudesse chorar em meu ombro, naquele momento só queria tirar um pouco do peso das costas dela.
Deve ser muito difícil para uma pessoa que vinha do interior do estado ter que conviver longe da família, ter que voltar para uma casa fria e bagunçada, olhar para as contas todo dia e se perguntar se o dinheiro da bolsa ou o do auxílio estudantil irá servir para o fim do mês. Às vezes eu tento me colocar no lugar das pessoas que falam um pouco das mágoas do dia-a-dia, mas sempre é um empenho absurdo que tenho que desprender para entender os sentimentos e buscar as palavras (minimamente) certas.
Resumindo o caso, após muito choro, diálogo e uns cinco ônibus perdidos, tivemos coragem de nos levantar do, banco e partir direções, pegar o ônibus naquele foi muito dolorido, foi como se eu deixasse uma amiga para trás, mesmo dizendo que eu queria vê-la no semestre seguinte, a dor no meu peito de que algo poderia dar errado, era muito grande, mesmo assim, eu acho que consegui fazer o meu papel. Aquela noite parecia mais escura que o normal.
Minhas férias foram todas visitando-a, para saber se ela estava bem, se havia acontecido alguma coisa, ou se alguém havia magoado-a. Fiquei tão amigo dela, que por muito tempo ela foi a minha melhor das amizades, saíamos para falar mal juntos, seja da faculdade ou dos namorados que ela dava fora, era muito engraçado. Mas aquela sensação nunca saía do meu peito, de olhar para ela toda vez e ver o rosto dela chorando, tentei usar o máximo de mim para que cada momento fosse feliz.
Mas toda vez que eu perguntava se semestre seguinte eu ia vê-la na faculdade novamente, feliz e radiante, era uma incógnita, talvez eu pudesse ter feito mais? Talvez eu nunca saiba se esse foi o ponto certo. Dias se passaram, as vezes as conversas ficaram escassas, até que ela voltou para o interior para passar o resto do ano e havia muito pouco contato entre eu e ela, provavelmente por um processo de osmose, ou pela distância, nunca saberei se era apenas uma desculpa para que minha cabeça pudesse processar todo esse episódio.
Além da recuperação dela ter sido lenta, a minha adaptação para ajudar ela teve que ser rápida, nunca tinha me visto como uma pessoa boa de conselhos, mas tive que aprender o que era depressão, o que era ansiedade, como ajudar pessoas com esses sintomas. O aprendizado me tornou uma pessoa mais sábia, inúmeros vídeos de como superar transtornos que beiravam o impossível para o meu eu imaturo naquela época. Finalmente entendi o verdadeiro significado do “Setembro Amarelo” e de que, se eu nasci em setembro, foi pra salvar todas as pessoas com sintomas ou estes tipos de problemas.
Durante as férias, vários amigos meus começaram a aparecer com esses sintomas, baixa autoestima, palavras distantes da realidade e insinuantes à morte. Mas provavelmente as cicatrizes já estavam ali, só eu que não percebia antes, ajudar eles foi quase que uma missão que eu não podia falhar, todas essas pessoas eram extremamente importantes para mim, realmente nunca tive muitos amigos, mas os que tive, eu realmente fui atrás deles.
Voltando o semestre, drenado pelas minhas férias conturbadas, ajudando os meus amigos, acabei virando o “conselheiro”, parece que o mundo ia desabar em cima de mim, mas eu seguia firme e forte, pois meus amigos sempre precisam de um sorriso mais brilhante que o sol que bate em nossas cabeças, todo o dia e eu tinha que entregá-lo sem falta. Terminando o dia, estava procurando a pessoa mais importante naquele momento, onde estaria ela? Será que ela nunca mais voltará? Que pelo menos ela esteja são e salva em algum lugar confortável.
Ao sair exausto do bloco, ajeitei meus óculos, pois não acreditavam no que eu estava vendo, lá estava ela na minha frente, sorrindo radiante para mim, da mesma forma que eu havia sorrido para todos os meus outros amigos durante o dia. Naquele momento meu coração saltou, as lágrimas caíram e fui abaixo, abracei-a como se não houvesse amanhã, conversamos até altas horas. Parecia até que a noite não era mais escura, apenas havia o brilho radiante de uma estrela que tinha acabado de nascer, então será que as noites são mesmo escuras ?
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