Desculpas ao passado

Marcela Capobianco
Cena Seguinte
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2 min readApr 10, 2018
"Em meio ao caos e a um vislumbre de futuro bem nebuloso, preciso pagar meus boletos."

Cheguei àquele ponto da vida em que estou desapontando meu eu adolescente. Lá pelos 14, 15 anos me sentia deslocada no tempo/espaço e queria ter vivido os anos de chumbo da ditadura militar. Eu iria para a luta armada, planejaria o sequestro do embaixador americano junto com o Gabeira e provavelmente passaria anos exilada com Caetano e Gil em Londres, para que meus dons artísticos florescessem e atingissem o grau máximo de encantamento das massas. Corta pra 2018 e eu me apavorando com o Rio em intervenção federal — que até agora ninguém explicou direito do que se trata — de general ameaçando manter a ordem democrática (?) através do Twitter (!!), pessoas extremamente agressivas perdendo amigos por causa de política. O reality show mais acompanhado do momento é o Jornal Nacional, e a expectativa é saber qual é o próximo a ser confinado… Atrás das grades. Em meio ao caos e a um vislumbre de futuro bem nebuloso, preciso pagar meus boletos. E, para isso, preciso trabalhar. Mil horas dentro de um escritório, dá tempo de tomar as ruas? Dá não. Militância de Facebook? Tenho preguiça, a não ser quando viro a justiceira anti-fake news no grupo de WhatsApp da família. Alienada também já é demais, mas sigo tentando equilibrar razão e emoção. E a luta armada, perguntaria a minha versão de 2004. Ah, querida… Só de ouvir um pipoco meu coração já quase sai pela boca. Imagina eu — e você, mais velha, mais loura e bem mais cansada — soltando uns pipocos por aí? Estabanada desse jeito? Melhor desistir e encarar a papelada pro Imposto de Renda. Todo ano é a mesma coisa e você — ok, eu — se enrola toda. E olha que não tem quase nada pra declarar. Virar adulto é um saco. Mesmo. E eu tento reencontrar a leveza da adolescente confiante e cheia de sonhos ao trocar figurinhas da Copa, ao rir, ainda que de nervoso, dos meus tropeços e ao teimar em acreditar num pedacinho de céu azul nesse horizonte cinza. Que época pra virar adulta, hein? Foi mal aí se eu tô te desapontando, mas tô tentando crescer sem pirar de vez. Você — e eu também — jamais imaginou que essa trajetória teria tantos sobressaltos.

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