Universos acadêmicos e saúde mental

Relatos sobre a experiência universitária e o impacto na saúde mental de estudantes do curso de Publicidade e Propaganda, da Universidade Federal do Ceará.

Redação para Mídias Digitais
Catorze Trinta Ed.6
10 min readDec 12, 2022

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Fonte: Freepick.com Autor: rawpixel.com

Iniciar um curso acadêmico é um momento emblemático para qualquer pessoa. Seja pública, privada, por meio do Enem ou vestibular, como cotista ou pela concorrência direta, o sentimento de conquista, ou alívio sempre vem. É uma mescla de sensações emaranhadas no fundo do nosso ser, que nem sempre conseguimos organizar. Não saber o que sentir também faz parte.

Sou Rick Andrade e convido você a um passeio entre palavras e sons, com base na minha experiência e de outros três universitários, do curso de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda, pela Universidade Federal do Ceará (UFC), para mergulhar nos seus relatos e vivências sobre a jornada acadêmica de cada um e como ela tem afetado a nossa saúde mental.

O Caio Victor está no 3º semestre do curso.

A Clarice Canuto cursa o sexto semestre.

A Milena Raissa também está no 6º semestre do curso.

Tudo muda, tudo troca de lugar.

Dia da matrícula, o ano era 2013. A euforia invadiu o coração e a mente, foi assim comigo — quase não dormi na noite anterior. Ao entrar na Universidade pela primeira vez para fazer a matrícula, tudo era novo e único — até pra alguém que já tinha passado pelo cursinho de pré-vestibular dentro dela. Depois de tudo assinado vem o trote, do qual eu fiz questão de sair todo pintado e ir andando do Campus do C.H 2, no Benfica, até o restaurante onde minha mãe trabalhava, no Centro de da cidade. Era o meu dia, um muito feliz. É depois desse dia que dobra a expectativa para uma das fases que a sociedade coloca como sendo uma das conquistas mais importantes de um jovem quase adulto: ser universitário.

Vindo do Bairro Bom Jardim, da periferia de Fortaleza, fui o segundo aluno a entrar pela cota social no curso e durante os sete primeiros dias vi que a realidade da maioria dos meus colegas era bem diferente da minha. Enquanto eu já pensava em ir atrás de uma bolsa para poder garantir a passagem de ônibus e o valor do Restaurante Universitário para poder chegar e me manter na universidade, um colega reclamava do modelo de carro que ia ganhar do pai por ter entrado para uma Universidade Pública. Quando as aulas iniciaram me vi encantado com o conteúdo e a abordagem dos professores, mas tinha vergonha de comentar e fazer perguntas, pois me veio um sentimento de “não pertencimento”, junto aos colegas e também a percepção de que eu sabia menos. Esse sentimento que acompanhava minha rotina me trouxe a vontade de mudar de curso, algo que durou até o 3º semestre.

A Milena e a Clarice também falaram um pouco sobre a questão do sentimento de pertencimento.

Rotinas e trajetos

Autor desconhecido. Oficina de cartazes para manifestação. 2013. 1 fotografia. 1600 x 1200 pixels. Arquivo pessoal. Acesso em: 07 dez. 2022.

O dia-a-dia universitário em um curso integral como o de publicidade tende a ser bem cansativo mesmo para quem consegue se dedicar unicamente às disciplinas. Para poder garantir a permanência no curso, tive de conciliar as cadeiras e bolsas remuneradas. Na bolsa de Iniciação Acadêmica, tive a sorte de ser alocado na coordenação do meu curso e, assim, conhecer o corpo de professores e alunos, o que ajudou a resolver problemas cotidianos dos colegas em relação ao curso e trouxe uma melhora no sentimento de impostor, pois entendi que existiam muito mais possibilidades na Publicidade, além da minha turma. Entender a dimensão do curso, apesar do cansaço que começava a se acumular, me fez querer ficar.

Ao ouvir os relatos de Milena e Clarice, notei como é interessante uma certa semelhança em alguns pontos, mesmo com uma distância de alguns anos.

Refletindo, lembrei de um dos grandes desafios que lidei durante todo o curso: conciliar a vida acadêmica com a vida pessoal. A necessidade de acompanhar o nível das discussões e conseguir se provar como merecedor da vaga conquistada em uma universidade, ainda mais uma pública, causava a sensação de que qualquer tempo livre que não fosse dedicado às atividades da universidade trouxesse um sentimento de culpa. Quase um sentimento de impostor.

Ao meu ver, a comunicação no geral é uma área de estudo e trabalho que requer uma formação abrangente, o que é ao mesmo tempo que traz um campo variado de locais onde o comunicador pode atuar, também cobra dele “saber um pouco de tudo”. Para mim, essa característica do curso trouxe uma dificuldade em escolher onde trabalhar, pois não me achava preparado o suficiente para nenhuma área, o que me deixava bem ansioso.

Para complementar com relatos atuais, seguem os pontos de vista do Caio e da Clarice, sobre esse sentimento dentro do curso, no dia de hoje.

Uma virada de página

COSTA, Freddy. Acadêmicos da Casa Caiada no Carnaval de rua de Fortaleza. 2015. 1 fotografia. 2048 x 1278 pixels. Disponível em: https://www.facebook.com/photo/?fbid=819671094772770&set=a.819670791439467. Acesso em: 07 dez. 2022.

Em meados do 4º Semestre, virei bolsista de um projeto de extensão do curso de Música da universidade, o Acadêmicos da Casa Caiada, que consistia em ter aulas práticas de percussão, e apresentar o espetáculo musical montado pelo grupo, em diferentes equipamentos culturais da cidade. Era como fazer o trabalho de um produtor cultural. Foi emblemático como estar em um projeto de extensão que não era da minha área de formação me fez encontrar um novo propósito dentro do curso.

No 5º semestre, inspirado pelo projeto, me candidatei a uma vaga de estágio em uma produtora cultural. E me enchi de alegria e surpresa, quando fui selecionado. Iniciei o trabalho e foi como se o curso em si finalmente fizesse sentido. Conciliar o estágio, as aulas e a vida acadêmica ficou cada vez mais difícil. As aulas aconteciam no bairro do Benfica, e depois migraram para o ICA, no Campus do Pici. O estágio ficava em um prédio comercial na Beira-Mar e todos os dias eu tinha de me deslocar do Bom Jardim, em um trajeto diário feito em dois ônibus, num total de mais de 20 quilômetros.

A fala do Caio também cita essa questão da distância e da mudança brusca de rotina.

Ao longo dos meses, o acúmulo de cansaço, responsabilidades no trabalho — onde eu sempre escolhia fazer hora extra — junto com problemas familiares e pessoais e a pressão pessoal para defender o TCC — que eu estava fazendo junto com uma amiga — e transformar o estágio em emprego, me fizeram começar a procrastinar. Assim, comecei a faltar às aulas e acumular atividades.

Milena e Clarice também pontuaram sobre a pressão e o acúmulo de funções.

A tragédia e o caos

Tudo estava acontecendo, apesar da pressão até que, em 9 de março de 2018, aconteceu um fato que me fez tomar uma decisão. Estava em um bar, na praça da Gentilândia comemorando o aniversário de um grande amigo, quando fomos surpreendidos por tiros. O episódio ficou conhecido como “Chacina do Benfica”. Depois de presenciar essa tragédia, sempre sonhava com as cenas e não conseguia mais ir às aulas.

O resultado desse período foi a escolha por desistir do curso e sair do estágio/emprego, no início de 2018. Sobre o TCC, entreguei boa parte da minha responsabilidade, minha amiga conseguiu defender e se formou com nota máxima.

Uma busca por acolhimento

Em todos esses semestres de curso, desde o início em 2013.1, até a desistência em 2018.1, ensaiei a busca por projetos e programas da Universidade que pudessem me fornecer um suporte emocional, mas nunca cheguei a começar. Pesquisei, descobri, coloquei meu nome na lista de espera, mas a fila era grande e, com o tempo, acabava esquecendo de checar.

Mesmo que a Universidade oferecesse algumas possibilidades de suporte, conseguir uma vaga era demorado e a divulgação era escassa, o que dificultava a busca e o acesso de quem já se encontrava em uma situação de vulnerabilidade. E assim, minha jornada acadêmica chegava ao fim.

Durante a pandemia, o acompanhamento tornou-se ainda mais escasso, pois o número de estudantes procurando esses serviços aumentou exponencialmente.

Ressignificando a jornada

Os anos de 2018 e 2019 foram intensos e trouxeram muitas (re)descobertas sobre quem eu era e como sentia a vida e lidava com tudo o que acontecia comigo e ao meu redor. Esse processo, me reaproximou de uma pessoa muito importante: minha mãe.

Ao longo dos primeiros meses após a escolha que fiz no início do ano, me fechei pro mundo dentro do quarto. Não queria sair, nem receber amigos ou procurar emprego. Na verdade, achava que não conseguiria mais fazer nada disso, ficava ansioso e com medo de sair de casa. Até que minha mãe, uma mulher que criou dois filhos sozinha, e é a maior expressão de força que conheço, me tirou do quarto, me levou pra feira de rua e me transformou em feirante, junto com ela. Hoje, ela tem uma loja de artigos infantis, conquistada com muito trabalho e amor, assim como conquistou a minha significativa melhora.

Esse incentivo me levou a querer finalizar o ciclo que iniciei em 2013. E, em 2019, fiz o Enem e consegui passar novamente para o Curso de Comunicação Social — Publicidade e Propaganda, da Universidade Federal do Ceará. E com muita ajuda da coordenação do curso, consegui aproveitar todas as disciplinas que havia feito antes.

Hoje, no final do semestre de 2022.2, resta apenas o TCC para finalmente encerrar esse ciclo em minha vida. O sentimento é de alegria, misturado com o cansaço que trabalhar 8h por dia e estudar traz, mas aqui me dirijo a você, que é aluno e por ventura encontrou esse texto e chegou até aqui: mais importante que chegar ao fim do trajeto, devemos valorizar tudo o que foi aprendido no caminho, quem conhecemos e que nos ajudou a enfrentar essa jornada.

Onde encontrar suporte emocional profissional, na UFC?

Fonte: Freepick.com Autor: rawpixel.com

Como estudante, sinto que ainda há mais alunos precisando de amparo do que a quantidade de vagas disponíveis nos programas institucionais. Mas é bom saber que temos onde procurar ajuda na própria UFC.

Para finalizar essa travessia, compartilho diversas ações e projetos desenvolvidos por departamentos e professores da Universidade Federal do Ceará, voltados para fornecer suporte emocional e profissional para estudantes.

1. Grupos de Apoio Psicológico — Projeto SigniFICANDO

O projeto desenvolve grupos de apoio psicossocial para estudantes da UFC, em Fortaleza, visando a construção de espaços de compartilhamento de experiências ligadas aos desafios enfrentados após a inserção na vida universitária.

O Projeto tem pareceria com o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), que estabelece a atenção à saúde e o apoio pedagógico, com “a finalidade de ampliar as condições de permanência dos jovens na educação superior”.

  • Email: projetosignificando@gmail.com
  • Redes Sociais (Facebook, Instagram e etc.): não há.

2. L’ABRI / UFC — Laboratório de Relações Interpessoais

O L’ABRI possui o intuito de promover a qualidade de vida e a saúde mental dos estudantes do curso de Psicologia da Universidade Federal do Ceará, por meio da facilitação de grupos vivenciais que usam a arte como mote.

O projeto desenvolve os grupos de: Psicodrama, RPG de Mesa e Arteterapia. A cada semestre são realizados novos grupos.

3. APE — Acompanhamento Psicológico para Estudantes

O projeto consiste em propiciar bem-estar psicológico e saúde mental, ofertando acompanhamento psicológico de forma online ou presencial, aos estudantes de cursos de graduação e de pós-graduação da UFC. Nos atendimentos são abordadas questões sobre: aprendizagem, sensação de fracasso escolar e questões existenciais de ordem intrapessoal e interpessoal que interferem na satisfatória integração do estudante às suas atividades acadêmicas.

4. FACED Acolhe

O Projeto teve origem por demandas que foram apresentadas em um Seminário de Planejamento e Avaliação, realizado pela Faculdade de Educação da UFC, que aconteceu no ano de 2021. Desde então, o FACED Acolhe busca propor atividades com o objetivo de fomentar discussões e reflexões sobre formas alternativas de lidar com fatores associados à saúde física e mental dos docentes, discentes, TAE’s da FACED, além de demais interessados da Universidade Federal do Ceará e da comunidade em geral.

Dentre suas atividades estão: 1) Rodas de Conversas; 2) Projeto Reiki na FACED; e 3) Laboratório de Estudos sobre a Consciência (encontros semanais). Algumas atividades contam com parcerias como: o ICA, outras unidades da UFC e instituições externas.

  • Fones: 33667663 / 33667665
  • E-mail: facedufc@ufc.br
  • Instagram: @facedemacao

5. Projeto “Tornar-se PSI”

Voltado para alunos dos cursos de saúde, principalmente o de psicologia da UFC, é um projeto vinculado ao PÃIM — Programa de Ações Integradas pela Vida do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) que fornece aos estudantes de Psicologia dos primeiros semestres e dos últimos anos cursando estágios curriculares obrigatórios, de Instituições públicas ou privadas e em situação de vulnerabilidade socioeconômica, apoio psicológico através de uma Rede de Psicólog(e)s que atuam de forma voluntária no cuidado com a saúde mental desses estudantes.

6. Divertidamente

Tem como objetivo geral oferecer suporte aos estudantes dos cursos da saúde da UFC, mediante ações de promoção da saúde mental, bem como, acolhimento e abordagem de suas demandas emocionais geradoras de adoecimento psíquico e de evasão dos cursos. Atualmente, oferece três atividades: Encontros Temáticos em Regulação Emocional e Mindfulness; Grupo de Prevenção e Tratamento de Transtornos de Ansiedade e Depressão; Acolhimento via WhatsApp.

Sobre o autor

Publicitário em formação pela Universidade Federal do Ceará, Produtor e Agente Cultural formado pelo Programa de Formação em Produção e Gestão para Agentes Culturais (Secultfor/Imparh), com foco na área de inscrição e acompanhamento de projetos, comunicação e produção cultural. Iniciou no campo da cultura em 2012, na comunicação de plataformas online e offine e no apoio à produção cultural das ações do projeto Acadêmicos da Casa Caiada (UFC). Em 2015, iniciou na Quitanda Soluções Criativas atuando na comunicação e produção de diversos projetos do setor cultural. Foi onde conheceu e se engajou nos processos de inscrição e acompanhamento de projetos em diversos âmbitos culturais a nível regional e Nacional como Mecenas Ceará, Lei de Incentivo à Cultura do Rio de Janeiro, e Rouanet. Hoje, atua como Coordenador de Projetos e produtor cultural na mesma empresa. Contato: rickcomunicador@gmail.com.

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Redação para Mídias Digitais
Catorze Trinta Ed.6

Perfil da turma da disciplina de Redação para Mídias Digitais 2019.1 do curso de Sistemas e Mídias Digitais da UFC.